Neurologia dos Sonhos

Por Nubor Orlando Facure.

 

” Os sonhos é a gente quem faz”

 

Poucas coisas são tão enigmáticas e misteriosas como nossos sonhos.

 

E ninguém resiste à tentação de interpretar os seus sinais premonitórios ocorrendo frequentemente sua coincidência com a realidade.

 

Para tirar seu encanto místico, os neurologistas, dizem, que, por sonharmos uma grande variedade de situações, é estatisticamente provável, que, alguma delas venha a coincidir com uma ocorrência futura – isso quer dizer que os neurologistas não acreditam em sonhos premonitórios.

Apesar das interpretações que José, filho de Jacó e Rachel, fez sobre os sonhos do Faraó do Egito.

 

A Teoria psicanalítica enxergou nos sonhos um caminho para explorar o nosso inconsciente e seus desejos inconfessáveis.

Muitas verdades saíram desse porão da mente.

 

Freud publicou seu volumoso tratado sobre a interpretação dos sonhos em 1900 com grande sucesso.

Ninguém conseguiu, até hoje, um trabalho tão expressivo quanto este.

 

Mas, foram os avanços na neurofisiologia que trouxeram argumentos sólidos para a compreensão do sono e dos sonhos.

 

Aquisições de Neurologia

 

EEG

Em 1924 Hans Berger interessado na transmissão do pensamento inventou o EEG que nos permite registrar a atividade elétrica do cérebro.

Com esse exame foi possível constatarmos diversas informações importantíssimas:

A atividade elétrica do cérebro pode ser registrada em grupos de ondas padronizadas idênticas para todos os seres humanos.

A noite no repouso absoluto do corpo o cérebro ainda permanece em intensa atividade.

O sono ocorre em 5 fases cíclicas perfeitamente distintas no traçado do eletroencefalograma.

Nas fases finais do sono ocorre periodicamente uma paralisia dos músculos, as ondas cerebrais ficam mais rápidas e os olhos se movimentam ativamente sob as pálpebras.

Essa fase que costuma durar 15 minutos foi chamada de sono REM e, é nesse momento, que, geralmente ocorrem os nossos sonhos.

 

Sono REM

O movimento rápido dos olhos é um fenômeno universal que pode ser observado até nos gatinhos que temos em casa.

É incrível que tenha sido descoberto só em 1953 por Eugene Aserinsk psicólogo americano que realizava EEG em crianças no berçário.

 

SRAA

Em 1949 Marouzi e Magoun descobriram acidentalmente que no cérebro existe ao nível do tronco cerebral uma área formada por uma rede de pequenos neurônios que, ao serem estimuladas, despertam o animal que foi sedado por medicamentos.

Essa área mantém nosso estado de alerta.

Tem relação direta com a consciência e o sono.

 

Foi denominada substância reticular ativadora ascendente SRAA porque ela nos desperta toda manhã.

Isso mostra que o nosso sono obedece a um programa fixo de dormir e acordar baseado na estimulação da SRAA.

 

 

Ritmo circadiano

Há cerca de 500 milhões de anos os peixes começaram a desenvolver um terceiro olho que veio a se tornar a glândula pineal.

Nos humanos, ela situa-se profundamente entre os dois hemisférios cerebrais permanecendo dependente da claridade e da escuridão para produzir seu hormônio.

A melatonina, que é liberada quando o ambiente escurece tem relação direta com o sono, com as fases reprodutivos e as emoções.

Quando viajamos fazendo uma mudança de fuso horário a falta da melatonina afetará por alguns dias nosso ritmo de sono.

 

 

Apontamentos sobre a neuropsicologia dos sonhos

 

Pretendemos aqui, expor uma semiologia, possível, para enxergarmos neurologicamente as situações aparentemente caóticas de um sonho.

Vamos estudar o que se passa na fisiologia cerebral quando sonhamos

 

Primeiramente, vejamos o exame baseado nas funções cognitivas.

 

Chamaremos de exame mental do sonho

 

1 – Memória

Durante a noite os sonhos se sobrepõem parecendo correr um do outro – Apesar de algumas pessoas afirmarem que nunca sonham, isso não é verdade, o que ocorre é que, logo que acordamos sofremos uma rápida amnésia do ocorrido, nos impedindo de lembrar o que estávamos sonhando.

 

É fácil provar que todo mundo sonha, basta constatar em todos nós os movimentos rápidos dos olhos.

É no sono REM que ocorrem a maioria dos sonhos.

 

Outras pessoas têm enorme facilidade de os ter na memória ao despertar,

 Mas, mesmo quando são lembrados ficam faltando certos detalhes independente de qualquer esforço que fizermos para os resgatar.

 

É interessante que, em certos momentos, o sonho nos traz memórias já há muito esquecidas que, aparentemente, não tem nada a ver com os acontecimentos vivenciados nesse dia.

 

Parece que o sonho é a gente quem faz, é quase uma leitura do rascunho daquele dia vivido com intensa emoção, sonhamos com os familiares, com pessoas próximas, com ocorrências que prenderam nossas preocupações – por isso a lembrança ao despertar é facilitada pelos cenários da véspera.

 

2 – Pseudomemórias

Faz parte do psiquismo humano a confabulação – criamos fatos para preencher lacunas das recordações – o enredo do sonho é preenchido com fatos que na verdade não ocorreram – mas eles unem pontos desconexos mesmo que de maneira errada, falsa – isso, também, alivia a nossa ansiedade, o cérebro não aceita pausar e reiniciar, trabalha continuamente oferecendo opções para alívio dos nossos medos. E os sonhos são processos que amenizam nossas aflições.

Por isso gosto de dizer que o sonho é terapêutico.

 

 3 – Atenção

Fisiologicamente, durante o sonho, criamos um bloqueio aos estímulos sensoriais. Passamos a viver num mundo mental interno, fechado, mas, sem conseguirmos controlar a nossa atenção num determinado foco.

São as próprias imagens mentais que aparecem em profusão no sonho que capturam nossa atenção – ao contrário da vigília, onde nós é quem temos essa capacidade de escolha.

 

São os numerosos cenários que aparecem no sonho que alteram a direção da nossa atenção. Esse filme passa da distração para a atenção num instante e sem nosso controle.

Perdemos, também toda referência de tempo, espaço e grupo social ou familiar.

Os sonhos têm esse poder de criar e dominar nosso mundo mental enquanto seu filme se desenrola.

 

4 – Funções intelectuais

Uma curiosidade sobre nossas habilidades intelectuais aparece nos estudos sonho: a matemática e outra Ciências não aparece nos sonhos. Mesmo professores de matemática não fazem contas durante seus sonhos e o biólogo não lê os seus livros em sonho.

Isso é coerente com o que já sabemos, os sonhos não têm qualquer racionalidade. Eles não são racionais, são pura emoção. Otto Loewe sonhou com uma experiência com coração de sapos que lhe permitiu descobrir a Acetilcolina nas terminações do nervo vago, mas, o texto descritivo ele o fez bem acordado no seu laboratório.

 

5 – Linguagem

Quando encontramos um amigo nossa tendência é manter um diálogo mais ou menos demorado. No sonho, isso não acontece, não há verbalização nos encontros oníricos.

Raramente temos lembranças de alguma verbalização em nossos encontros durante o sono. Ninguém trás recados falados na ocasião do sonho – apesar de muita anedota a respeito.

Diz a neurologia que, tanto um amigo como um desafeto que nos fala em sonho, o texto dessa verbalização fomos nós mesmos que colocamos em sua boca.

 

O curioso é que nossos encontros precisam de um enredo para ter significado, então criamos um discurso implícito que nós mesmos produzimos. Parece que até em sonho somos muito carentes de aceitação e compreensão.

 

6 – Orientação

O que mais revela o caos no sonho é sua desorientação.

As figuras conhecidas podem se deformar.

As distâncias serem intermináveis ou se encurtarem num instante.

O tempo se dilata de maneira penosa ou se encurta fugidio. Pode adiantar-se ou retroceder resgatando momentos aflitivos.

As pessoas podem aparecerem nítidas, depois fluidas e sofrer transformações aberrantes. Podem surgir do nada e desaparecerem num instante. Podem ser acolhedoras ou representarem grande ameaça.

O espaço é surreal, os objetos aparecem em lugares improváveis, sua forma sofre distorções inimagináveis.

No contexto de um sonho, os acontecimentos podem aparecerem num enredo conectado, desordenados, mas sequencial,

Essa ordem de acontecimentos que se produz nos sonhos, não se apresentaria nunca na vida real.

Os sonhos a mim parecem serem retalhos do já vivido, sofrido, rejeitado ou desejado

 

7 – Conteúdo mental

O conteúdo mental do sonho é predominante visual e motor.

Quase nunca ocorre uma percepção auditiva, táctil ou olfatória.

Seu conteúdo mental é muito próximo de uma alucinação e delírios absurdos, o que o marca, porém, é nossa crença em sua realidade. O medo que ele provoca pode ser mais intenso que o medo real vivido quando despertos.

 

8 – Percepção e julgamento

No sonho nós perdemos a capacidade de refletir – caso contrário ele não seria diferente da vigília.

Acordados nós percebemos o objeto que se aproxima ou se afasta, nos sonhos a sensação é de nós é quem estamos nos aproximando ou afastando.

A consciência se mantém.

Nossos padrões de comportamento social podem ser coerentes com o esperado para aquela situação, mas, podemos ultrapassar limites e os desejos fluírem incontidos.

Quase sempre não nos damos conta de estarmos consciente.

Para o neurologista, perceber que está consciente durante um sonho, é uma espécie de delírio que nos faz crer estar acordado.

 

9 – Emoção

Nos sonhos, as emoções costumam serem sempre vibrantes.

O medo é um medo de arrepiar.

A alegria é única, inesquecível.

O choro é inesgotável.

A culpa é corrosiva.

A raiva explosiva.

A paixão fervilhante.

 

Esses estados emocionais não estão dissociados das demais funções cognitivas.

O pensamento não está desconectado da realidade como na esquizofrenia, mesmo que essa realidade do sonho seja delirante e anárquica.

O que é o delírio no sonho?

Criamos monstros, nos sentimos em terrível perseguição, adquirimos poderes superiores.

 

Lição de casa

Passamos um terço de nossas vidas dormindo.

Está na hora de aprendermos o que essa fase da vida tem a os ensinar.

Qual a sua relação com as doenças mentais?

Há intercâmbio com o mundo espiritual?

O que o futuro de uma sociedade agitada e agressiva como a atual fará no nosso padrão de sonhos?

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