Dois caipiras no céu

por Nubor Orlando Facure.

 

Sentados ali na varanda da fazenda, conversando sem compromisso, estão seu Júlio e seu compadre Antônio Borges.
Combinaram um dedinho de prosa.

— Você parece preocupado, seu Júlio. Com que é que tá pensando tanto?
— Ontem fiquei matutando.
Enquanto sepultavam seu Antenor, todo mundo falava:
“Homem bom, foi direto para o Céu.”

— Essa é minha preocupação, seu Antônio.
O que a gente vai encontrar lá eu não sei.
Mas o que a gente tá deixando aqui me traz muito sentimento e dúvidas.

— O meu caso, por exemplo:
Não posso ir sem o Peludinho.
Sou muito apegado a esse cachorrinho esperto.
O Petruco, então, nem se fala!

— Olhe para essas árvores…
Será que lá tem essa revoada de passarinhos aconchegando nos seus ninhos, como estamos vendo aqui?

— Seu Antônio, como vamos fazer sem ouvir o choro dos bezerrinhos procurando as tetas das vacas no curral?
E os cavalos correndo no pasto?
Até aquela seriema e as gritarias dos quero-quero vão nos fazer falta…

— E o remanso daquele corguinho aqui atrás de casa, onde nós assenta pra ver os filhotinhos dos lambaris nadando de lá pra cá?

— Aqui, o que a gente põe nas covas são as sementes.
Depois a gente vai lá todo dia pra ver desabrochar, uai.
Crescer as árvores, aparecerem os frutos, e apanhar quando amadurece.
Penso eu que lá no Céu não existe germinação.
Deus fez ele todinho pronto.

— Até o envelhecimento é diferente.
Já ouvi dizer que não existem folhas mortas no Céu.
Lá não tem cabimento morrer de novo.
Então eu lhe pergunto:
Como nós vamos encontrar aquelas folhas secas das bananeiras pra fazer nossa cestinha de frutas?

— Dia desses vi dona Marília fazendo compras no armazém do seu Dino.
Ela está grávida, uma alegria só!
Estava escolhendo um reforço pra dieta, e já escolheu o nome pra menina que vai nascer:
Será Fernanda.
Um nome bonito. Eu tive uma tia com esse nome.
Então, seu Antônio, com certeza lá no Céu não tem mulher grávida.

— Tem outra coisa, seu Antônio.
Você sabe que estou noivo da Sandrinha,
mulher prendada e de respeito,
que exige que eu vá falar com seu pai pra ele autorizar nosso casamento logo mais, no mês de julho, aproveitando as festas.
E lá no Céu?
Vou ter que abrir mão da minha princesa?
Não me conformo.
Nosso Senhor disse que no Seu Reino não se dão em casamento…

— Eu sei, Júlio.
Mas o que Ele quis ensinar é que somos todos irmãos.

— Seu Antônio, essa coisa parece até que me persegue.
Dia desses o seu Edmundo veio me contar que anda recebendo a visita da finada esposa quase toda noite durante o sono.
Eu durmo tão pesado, depois da lida da roça, que nem o ronco da minha esposa me acorda.
Mas, bem que eu iria apreciar um dedinho de prosa com minha mãe ou com Dr. Jorge, meu irmão.
Tem muita coisa pra gente contar um pro outro.

— Mais uma coisa.
Não sei se você acredita…
Uns falam que renascemos de novo.
Até Jesus falou disso.
Eu, pelo meu raciocínio, percebo que as crianças de hoje parecem que já nascem sabendo de tudo — muito mais que a gente.
Eu sei que é melhor esquecer o passado.
Nada de remexer as feridas.
Mas, se minha mãe voltar, peço que se lembre da receita daquela broazinha de amendoim e da esfirrinha de carne…

— Mais uma coisa me atormenta:
Eu creio que a música celestial deva ser maravilhosa.
Mas, se lá no Céu não tiver um violão e a sanfona,
nem sei como ficar sem aquelas canções do nosso tempo.
Quando comecei meu namoro, adorava ler o Messidor, do Catulo da Paixão Cearense.
Foi por ele que conheci as músicas da sua autoria.
Lembra do Luar do Sertão?
Quando eu morrer, não quero ouvir música de igreja.
Quero sair deste mundo ouvindo Flor Amorosa, do Catulo.

— E tem a questão da comida, não é, seu Antônio?
Se eu for pra lá com esse meu estômago, vai ser difícil lidar com a fome.
O senhor sabe:
Aqui entre nós, quando reúne aquele monte de gente pra negociar o café, a regra antiga é essa:
A gente mata um boi e come!

— Pera lá, seu Júlio!
Quando vem a sobremesa, o doce que eu mais aprecio se chama Boca de Anjo.
Em anjo a gente pode confiar.
Eles estão sempre nos protegendo.
Hão de ter alguma receita pra nos alimentar…

— Hoje é 27 de maio, aniversário da dona Glenda.
Deve tá comemorando com a dona Landa, o seu Nubor e o Dr. Jorge.
Eu não gosto de choro nem vela.
Falo sempre pros meus amigos:
Escreve uma cartinha pra eles.
Eles vêm ler com você — e com certeza vai ser do agrado deles.

Feliz aniversário, Dona Glenda.


 

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