Aula 6. Física e Espiritismo I: propriedades da matéria. A diferença entre livros e artigos

por Alexandre Fontes da Fonseca

 

1.FÍSICA E ESPIRITISMO I: PROPRIEDADES DA MATÉRIA

Nas aulas anteriores, falamos sobre o conceito de Ciência, sobre pesquisas puramente espíritas e pesquisas multidisciplinares, isto é, que envolvem conceitos de alguma disciplina científica e o Espiritismo. Hoje, iniciaremos uma série de aulas sobre as contribuições e problemas, acertos e equívocos no uso de conceitos da Física na tentativa de explicar ou entender alguns conceitos Espíritas. Na aula de hoje, falaremos sobre as afirmativas dos Espíritos Superiores, contidas no Livro dos Espíritos [1], que só podem ser entendidas com o intermédio da teoria conhecida como Mecânica Quântica.

Vejamos as seguintes questões do Livro dos Espíritos [1]:

22. Define-se geralmente a matéria como sendo o que tem extensão, o que é capaz de nos impressionar os sentidos, o que é impenetrável. São exatas estas definições?

“Do vosso ponto de vista, elas o são, porque não falais senão do que conheceis. Mas a matéria existe em estados que ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que nenhuma impressão vos cause aos sentidos. Contudo, é sempre matéria. Para vós, porém, não o seria.” (Grifos nossos).

Como exemplo do que está grifado acima, sabemos hoje da existência de um tipo de partícula subatômica chamada neutrino. Essa partícula foi descoberta quando se estudou o chamado decaimento1 de um nêutron em um próton mais um elétron. Ela é tão leve e interage tão pouco com a matéria densa que em um único segundo mais de 100 trilhões de neutrinos vindos do sol atravessam nosso corpo sem percebermos. Portanto, como os Espíritos disseram acima, a matéria pode ser tão sutil que nenhuma impressão nos causa.

34. As moléculas têm forma determinada?

“Certamente, as moléculas têm uma forma, porém não sois capazes de apreciá-la.”

a) – Essa forma é constante ou variável?

“Constante a das moléculas elementares primitivas; variável a das moléculas secundárias, que mais não são do que aglomerações das primeiras porque, o que chamais molécula longe ainda está da molécula elementar.” (Grifos nossos).A questão sobre a forma de átomos e moléculas é, de fato, algo impossível de se resolver com precisão. Portanto, mesmo com todo o avanço científico, somos incapazes de apreciá-la. A ciência possui modelos para a estrutura e forma dos átomos e moléculas (como o modelo do átomo de Rutherford, que é formado por pequenas esferas (elétrons) que circulam em torno do núcleo, de forma similar a um sistema solar), mas por razões que a teoria quântica apresenta, é impossível determinar com precisão absoluta a forma, o tamanho ou as dimensões de um átomo ou partícula.

A partícula que delimita a fronteira do átomo é o elétron. Segundo a teoria quântica, é possível calcular a chamada densidade de probabilidade da posição de um elétron em um átomo. Nos locais onde essa densidade de probabilidade é maior, temos maior chance de encontrarmos um elétron. Portanto, a região espacial onde essa densidade de probabilidade atinge seus valores máximos pode ser usada como definição para os limites espaciais de um átomo. Por exemplo, a região espacial onde há maior probabilidade de encontrarmos o elétron quando ele está na chamada camada K (que representa o estado quântico em que o elétron possui menor energia) possui a forma de uma casca esférica. Na camada L, temos outro tipo de formato para essa região e assim por diante. O conjunto de todas as regiões onde os elétrons tem mais probabilidade de serem encontrados é chamado de nuvem eletrônica de um átomo. Através dela podemos definir a forma espacial do átomo. Notem que isso define apenas a forma mais provável pois, na verdade, os elétrons em torno de um núcleo podem ocupar regiões diferentes do espaço.

Quanto mais primitiva, ou melhor, mais simples é uma molécula, mais simples é a função densidade de probabilidade associada à sua nuvem eletrônica o que, por sua vez, torna mais simples a sua forma de acordo com a definição apresentada. Moléculas mais complexas como as proteínas, por exemplo, admitem muitos tipos de formas, onde cada uma delas corresponde a algum tipo de função química ou biológica.

36. O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço universal?

“Não, não há o vácuo. O que te parece vazio está ocupado por matéria que te escapa aos sentidos e aos instrumentos.” (Grifos nossos).

O neutrino que é produzido em reações nucleares dentro de uma estrela viaja por enormes distâncias no Universo sem quase interagir com nenhum outro objeto físico. Só isso já bastaria para confirmar o fato de que o que nos parece o vazio (o espaço interestelar) está ocupado por matéria que escapa aos nossos instrumentos.

Mas o chamado Princípio de Incerteza de Heisenberg levou a uma descoberta ainda mais fascinante: é possível a ocorrência de processos de criação e destruição de partículas em um curto intervalo de tempo. Nas proximidades de um núcleo pesado, partículas surgem e desaparecem literalmente do nada desde que esse processo seja suficientemente rápido. Portanto, em regiões que deveriam estar vazias de matéria, ocorre constantemente esse processo de criação e destruição de partículas “enchendo” o vazio com partículas de matéria que, a rigor, escapa aos nossos sentidos.

2. DIFERENÇA CIENTÍFICA ENTRE LIVROS E ARTIGOS

No Movimento Espírita, o livro possui um papel extremamente importante na difusão dos conhecimentos espíritas. Obras mediúnicas psicografadas por Chico Xavier, Divaldo P. Franco, Raul Teixeira e outros, se tornaram leitura necessária a todo aquele que deseja não só estudar aprofundadamente os conceitos espíritas, mas também trabalhar na seara espírita de modo eficiente.

Já em Ciência, o livro também possui um papel importante tanto na divulgação quanto no ensino. No entanto, livros de divulgação e livros texto destinados aos estudantes possuem status diferentes e se originam de forma diferente. Livros de divulgação como, por exemplo, aqueles que o famoso físico Stephen Hawking e outros cientistas escrevem, têm como objetivo esclarecer o público leigo sobre um determinado assunto científico. Um livro texto é aquele que resultou de muitos trabalhos de pesquisa em determinada área e que de tanto serem confirmados, se tornaram básicos a ponto de fazerem parte da grade curricular de um curso científico. O livro texto, apesar de possuir uma forma didática de expor o conhecimento, não se dedica ao público leigo e quase sempre requer do leitor (o estudante) algum conhecimento adquirido em determinados métodos de análise. Por exemplo, os livros texto de Física requerem que o estudante já tenha algum domínio em cálculo diferencial e integral. Mas o ponto mais importante é que os livros texto sobre determinado assunto só surgem após a publicação de inúmeros artigos científicos sobre um determinado assunto demonstrando que o mesmo está bem estabelecido e possui muitas aplicações. O livro texto não contém opiniões de seus autores pois deve refletir apenas o conhecimento científico em sua forma mais simples e segura. Já o livro de divulgação, se por um lado possui algumas informações científicas, por outro, contém muitas opiniões, pensamentos próprios e toda uma série de reflexões pertencentes ao autor e que não constituem resultados de algum trabalho de pesquisa.

Portanto, o valor de um livro de divulgação científica é muito menor do que o de um livro texto no tocante ao conteúdo científico ou a validade do conteúdo científico. Ao escrever um conceito científico em termos compreensíveis ao leitor leigo em ciência, importantes partes do próprio conceito se perdem pelo simples fato de que a linguagem técnica, muitas vezes, é a única que o representa de forma precisa. As editoras, quase sempre, publicam esses livros com objetivo de obter lucros e não estão preocupadas (nem são obrigadas a tal) com a veracidade científica do que é publicado. Já para publicar um livro texto, há que verificar se os autores seguiram a risca os resultados científicos confirmados pela comunidade científica através de diversas publicações científicas.

Como exposto em aula anterior (aula 4, Boletim 486), os artigos científicos passam por um processo de avaliação conhecido como análise por pares. Nesse processo, cada artigo é submetido a um ou mais árbitros anônimos para apreciação e emissão de um parecer positivo ou negativo quanto à publicação do mesmo de acordo com critérios exclusivamente científicos. Isso permite que os resultados dos artigos publicados tenham alguma validade dentro de determinados limites científicos. Com o tempo, as pesquisas são confirmadas ou refutadas através de novos artigos, de autoria de outros cientistas e isso vai consolidando o conhecimento a respeito de determinada área ou assunto.

Em contrapartida, existem os periódicos destinados a publicação de artigos de divulgação científica, isto é, destinados ao público leigo. Temos, por exemplo, a revista Scientific American [2], com sua versão em português [3], a seríssima revista Pesquisa FAPESP [4] e outras mais antigas e conhecidas como a Super Interessante [5], etc. Apesar da subjetividade referente às opiniões dos autores ser um pouco menor nesses artigos de divulgação do que num livro de divulgação, as explicações dos conceitos científicos são feitas, também, de forma “mastigada” o que as tornam explicações incompletas. Portanto, artigos científicos têm muito mais valor científico do que artigos de divulgação científica. Raramente artigos de divulgação científica são citados em artigos científicos e, mesmo assim, isso acontece apenas com algumas poucas revistas de divulgação como a prestigiada Scientific American.

Portanto, em Ciência, podemos hierarquizar as publicações de acordo com o seu valor científico em: 1) livros texto; 2) artigos científicos; 3) artigos de divulgação científica e; 4) livros de divulgação científica.

Na próxima aula, comentaremos as implicações dessas diferenças em trabalhos de pesquisa espírita.

1. Um decaimento é um tipo de processo ou reação em que uma partícula se desfaz gerando outras.

Referências

[1] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição (1995).

[2] http://www.sciam.com

[3] http://www2.uol.com.br/sciam

[4] http://revistapesquisa.fapesp.br

[5] http://super.abril.com.br


Fonte: Boletim GEAE 13(488), 15/02/2005

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *