9) O que significa dizer que algo é comprovado pela ciência? Quem emite esta comprovação?
[Ademir] O termo “comprovado pela ciência” é de utilização popular e não tem paralelo preciso na atividade científica.
Em geral significa dizer que a “ciência” – talvez confundidada como a atividade dos cientistas ou pela opinião deles – endossa essa ou aquela crença ou proposição. Podemos dizer que a ciência “comprovou” que a Terra gira em torno do Sol? Podemos dizer que, dentro das ciências, há um ramo da física ou da astronomia que tem um modelo muito bem sucedido onde a Terra orbita o Sol e não o oposto. Esse modelo é a base para a crença por parte dos cientistas de que a Terra se move em torno do Sol.
A crença popular da comprovação não segue dessa cadeia de raciocínio: vem da autoridade conferida aos cientistas. Como esses dizem que a Terra gira em torno do Sol, então diz-se que a “ciência comprovou” que a terra gira em torno do sol de fato.
Há que se separar aqui duas coisas:
(1) a estruturação do paradigma se faz em uma linguagem específica que, em geral, está fora do alcançe dos leigos. O paradigma em si prevê um conjunto de fenômenos e descreve a Natureza de uma forma específica que só é acessível ao profissional;
(2) a opinião dos cientistas. Cai-se agora em uma questão de autoridade: quem tem mais autoridade, um astrônomo ou um físico (na questão acima)? E se compararmos com a opinião de um físico de partículas? E se utilizarmos a opinião de um biólogo?
Está bastante claro que o que a ciência descreve não pode depender da opinião dos cientistas, embora a opinião popular se reporte explicitamente a tal opinião. Assim o julgamento popular é bastante deficiente e, como consequência disso, muitas “comprovações” carecem de sentido, principalmente quando se referem a opinião de cientistas que divergem sobre determinado assunto ou quando dizem respeito a opinião derivada de modelos (paradigmas) que foram revistos.
[Alexandre] O Ademir separou bem as concepções que existem quanto à expressão “comprovação cientifíca”. Em geral, as pessoas atribuem às opinioes dos cientistas (mormente os grandes premios-Nobel) um valor especial. De fato, não existe uma definição precisa para “comprovação cientifica” que possa ser apresentada numa frase.
Eu gostaria de colocar essa questão da seguinte maneira. Quando é que um resultado de uma pesquisa qualquer pode ser considerado como cientificamente válido? Aí entra a questão já bem apresentada pelo Ademir sobre os paradigmas de cada ciência. Cada paradigma define seus métodos específicos de validação de um resultado. Eu tenho usado a expressão “comprovação científica” nesse sentido.
Vou dar um exemplo interessante cujos detalhes eu não domino completamente mas a idéia é clara e está em acordo com o que o Ademir explicou. Recentemente, os cientistas divulgaram que o neutrino tem massa. Isto é, isso foi comprovado cientificamente. Mas notem que ninguém pegou um punhado de neutrinos e pos numa balança. A forma pela qual eles concluiram que o neutrino tem massa envolve muita teoria. Se não me engano a medida experimental foi a contagem do número de um determinado tipo de neutrino que, dependendo do resultado significaria que os neutrinos tem massa, porque uma certa teoria explica que se ele tiver massa o número de um determinado tipo de neutrino será maior (daqueles que vem do sol).
Então aqui vemos que o paradigma determinou COMO o experimento deveria ter sido feito para determinar se o neutrino tem ou não massa. O experimento foi feito e a massa do neutrino foi enfim descoberta. Houve uma comprovação científica em termos do paradigma que dirige esse ramo da física.
Outro ponto que acabou se tornando algo quase que obrigatório é a questão da publicação de artigos em revistas científicas “per reviewed”. Este é um ponto delicado e discutível, mas, geralmente, quando uma pesquisa é publicada numa revista cientifíca, ela se torna, digamos assim, meio caminho andado rumo a ser considerada “comprovada cientificamente”. Na verdade, a publicação confere um status de que a pesquisa foi analisada de acordo com os métodos definidos pelo paradigma em questão. Porém, o que a gente vê, é que ou esse artigo será verificado por outros cientistas e citado como correto, ou outros cientistas encontrarão erros nesse artigo e vão citá-lo por isso em futuras pesquisas. Assim, um assunto pode ser considerado como “comprovado” após os debates cientificos ocorridos ao nivel das publicações (artigos), confirmando ou refutando cada resultado. De qualquer forma, a publicação de um artigo, mesmo que em revista de impacto menor, reflete o trabalho de cada cientista.
Nesta história de “comprovação cientifica” existe também dois aspectos. Um é o trabalho puramente teórico. Este, para ser válido, deverá satisfazer os métodos e ferramentas teóricas previstos pelo paradigma em questão. O segundo aspecto é a verificação dos fatos, experimentalmente (quando isso é possivel) ou através da observação. Notem que o Ademir mencionou sobre grandes descobertas que primeiro foram previstas teoricamente e, depois, foram confirmadas experimentalmente como, por exemplo, o aspecto ondulatório do eletron e a existência do positron (anti-partícula do eletron). Esses são grandes exemplos mas eu gostaria de ressaltar que muitos outros exemplos de previsões teóricas que não se confirmaram existiram e, naturalmente, cairam no esquecimento por não terem dado certo.
Assim, quem ou, melhor, o que determinou que uma previsão teórica estava correta ou nao? Resposta: os fatos (Kardec foi muito sábio nesse ponto!). Se ninguém tivesse medido (querendo ou não) ou observado a existência do positron, isso não teria o valor que tem hoje. Portanto, a “comprovação” dos fatos tem um peso maior do que uma “comprovação” puramente teórica e é justamente o fato que dita o valor de uma teoria.
Perdoem-me a extensão mas os detalhes ajudam a explicar pontos importantes. Considerem o exemplo simples de um objeto que deixamos cair no chão, a partir de uma determinada altura. A mecânica clássica explica isso muito bem. Se eu soltar uma bola de gude de uma altura de 1 metro a mecânica de Newton prevê com uma precisão muito grande a posição do centro da bola de gude em cada instante até tocar o chão. Mas será que as mesmas equações me explicam, também com precisão, a posição do centro de uma folha de papel que cai da mesma altura? A resposta é não pois, no caso do papel a força de resistência do ar não pode ser desprezada (como foi no caso da bola de gude). Esse tipo de consideração é muito comum em fisica: toda hora os fisicos tentam descobrir onde eles podem simplificar algumas equações para facilitar o estudo de um conjunto (limitado) de fenômenos. Então, eu nao posso usar as equações obtidas para a bola de gude no caso do papel. Nesse caso, eu tenho que incluir a força de resistência do ar para obter uma melhor explicação ou predição do fenômeno. Em seguida eu pego uma folha de papel e faço a experiência de modo a verificar se a teoria (equações) está correta. Muitas vezes, o experimento diz que as equações estão erradas e torna o cientista a reformular as suas equações levando em conta algum outro termo para tentar explicar os dados.
Porque eu escrevi isso acima? Vemos que os resultados teóricos pertencentes a um dominio ou disciplina cientifica são subconjuntos do conjunto maior de teorias (leis complementares) ligadas ao paradigma dessa disciplina. Mas vemos que as leis complementares de um subconjunto pode não valer dentro de outro subconjunto e isso precisa estar bem claro na mente dos cientistas para não enfiarem os pés pelas mãos, usando equações de um campo no subconjunto errado. Esse o ponto que eu queria destacar que eu vou comentar mais abaixo.
Agora o ponto que nos interessa de perto. Quando nós temos uma idéia, ou tese, ou proposição, ou algum resultado de pesquisa, precisamos utilizar os métodos específicos da disciplina científica associada ao assunto para “comprovar”, isto é, demonstrar a validade de nossa idéia, tese, ou resultado de pesquisa.
Essa questão se torna difícil e delicada quando um assunto pertence a fronteira entre duas ou mais ciências. Por exemplo, ao usarmos fisica ou matemática para explicar certas propriedades do DNA, é preciso satisfazer tanto os critérios e métodos dos paradigmas da fisica utilizados, quanto aqueles da biologia e da química. Se eu for muito específico na fisica e não prestar atenço às informações biológicas o meu trabalho não será aceito como válido, cientificamente.
A mesma coisa tem que valer para com as tentativas de relacionar-se a fisica e o espiritismo. Devemos aplicar o rigor de cada uma das ciências envolvidas (fisica e espiritismo) se quisermos obter um resultado válido perante os paradigmas de ambas. É preciso ter um cuidado mais que redobrado ao utilizar (ou tentar utilizar) definições e equações da fisica para descrever algo de ordem espiritual pois precisamos verificar se as equações que usamos, que pertencem a um determinado subconjunto de fenômenos fisicos, podem ser aplicados no fenômeno espírita que pretendemos. Esse é o ponto que é muito delicado, requer muita discussão por nao sabermos bem o que é o mundo espiritual, ou melhor, o que são os fluídos que o compõem? E nesse ponto é que eu faço o meu alerta (artigo fisica quantica I: alerta) de que não se publicou ainda as explicações que permitirão a nós analisarmos se a idéia ou tese proposta tem valor científico de acordo com a física e o espiritismo.
Notem que eu não posso afirmar que elas não são válidas. Mas sem ver a explicação delas elas tem o mesmo valor de uma opinião (vide comentários do Ademir sobre opinião, mesmo a de um cientista).
Uma opinião não pode ser divulgada como uma tese “comprovada”. Os leitores leigos não sabem discernir e tomam por “comprovação científica” as afirmativas feitas pelos cientistas, mesmo sendo eles espíritas, e mesmo tendo elas sido feitas com a mais nobre das intenções. Todo cidadão tem o direito de possuir e crer nas teses que quiser, nas teorias e idéias que quiser. Mas ninguém tem o direito de divulgá-las como verdades relativas a uma ciência sem satisfazer os critérios e métodos determinados pelos paradigmas da mesma. O máximo que alguém pode fazer é divulgar sua idéia dizendo ser uma idéia particular, uma opinião que ela acredita ser verdade, mas que não pode ser tomada ainda como “cientificamente comprovada” e que ela pode e deve ser analisada pelos demais companheiros que se interessarem.
De fato, uma coisa é o que a comunidade científica “pensa” ser o que é ciência. Outra coisa é o que ela realmente é ou deveria ser.
O ponto central é que é necessário que as idéias novas sejam publicadas junto com a explicação das mesmas ou com fatos que a suportem.
Se uma idéia é puramente espírita, isto é, pertence e está ligada apenas ao paradigma espírita a explicação da idéia proposta só depende dos conceitos pertencentes ao Espiritismo.
Portanto, explicações para Jesus, os espíritos, a reencarnação, a mediunidade só dependem do paradigma espírita e isso não está em conflito com o conceito de ciência.
Chibenni já demonstrou que do ponto de vista filosófico mais rigoroso, a Doutrina Espírita é uma Ciência legítima, com seu próprio paradigma e métodos. Os artigos do prof. Chibenni podem ser obtidos na internet.
Se a idéia é puramente ligada a física ou à química ou à biologia, as formas de se defender as novas idéias e pesquisas (ou investigações) só dependem de cada uma dessas ciências em separado.
Se uma idéia nova é o que a gente chama de interdisciplinar, então isso significa que ela está ligada a mais de uma ciência ao mesmo tempo. Por exemplo, o estudo da estrutura tridimensional do DNA envolve física, biologia e química. Então, nesses casos, as idéias e pesquisas novas devem ser explicadas e embasadas de acordo com os paradigmas atuais de todas as ciências envolvidas.
Por fim, o ponto onde quero chegar é que se uma idéia nova está ligada ao mesmo tempo, ao Espiritismo e a qualquer outra ciência básica, como a física, por exemplo, essa idéia nova deve ser explicada de acordo tanto com o Espiritismo quanto com a física. A idéia nova não pode satisfazer apenas aos critérios de uma das ciências envolvidas. Ela deve satisfazer os critérios e rigores das duas.
No Espiritismo estamos acostumados a passar todas as mensagens recebidas mediunicamente pelo crivo da razão, e quando não podemos fazer essa análise, devemos passar pelo crivo do consenso universal. Ou seja se um espírito desencarnado, não importa quem seja ou em nome de quem esteja escrevendo, transmitir uma mensagem sobre assunto novo, o correto é por de molho e esperar por outras mensagens de espíritos em outros lugares e por outros médiuns. Mas se um assunto novo é transmitido por um “espírito encarnado” por que não aplicar o mesmo cuidado?
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Fonte: Boletim GEAE 12(478), 15/07/2004