Lei e consciência

por Sérgio Biagi Gregório.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Histórico. 3. Lei e Lei Natural: 3.1. Definição de Lei; 3.2. Considerações sobre a Lei: 3.2.1. Lei Física; 3.2.2. Lei Moral; 3.2.3. Lei Natural; 3.3. Conhecimento da Lei Natural; 3.4. Divisão da Lei Natural. 4. Consciência: 4.1. Definição de Consciência; 4.2. Graus da Consciência; 4.3. Consciência e Inconsciência; 4.4. A Casa Mental. 5. Bíblia, Jesus e Espiritismo: 5.1. Bíblia; 5.2. Jesus Cristo; 5.3. Espiritismo. 6. Conclusão. 7. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é mostrar a relevância da Lei Natural em todos os nossos comportamentos: em casa, no escritório ou na sociedade. Os tópicos para o desenvolvimento do tema são: pequeno escorço histórico, análise da Lei em seus vários aspectos, a consciência (moral): o bem e o mal, o Velho e o Novo Testamento, a aplicação prática da Lei e o Espiritismo.

2. HISTÓRICO

As Leis Naturais existem desde sempre: elas são tão velhas quanto o próprio Deus. Na Antigüidade, embora os grandes filósofos não a expressassem textualmente, podemos lê­las nas entrelinhas dos seus discursos. Sócrates e Platão falavam que o homem devia agir de acordo com a sua consciência, ou seja, praticar as virtudes que nada mais é do que escolher com justiça o bem e se apartar do mal. No campo político, Platão falava de um estado ideal, em que os mais sábios deviam governar por serem os mais conhecedores dessas leis da natureza.

A defesa textual desta lei natural começa a tomar corpo, principalmente no campo político, a partir de 1500. Commins no livro The Political Philosophers faz uma síntese das obras políticas de vários autores. Entre tais pensadores, citamos:

Thomas Hobbes (1588­1679) — A República, de acordo o próprio autor, nada mais é do que a aplicação da lei natural, conhecida como lei áurea: “Não fazermos aos outros o que não gostaríamos que fosse feito a nós”. Em essência é o contrato celebrado por todos os participantes, em que uns delegam poderes aos outros, considerados mais sábios, a fim de poderem administrar a coisa pública. As pessoas investidas de poder devem visar não os seus interesses particulares, mas os da maioria, ou seja, da república constituída.

John Locke (1632­1704) — Sobre o Governo Civil. Começa o seu discurso reportando­se ao estado natural, em que viviam Adão e Eva. Naquela época, a Lei Natural e a Razão eram os elementos necessários para direcionar os atos de cada um. É, pois, sobre a hipótese da existência de uma lei natural, que traça o roteiro do seu livro. Significa dizer que o objetivo central do ser humano é conhecer melhor a Lei Divina, a qual o norteará no relacionamento consigo mesmo e com os demais. A função do um governo civil é por em prática essa lei, auxiliando cada membro a compreendê­la melhor.

John Stuart Mill (1806­1873) — O mais eminente do grupo de filósofos britânicos do século XIX, propôs e desenvolveu a doutrina do utilitarismo. Ele foi um reformador social, um defensor da liberdade tanto política quanto pessoal e um filósofo e lógico de considerável importância. Seu trabalho On Liberty, publicado em 1859, discute os sistemas legais e governamentais. Na introdução do seu ensaio dizia que a única liberdade que merece o nome de liberdade é aquela em que cada um 8 procurando o seu próprio interesse não prejudica o próximo a conquistar o dele. Acha ele que as pessoas devem ser livres, mas muitas vezes acontece que os governos são constituídos de forma arbitrária. É a partir daí que discute todo o problema envolvido entre a autoridade e a liberdade.

Adam Smith (1723­1790) — A Riqueza das Nações não foi uma obra original na acepção da palavra. Na verdade é o esforço que Adam Smith empreendera para juntar num todo as teorias que os outros seus contemporâneos pinçavam aqui e ali. Queria dar uma resposta mais coerente às indagações levantadas na sua Teoria sobre os Sentimentos Morais, ou seja, como o interesse próprio pode gerar o bem­estar da sociedade. Tenta, também, partindo de uma confusão inicial visualizar o todo harmônico. O nosso propósito é tratar mais especificamente da Lei e da consciência e não do conteúdo político social.

3. LEI E LEI NATURAL

3.1. DEFINIÇÃO DE LEI

Lei — Aurélio, no seu Dicionário, anota vários sentidos, entre os quais: norma, preceito, princípio, regra; obrigação imposta pela consciência e pela sociedade.

3.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI

3.2.1. LEI FÍSICA

Há vários fenômenos que a ciência deve buscar respostas, pois tudo gira em torno de pressupostos que emanam da mente humana. Assim, ao longo do tempo, muitas ciências apareceram para dar respostas às mais diversas indagações. Aos fenômenos físicos surgiu a física, aos astronômicos, a astronomia, aos psicológicos, a psicologia e assim por diante. Alguns pensadores, como Hume, mostraram que essa lei surge com o COSTUME. Pergunta­se: Por que a construção da ponte de um jeito fica de pé e de outro cai?

3.2.2. LEI MORAL

Paralelamente à lei física, que cabe às ciências particulares buscar as explicações, temos as leis morais. Estas pertencem à alma e concernem às noções do bem e do mal. Cabe ao Espiritismo desvendá­las.

3.2.3. LEI NATURAL

Refere­se tanto à lei física quanto à lei moral. Ela regula todos os acontecimentos no universo. São leis eternas, imutáveis, não estão sujeitas ao tempo, nem à circunstância, embora tenham em si o elemento do progresso. Mas como o homem faz para conhecê­la? Há dois elementos básicos: unidade e universalidade. A lei matemática em que dois mais dois são quatro existe em todo o lugar do universo. Independe de tempo e espaço.

3.3. CONHECIMENTO DA LEI NATURAL

Na pergunta 621 de O Livro dos Espíritos ­ Onde está escrita a lei de Deus? Os Espíritos respondem que está escrita na consciência do ser. E em seguida dizem que há necessidade de sermos lembrados porque havíamos esquecidos.

Como entender que a lei está escrita em nossa consciência? De acordo com os princípios doutrinários, codificados por Allan Kardec, fomos criados simples e ignorantes, sujeitos ao progresso. Nesse sentido, o Espírito André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos, explica­nos que no reino mineral recebemos a atração; no reino vegetal a sensação; no reino animal o instinto; no reino hominal o pensamento contínuo, o livre­arbítrio e a razão. São os pródomos da lei moral, cujo objetivo é transformar os homens em “anjos”, “arcanjos” e “querubins”. É a potencialização das virtualidades de cada ser.

3.4. DIVISÃO DA LEI NATURAL

PILASTRA_DC — Sigla para lembrarmos das dez Leis Naturais. P da Lei do Progresso, I da Lei de Igualdade, L da Lei de Liberdade, A da Lei de Adoração, S da Lei de Sociedade, T da Lei do Trabalho, R da Lei de Reprodução, A da Lei de Justiça, Amor e Caridade, D da Lei de Destruição e C da Lei de Conservação.

Na pergunta 648 de O Livro dos Espíritos — Que pensais da divisão da lei natural em dez partes? — “Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés e pode abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes segui­la, sem que ela tenha entretanto nada de absoluto, como não o têm os demais sistemas de classificação, que dependem sempre do ponto de vista sob o qual se considera um assunto. A Lei de Justiça, Amor e Caridade é a mais importante; é por ela que o homem pode avançar mais na vida espiritual, porque resume todas as outras”.

4. CONSCIÊNCIA

4.1. DEFINIÇÃO DE CONSCIÊNCIA

Consciência ­ do lat. conscientia significa etimologicamente um saber testemunhado ou concomitante. Por analogia, dualidade ou multiplicidade de saberes ou de aspectos num mesmo e único ato de conhecimento. Em sentido amplo, entende­se por “consciência” a capacidade de perceber as realidades internas e externas.

Na teologia e ética, o termo refere­se ao senso interior do certo e do errado quando de uma escolha moral. É o seu sentido moral.

Escreve A. Montalvão: “Em qualquer ato de conhecimento há sempre um indivíduo que pretende conhecer, que é o “sujeito do conhecimento”, e um assunto que deve ficar conhecido, que é o “objeto do conhecimento”.

O sentido de “consciência” não é o mesmo que o de “lei”. A lei sempre expressa as normas gerais de conduta. A consciência, ao contrário, é a luz concreta que ilumina o homem em seu “aqui e agora” sobre o que há de bom ou de mal em uma ação. (Santos, 1965)

4.2. GRAUS DA CONSCIÊNCIA

Na psicologia clássica, distinguem­se dois modos ou graus de consciência: Consciência espontânea ­ é a consciência direta, imediata, primitiva, isto é, não separada do objeto.

Consciência reflexiva (do latim reflexu + ivo = voltado para trás) ­ é a consciência mediata, é o retorno do espírito sobre as idéias. Ela é dirigida para as idéias.

As pessoas emotivas têm o campo da consciência mais estreito do que as não emotivas. (Santos, 1965)

4.3. CONSCIÊNCIA E INCONSCIÊNCIA

Apesar de sua base etimológica precisa e clara, enquanto negação da consciência, torna­se contudo extremamente difícil definir o inconsciente. Pode­se, também, definir a inconsciência com relação ao ser: que não possui qualquer consciência (átomo); que é pouco ou nada capaz de debruçar sobre si próprio, e (relativamente) que não tem consciência de tal fato particular: “uma alma inconsciente das suas verdadeiras crenças”.

Muitos são os psicólogos que negam a existência de fenômenos psicológicos inconscientes, pois alegam que, sendo a consciência própria do pensamento, o que não é consciência, deixa de ser psicológico.

Crítica ­ Uma análise dos fatos da vida mostra­nos, patentemente, o quanto o inconsciente penetra e intervém no que fazemos. O pianista, ao executar um trecho da música não é consciente de todos os seus movimentos; o mesmo acontece com o operário ou o artista. Mozart declara ter ouvido todo um acorde, antes de compor uma melodia — o consciente, nesse caso, estaria ligado ao trabalho de coordenação. (Santos, 1965)

4.4. A CASA MENTAL O Espírito André Luiz, no livro No Mundo Maior, explica­nos que não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos apenas um que se divide em três regiões distintas. Tomemo­lo como se fosse um castelo de três andares: ­

Subconsciente: 1º andar, onde situamos a residência de nossos impulsos automáticos, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados ­ hábitos e automatismos; ­

Consciente: 2º andar, localizamos o “domínio das conquistas atuais”, onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando ­ esforço e vontade; ­

Superconsciente: 3º andar, temos a “casa das noções superiores”, indicando as iminências que nos cumpre atingir ­ ideal e meta superiores. (Xavier, No Mundo Maior, 1977, p. 47)

5. BÍBLIA, JESUS E ESPIRITISMO

5.1. BÍBLIA

Na Bíblia, a consciência costuma ser designada como “coração”. Ou seja, trata­se da dimensão interior do homem, em contraposição com a dimensão exterior da lei ou das realizações externas. No mito do paraíso já se revela o drama da consciência humana, através da qual se realiza a liberdade. Adão e Eva deliberam sobre a sua conduta futura. Por um lado, sentem o peso da ordem divina, mas, por outro lado, sentem a atração da fruta e o anseio da autonomia que lhes é sugerido pela serpente. E agem livremente, mesmo contra aquilo que sua consciência lhes aponta como justo.

Os profetas constituem uma consciência social viva na história de Israel. Diante da falta de desenvolvimento de consciência interior do povo, a Lei se havia tornado a expressão primeira da vontade de Deus, à qual todos tinham de se adaptar em cada situação concreta. Mas a Lei era letra morta e, além disso, exterior. Assim, com a sua palavra ardorosa e eficaz, os profetas despertam a consciência dos homens, ricos e pobres, sacerdotes e leigos, tendo em vista uma justa conduta aos olhos de Deus. (Idígoras, 1983)

5.2. JESUS CRISTO

Antes da vinda de Cristo, os fariseus procuraram realizar a santidade da Lei através de uma exatidão escrupulosa. Desprezando a voz interior da consciência, o resultado foi a desumanização da santidade e o abandono dos bens supremos do amor pelas insignificâncias mais meticulosas da antiga Lei.

Já Cristo combate a moral exterior (codificada nos preceitos), e revela o valor íntimo da consciência aberta para o olhar de Deus. É Deus quem julga as intenções ocultas. Para Cristo, a lâmpada do corpo é o olho da intenção. Se esse olho for puro, o será também todo o corpo. Mas, se a luz do homem tornar­se trevas, ele só poderá caminhar rumo à perdição Paulo, o apóstolo dos gentios, desenvolveu grandemente a doutrina sobre a consciência. A moralidade não pode estar ligada à Lei, que é exterior e não é conhecida pelos gentios. Dentro do homem está a sua consciência, que lhe serve como lei. Quer dizer, se os gentios desconhecem a Lei, mas agem de acordo com a lei, eles mesmos são a Lei. (Idígoras, 1983)

5.3. ESPIRITISMO

Lembremo­nos de que Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, nada inventou. Apenas que, com a ajuda dos Espíritos superiores, fornece­nos subsídios para melhor entender essa lei, que segundo os próprios Espíritos, está escrita em nossa consciência. É meditando sobre as questões de número 614 até 892 de O Livro dos Espíritos, que realmente alicerçaremos a nossa mente nos verdadeiros preceitos divinos sobre a nossa conduta interior e exterior. Em síntese: a Lei está no livro da natureza.

6. CONCLUSÃO

Tomar consciência da Lei Natural é o melhor caminho que devemos seguir na vida. Saber ouvir, saber falar e principalmente saber refletir, a fim de não desprezarmos os deveres da consciência impostos por nós mesmos no íntimo de nosso coração.

7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

COMMINS, S. e LINSCOTT, R. N. The World’s Great Thinkers ­ Man and the State: the Political Philosophers. New York, EUA, Random House, 1947.

IDÍGORAS, J. L. Vocabulário Teológico para a América Latina. São Paulo, Edições Paulinas, 1983.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972.

SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.

XAVIER, F. C. No Mundo Maior, pelo Espírito André Luiz. 7. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977. (Texto publicado originalmente no site do CENTRO ESPÍRITA ISMAEL ­ http://www.ceismael.com.br/artigo/leie­consciencia.htm e transcrito com autorização do autor)

Fonte: BOLETIM GEAE | ANO 18 | NÚMERO 542 | 30 DE ABRIL DE 2010

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