por Cesar Boschetti.
Com toda certeza, o termo IA ou AI, do original inglês, não deve ser novidade para ninguém, ou quase ninguém. Mas será que as pessoas sabem o que, de fato, vem a ser essa tal de (I)nteligência (A)rtificial?
A expressão IA foi usada pela primeira vez 1956 por John McCarthy, da Stanford University para descrever o objetivo de criar máquinas que pudessem simular a inteligência humana. A ideia pegou e passou a ser usada desde então. A IA não nasceu “ontem” da noite para o dia. Como toda pesquisa científica, é um processo longo, contínuo e cheio de altos e baixos. [1].
O importante é entender que não se trata de uma inteligência no sentido humano. A inteligência humana é uma combinação complexa de raciocínio lógico, emoções, sensações, sentimentos, intuições, desejos, consciência, empatia, compaixão, imaginação, vontade própria e livre arbítrio. A IA é uma tecnologia de processamento de grandes volumes de dados utilizando algoritmos capazes de identificar padrões, tendências e cruzar dados para resolver problemas que um ser humano não conseguiria em tempo hábil. São algorítimos sofisticados que seguem uma lógica matemática e estatística, imitando de certa forma rudimentar a inteligência humana.
Mas não vamos nos ocupar com a tecnologia em si. Apesar de fascinante, existem aspectos mais importantes para ponderarmos. O que importa em nossa reflexão são os impactos que essa tecnologia possa ter sobre a sociedade humana.
Uma boa medida da importância dessa preocupação vem do prêmio Nobel de física deste ano 2024, anunciado no dia 8/10. Os premiados foram os cientistas, John J. Hopfield, americano trabalhando na universidade de Princeton e Geofrey E. Hilton, inglês, trabalhando na universidade de Toronto.
Ambos foram reconhecidos pelo trabalho realizado em redes neurais, um tópico fundamental no desenvolvimento de algorítimos para a IA. Vale destacar que Geofrey E. Hilton deixou a Google no ano passado para ficar mais à vontade para falar sobre os perigos da IA [2].
Essa preocupação não é nova. Em 1968 foi lançado o filme “2001, uma odisseia no espaço”, um clássico da ficção científica dirigido por Stanley Kubbrick, baseado no romance de Arthur C. Clarke. Já nessa época, o filme explorava os aspectos éticos e filosóficos envolvendo a inteligência artificial. O computador de bordo da nave que se dirigia a Saturno, decidiu eliminar a tripulação por julgar que colocavam em risco a missão. É um filme que vale a pena ser visto. Tem poucos diálogos, mas prima pela cenografia e profundidade filosófica [3].
É claro que a situação retratada no filme 2001 dentre outros como, “O exterminador do futuro”, série iniciada em 1984, não tem a menor chance de acontecer. Não será necessário o estabelecimento de leis robóticas como imaginadas por Isaac Asimov em sua obra de ficção de 1950, “Eu, Robot” [4]. A IA jamais poderá se rebelar contra o ser humano, simplesmente porque não é humana. Não tem emoções, não tem desejos, vontade própria nem consciência.
Quem usa a IA pode se tranquilizar. De acordo com recente artigo, J. S. Sichman, do grupo de IA da USP [5], nos informa que a tecnologia existente hoje e pelas próximas décadas, não permitirão a construção de um computador tão sofisticado como o cérebro humano a ponto de se tornar uma ameaça.
Os impactos da IA sobre o ser humano e a sociedade são de outra ordem. A automatização de inúmeras atividades humanas, processo já iniciado no século XVIII com a primeira revolução industrial, poderá atingir níveis não imaginados antes e terá grande impacto sobre o emprego em inúmeros setores. A educação escolar, e a formação de modo geral das novas gerações, poderá sofrer impactos imprevisíveis.
A vulnerabilidade dos sistemas de IA a ataques cibernéticos é a mesma de qualquer sistema computacional. Todos esses aspectos trazem enormes desafios que precisam ser encarados. No plano do emprego, por exemplo, é óbvio que o encolhimento da classe trabalhadora, implicará num correspondente encolhimento da classe consumidora também. É possível que surjam novos nichos de emprego, mas pouco provável que sejam suficientes para absorver a grande massa de desempregados. Se os paradigmas socioeconômicos atuais não forem modificados, o sistema poderá entrar em colapso. Além disso, o uso indevido ou criminoso da IA precisará ser rigidamente controlado. Uma tarefa cujas dificuldades são patentes, conforme nos mostra a realidade atual de combate ao crime organizado.
Todos esses aspectos impõe a necessidade imediata de normas regulamentadoras desde a base, no projeto dos sistemas de IA até seu uso final.
Mas talvez a IA seja o empurrão que o ser humano estava precisando para mudar seus valores e princípios ligados ao egoísmo e à ganância. Acredito que uma mudança radical de paradigma não tardará a vir. O paradigma socioeconômico atual, fundado na competitividade e consumismo exagerados não tardará a ruir. Creio que um novo paradigma cooperativista lastreado em mais amor e respeito ao próximo e à natureza deverá surgir. Não há outra saída para os enormes desafios socioambientais que se avizinham.
Mas há uma outra questão fundamental que precisa ser abordada. Estamos falando de inteligência artificial quando, na verdade, mal conhecemos o que vem a ser a inteligência real do ser humano. Falo do espírito humano ou consciência. Sob uma perspectiva puramente materialista, a inteligência ou consciência é uma propriedade do cérebro. Sob esta perspectiva, não é absurdo imaginarmos que, em algum momento no futuro, seja possível construirmos uma réplica artificial perfeita e superior ao cérebro humano.
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, contesta essa hipótese. Ele acredita que a inteligência humana jamais poderá ser reproduzida. Na entrevista deste link [6] ele afirma o seguinte, “… cada vida humana é como um livro que jamais será reescrito no universo…” O cientista dá a entender que cada um de nós, humanos, somos únicos. É uma visão muito interessante. Revela uma grande admiração e respeito pela natureza, independentemente de ser monista ou dualista.
Mas a realidade não se limita apenas à matéria ordinária. Há muitas boas razões para tomarmos a realidade como sendo dual, isto é, formada por espírito e matéria. O cérebro humano não é a sede da inteligência, é um transdutor, isto é, um sistema orgânico, altamente complexo, por meio do qual o espírito incorpóreo, se manifesta no mundo material.
A perspectiva dualista nos coloca frente a frente com uma realidade inteiramente nova e praticamente desconhecida. E não se trata de mera crença religiosa. Evidências dessa realidade dual existem desde os primórdios da humanidade. No passado, as manifestações foram tomadas como fenômenos sobrenaturais e miraculosos, ensejando o aparecimento das inúmeras crenças e religiões, conforme a época e o contexto no qual ocorreram. De início surgiram inúmero deuses. Mais tarde o monoteísmo acabou conquistando parte expressiva da população mundial, embora o politeísmo ainda se apresente vigoroso em algumas culturas, como no hinduísmo por exemplo.
Cabe aqui uma ressalva importante. A realidade dual de que falamos se refere ao mundo espiritual e ao mundo material no qual, nós espíritos humanos, estamos temporariamente encarnados. A divindade é um caso a parte.
As manifestações que desde eras passadas mostravam evidências da existência de algo além do corpo físico, são manifestações do espírito humano, hora sob alguma forma de mediunidade, hora por ocasião de uma EQM (experiência de quase morte), hora sob um evento de TCI (Transcomunicação instrumental) ou durante um caso de desdobramento espiritual no qual o espírito, por alguns momentos, consciente e espontaneamente, ou induzido de alguma forma, se projeta para fora do corpo. Isso é conhecido também como EFC (Experiência fora do corpo) ou projeção astral.
Não vamos nos deter em nenhuma dessas categorias de manifestação. As manifestações do espírito foram exaustivamente estudadas, em detalhes, de forma sistemática e rigorosa por Allan Kardec, em meados do século XIX [7] e [8]. Muitos outros cientistas da época também se debruçaram sobre o assunto.
As EQMs, a TCI e as EFCs, são manifestações cuja investigação cabe perfeitamente dentro dos estudos iniciados por Kardec. Só não foram diretamente estudados por ele porque não havia relatos na época. Cada um desses fenômenos, representa hoje uma grande área de estudo, envolvendo inclusive organizações inteiras [9], [10] e [11].
É pena que os estudos ocorram de forma isolada. Há muito pouca interação entre essas áreas. Parece até que se trata de coisas muito diferentes, sem qualquer relação uma com as outras. Fica cada área no seu espaço junto aos seus simpatizantes, praticamente ignorando as demais, como se as outras não passassem de efeitos secundários sem importância científica. É inevitável não inferir certa dose de exclusivismo envolvido nesse padrão. Levando em conta as devidas particularidades, isso também ocorre no meio acadêmico, onde grupos trabalhando em áreas afins pouco se conversam. É a postura típica do paradigma competitivo atual. É a disputa por verbas, por destaque, por prestígio social ou acadêmico, pela publicação do primeiro artigo e por aí vai.
É pena que assim seja, pois haveria muitos benefícios se houvesse uma troca mais efetiva de informações e experiências, tanto na área espiritualista quanto na área materialista.
É aqui que a Inteligência Artificial pode trazer importantes contribuições aos estudos metafísicos. Os algoritmos de IA podem ser treinados para pesquisa em textos e bases de dados de fontes espiritualistas diversas. Isso traria enormes benefícios para a pesquisa e estudo no âmbito da espiritualidade. Conforme respostas da própria IA (ChatGpt da Open AI e Copilot da Microsoft) podemos destacar o seguinte:
1. Análise de Dados: A IAE pode processar grandes volumes de dados de relatos de EQM, mediunidade, EFC e TCI, identificando padrões e correlações que podem não ser perceptíveis para um pesquisador humano.
2. Simulação e Modelagem: Utilizando simulações avançadas, a IAE pode recriar cenários de EFC e EQM, ajudando os pesquisadores a entenderem melhor essas experiências em um ambiente controlado.
3. Detecção de Fenômenos: Em TCI, a IAE pode ser usada para analisar sinais e identificar possíveis comunicações espirituais, separando os ruídos dos dados significativos.
4. Apoio Terapêutico Personalizado: A IAE pode desenvolver programas de apoio emocional e espiritual personalizados para indivíduos que passaram por EQM ou que estão explorando a mediunidade, utilizando análise emocional e predições comportamentais.
5. Integração Multidisciplinar: Com a capacidade de cruzar dados de diferentes disciplinas, a IAE pode facilitar uma abordagem mais holística para a pesquisa espiritual, integrando insights da psicologia, da neurociência e de estudos de religião.
6. Automatização de Experimentos e Protocolos Científicos: A IAE pode automatizar protocolos científicos, garantindo que os experimentos sejam realizados de forma consistente e controlada, minimizando erros humanos e aumentando a precisão dos dados. Sistemas baseados em IA podem garantir que os mesmos parâmetros sejam aplicados em diferentes tentativas e que dados sejam coletados e organizados de maneira eficiente, facilitando a análise e a replicabilidade dos resultados.
Conclusão
Com a aplicação de IA, esses fenômenos podem ser investigados com uma precisão e uma abrangência nunca antes possíveis, permitindo aos pesquisadores focarem menos nas barreiras teóricas e mais na análise objetiva dos dados. A IA possibilita uma abordagem integrativa que busca entender a essência desses fenômenos, favorecendo um diálogo entre ciência e espiritualidade, ao mesmo tempo em que mantém uma postura neutra e rigorosa. Isso poderia gerar não apenas novas descobertas, mas também uma compreensão mais aberta e multidisciplinar da consciência e da realidade espiritual.
Um bom exemplo do uso da IA no espiritismo é o trabalho, “Cidades Espirituais”, do designer gráfico Luis Hu Rivas, de origem peruana [12].
É claro que, independentemente da IA, se houvesse maior diálogo entre áreas afins e mesmo entre doutrinas diferentes, mas com vários pontos convergentes, deixando de lado as preferências pessoais exclusivistas, só teríamos a ganhar. Nossa compreensão sobre a dimensão espiritual e suas implicações para a dimensão material já poderiam estar muito mais adiantadas e disseminadas. E, quem sabe? O mundo já poderia estar bem melhor do que está hoje.
Kardec sempre defendeu a postura aberta e desprovida de preconceitos. Sempre orientou a conduta racional do estudioso – fé raciocinada – dizia ele, diante de todos os fenômenos, mas sempre buscando conhecer bem antes de qualquer crítica ou desaprovação. Inclusive, Kardec fez questão de compor um catálogo [13] com diversas obras favoráveis, contrárias e correlacionadas ao espiritismo, afirmando a importância de conhecê-las para uma compreensão mais sólida da dimensão espiritual. É uma recomendação que deveria ser refletida por todos os ramos que se dedicam ao estudo dos fenômenos espirituais. O futuro está na cooperação e integração de todos os saberes voltados ao progresso do ser humano.
REFERÊNCIAS
[1] História da Inteligência Artificial. Instituto de engenharia
[2] Prêmio Nobel de Física de 2024:
[3] 2001, Uma odisseia no espaço
[4] Eu, Robô
[5] Revista Estudos Avançados (USP)
[6] Miguel Nicolelis, sobre o cérebro humano. Veja a fala na marca de 1h54m https://www.youtube.com/watch?v=-57MqSAE-i8
[7] O livro dos espíritos, Allan Kardec.
[8] O Livro dos Médiuns, Allan Kardec.
[9] O Físico Tomas Campbell fez estudos sobre a consciência.
[10] Robert Monroe dedicou-se ao estudo das EFCs.
Representação no Brasil:
[11] Waldo Vieira, antigo parceiro de Chico Xavier também dedicou grande parte de sua vida ao estudo das EFCs.
[12] Uso da IA
[13] Catálogo racional