por Orson Peter Carrara.
É muito comum ouvir essa afirmação, que usei como título, como justificativa de dirigentes, coordenadores de reuniões mediúnicas e médiuns diante de situações inesperadas ou mediante questionamentos onde os indagados não sabem ou não querem responder.
Compara-se às desculpas comuns no cotidiano dos relacionamentos, onde o medo, ou excesso de zelo e outras preocupações e interesses entram no processo para solução de alguma pendência. E mesmo por não saber como agir, claro, transferindo ou terceirizando responsabilidades. É uma forma de escapar do “aperto” de algum questionamento.
Os questionamentos surgem de várias circunstâncias. Podem ser oriundos de decepções, frustrações, dificuldades, discordância, incômodos variados e mesmo ignorância (de não saber mesmo) ou de constrangimentos diversos.
Afinal é mais fácil transferir para os espíritos aquilo que não sabemos como resolver ou responder. E referida prática acaba se transformando num “espiritismo à moda da casa ou do dirigente”, adaptado ao conceito daquele que se acha investido, ou assim se sente, do poder de decisão sobre questões que os espíritos deixam à nossa avaliação, justamente para aprendermos e amadurecermos. Um benfeitor espiritual legítimo nunca dá respostas prontas, deixando que experimentemos as decisões, as escolhas, os acertos e equívocos. Eles respondem sim, com agrado, questões que nos auxiliem o progresso e nos façam melhores, mas não se submetem a um plantão de respostas a resoluções que nos cabe avaliar para as melhores decisões.
Será de muita importância, antes de quaisquer argumentos que possam apresentar, que se consulte atentamente – e com constância – o conteúdo do capítulo XXVI – Perguntas que se podem dirigir aos Espíritos – constante de O Livro dos Médiuns, em sua Segunda Parte. Especialmente no item 291 – Perguntas sobre os interesses morais e materiais (itens 17 a 20), onde se concentra o cerne da presente abordagem. Principalmente, é claro, na questão moral, onde se originam os questionamentos mais comuns.
Dirigir perguntas aos espíritos não é algo banal. Há circunstâncias específicas, que devem ser levadas seriamente e não como “muleta escapatória”. Afinal fazer disso um hábito vicioso favorecerá que espíritos fraudulentos – e que se aproveitam da própria invisibilidade para enganar e dominar – sejam os que respondem, normalmente jogando mais lenha na fogueira.
E, por outro lado, há que se considerar que os espíritos aí não estão para simplesmente ficarem responderem nossas dúvidas. Muitas questões cabem à nossa capacidade de sentir, raciocinar, refletir, com uso inclusive das diretrizes doutrinárias já disponíveis na Codificação Espírita. Muitas decisões cabem a nós mesmos. Muitas escolhas cabem aos encarnados, que vamos aprender nesse desafio de analisar e decidir.
Tudo submeter à opinião dos espíritos é no mínimo falta de bom senso, ausência de discernimento. É exatamente na análise ponderada das situações que amadurecemos para as escolhas mais corretas e coerentes. Transferir decisões com a justificativa de que “precisamos consultar os espíritos” denota falta de conhecimento doutrinário. O que é grave para um dirigente ou coordenador de grupos mediúnicos. Claro que a busca de uma orientação para dúvidas variadas, com a prece, com a vibração, com os pedidos mentais, são recursos que não podem nem devem ser desprezados, mas se a prática é comum no cotidiano, algo está errado.
Ou falta conhecimento ou criou-se dependência. Nos dois casos fica-se exposto à influências dos chamados “falsos profetas da erraticidade”, tão bem apresentados em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 21, especialmente no item 10 com aquele título. Ali, o Espírito Erasto classifica as comunicações como oriundas de espíritos vaidosos e medíocres.
Portanto, cuidado com a dependência de espíritos. O estudo doutrinário nos preserva de enganos e ilusões. Na verdade, nos protege. E fujamos ao hábito de que vamos consultar os espíritos. Antes, analisemos as diretrizes doutrinárias já disponíveis. Somos capazes de uma análise imparcial, lógica, coerente, sem fugir aos questionamentos. O estudo doutrinário continuado nos capacita para isso.
Convenhamos, todavia, não somos sábios, somos todos aprendizes. Surgirão sim dúvidas e questionamentos variados. Tenhamos, porém, a humildade de reconhecer nossa limitação e caso não sejamos capazes de discernir sobre determinadas questões, busquemos trocar ideias com amigos próximos ou outros, ainda que distantes, confiáveis. Mas procuremos erradicar do vocabulário e do comportamento de que “preciso consultar os espíritos”. Se isso virar rotina, não entendemos ainda o Espiritismo.
Como garantir nas repostas que possamos obter, que provém de espíritos sábios e coerentes? Somente o estudo doutrinário nos dará condições de discernimento. Se nos acostumarmos com a prática, abrimos brechas para que espíritos mal informados, e muitas vezes hipócritas, se aproveitem de nossa provável ingenuidade. Afinal, os bons espíritos se afastam de quem não se esforça…