por Alexandre Fontes da Fonseca
1. CONTRIBUIÇÕES DA MATEMÁTICA
Na aula anterior, iniciamos a falar sobre alguns tópicos de pesquisa multidisciplinar entre a Ciência e o Espiritismo. Hoje, comentaremos sobre uma interessante pesquisa na área de Matemática.
MATEMÁTICA: Recentemente, dois artigos de nossa autoria foram publicados na revista FidelidadESPÍRITA [1,2] onde comentamos os resultados interessantes de alguns trabalhos na área de Matemática Aplicada. Trata-se de uma divulgação dos resultados de pesquisas com a chamada Teoria de Jogos. Essa teoria foi desenvolvida para, entre outras coisas, estudar o comportamento de grupos sociais com aplicações na área de Economia. Veremos uma relação entre os resultados das pesquisas acima e alguns conceitos morais.
Um tipo de “jogo” é conhecido como o jogo dos bens públicos. Nesse jogo, os participantes recebem uma determinada quantia inicial para investirem em uma atividade rentável comum. Segundo as regras, a soma de todo o valor investido é dobrada e depois repartida igualmente entre todos os participantes. O máximo lucro que o grupo, como um todo, pode obter ocorre se todos investirem tudo o que tem. O mínimo lucro ocorre quando ninguém investe nada. A decisão de investir algum valor é considerada como sendo uma atitude cooperativa dentro do jogo e a de não investir como não-cooperativa. Existe, neste jogo, uma tentação: não investir nada e receber os lucros do investimento dos outros jogadores. Apesar da soma total dos lucros do grupo ser menor nesse caso, o jogador que não investe mas recebe parte do lucro, às custas dos outros, termina a rodada do jogo com mais dinheiro do que se ele tivesse investido algum valor (faça as contas para ver!).
No entanto, uma atitude não-cooperativa motiva os outros jogadores a não-cooperarem e o grupo, após algumas rodadas, tende para o lucro mínimo. Os cientistas decidiram fazer uma análise computacional de estratégias diferentes para verificar qual delas leva a um maior lucro do grupo. A simulação numérica consiste em considerar um grupo elevado de indivíduos que, a cada rodada, decidem se cooperam ou não-cooperam de acordo com a estratégia adotada pela maioria dos vizinhos mais próximos. Alguns exemplos de estratégias são só-cooperar, só-não-cooperar, cooperar se os outros cooperarem, etc. O resultado obtido mostra que a atitude de somente cooperar favorece o progresso do grupo enquanto que não-cooperar leva ao prejuízo total. Esse resultado é bastante lógico mas não corresponde à realidade já que as pessoas são diferentes e adotam estratégias diferentes. Os cientistas, então, testaram a estratégia de cooperar se os outros cooperarem. Ela só funciona se ninguém não-cooperar. Basta que um indivíduo não-coopere para que todos passem a não-cooperar. Essa situação parece um pouco mais real por considerar a reação perante as estratégias dos outros, mas ainda não corresponde à realidade. Curiosamente, os cientistas testaram a seguinte estratégia: cooperar algumas vezes mesmo que o outro não-cooperar. O resultado obtido foi que o grupo evolui para uma situação em que os lucros são maximizados beneficiando a todos. Isso ocorre pois as pessoas desejam obter lucros e até aceitam algum equívoco por parte de um vizinho e só decidem parar de colaborar quando percebem que o grupo realmente não está ajudando. Mas o detalhe que é de interesse para nós é o fato de que se reagirmos cooperando mesmo diante de algumas não-cooperações, o grupo progride. Esse resultado verificado matematicamente ilustra o que o Evangelho ensina: retribuir o mal com o bem. Mesmo que isso pareça prejuízo para nós, num primeiro momento, a atitude de perdoar, esquecer e, se possível, ajudar aquele que nos “persegue e calunia” certamente resultará em progresso espiritual para nós e para ele.
Existe um outro tipo de jogo chamado jogo do ultimato, onde dois indivíduos são chamados para dividir uma quantia de R$100,00, por exemplo. Pelas regras do jogo um dos jogadores faz a proposta de divisão da quantia e o outro decide se aceita-a ou não. Se o outro jogador aceitar a proposta de divisão, ambos ficam com o dinheiro conforme proposto; se ele recusar a proposta, ambos saem com nada. Analisando esse jogo do ponto de vista puramente racional, o jogador que faz a proposta de divisão deve fazer a oferta de menor valor possível enquanto que o outro jogador deve aceitá-la pois receber qualquer valor, mesmo que baixo, é melhor do que não receber nada.
No entanto, pesquisas realizadas com pessoas no mundo inteiro (ver artigo da referência [3]) mostraram que a maioria daquelas que fazem a proposta, oferece valores próximos de 50% da quantia inicial, e a maioria das pessoas na posição dos que aceitam ou não uma proposta, rejeita ofertas menores que 30%. Esse resultado é considerado pelos cientistas, sem teor pejorativo, como irracional. Uma das explicações para isso considerada pelos cientistas é que as pessoas, durante a vida, interagem mais de uma vez umas com as outras fazendo com que aqueles que rejeitam ofertas menos justas adquiram uma reputação que favorece o recebimento de ofertas mais justas no futuro.
O que é digno de nota, é que esse resultado demonstra cientificamente que a Humanidade já progrediu no ponto de vista moral. A vida em sociedade levou a Humanidade a buscar formas mais justas de interação entre os seus membros. Isso demonstra a afirmativa dos espíritos nas questões 766 e 767 do Livro dos Espíritos, de que os homens foram feitos para a vida em sociedade e que todos devem concorrer para o progresso.
Nas próximas aulas comentaremos sobre as contribuições e dificuldades no relacionamento entre a Física e o Espiritismo
2. PERIÓDICOS ESPÍRITAS
O movimento espírita dispõe de muitos periódicos espíritas. Jornais e revistas, impressos em papel ou hospedados em bonitas e modernas “homepages”, divulgam o conhecimento espírita em todo o nosso país e no mundo.
Nesta aula, vamos discutir como os periódicos espíritas podem contribuir para o desenvolvimento de estudos espíritas de caráter científico, identificando alguns problemas e fazendo algumas sugestões. Vejamos, primeiro, a importância da criação da Revista Espírita pelas próprias palavras de Kardec (ref. [4], pág. 2):
“Seria desnecessário contestar a utilidade de um órgão especial, que ponha o público a par do progresso desta nova Ciência e a premuna contra os exageros da credulidade, tanto quanto do cepticismo. É uma tal lacuna que nos propomos preencher com a publicação desta Revista, com o fito de oferecer um meio de comunicação a todos quantos se interessam por estas questões e de ligar, por um laço comum, os que compreendem a doutrina espírita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prática do bem e a caridade evangélica para com todos.” (Grifos nossos). Mais adiante, na mesma referência anterior, Kardec diz: “O exame raciocinado dos fatos e das consequências deles decorrentes é, pois, um complemento, sem o qual nossa publicação seria de medíocre utilidade e apenas ofereceria um interesse secundário a quem reflete e quer dar-se conta do que vê.” (grifos nossos).
Vemos que Kardec apresenta e define os objetivos da Revista Espírita de uma forma que podemos considerar como científica não só porque nasceu dedicada ao aprimoramento e progresso desta nova Ciência, mas porque os periódicos científicos possuem as características acima destacadas. Podemos dizer que, de uma certa forma, toda a comunidade científica está ligada através das publicações em periódicos especializados. Hoje em dia, todas as ciências (e mesmo áreas ainda não científicas) dispõem de periódicos específicos através dos quais os trabalhos de pesquisa são divulgados. Nenhuma ciência ou área do conhecimento humano progrediu sem o concurso desse tipo de publicação e o movimento espírita, desde à época de Kardec, não prescindiu dessa importante ferramenta de divulgação e desenvolvimento.
Hoje, os periódicos espíritas têm contribuído com muita eficiência para que sejam criados e mantidos os laços entre os espíritas. De vários anos pra cá, o interesse do movimento espírita no aspecto científico do Espiritismo cresceu bastante em decorrência do desenvolvimento natural das ciências ordinárias. Cresceu, também, a preocupação de vários companheiros espíritas em buscar concordâncias entre os conceitos espíritas e aqueles oriundos das novas teorias como, por exemplo, os da Física.
Entretanto, o processo editorial atual de publicação de artigos e livros espíritas não permite que os editores e responsáveis pelas publicações possam avaliar, com segurança, a parte técnica do conteúdo das mesmas, se limitando a verificar o aspecto doutrinário. O exame raciocinado dos novos fatos e teorias (como Kardec recomendou no trecho acima) não está ocorrendo pois é impossível, nos dias de hoje, que um editor tenha formação em diversos campos do conhecimento.
Assim, sugerimos que os periódicos espíritas que publiquem artigos e matérias de teor científico, adotem o chamado processo de análise por pares, explicado na aula anterior. Isso permitiria que o exame raciocinado de todo material científico pudesse ser realizado prevenindo o Movimento Espírita contra possíveis excessos de credulidade e de cepticismo (parafraseando Kardec) com relação aos conteúdos de ordem técnicos e científicos. O Boletim do GEAE, de forma informal (e inédita no Movimento Espírita), já vem realizando esse tipo de processo, seja através da análise que os membros do Conselho Editorial podem realizar, de acordo com a especialidade de cada um, seja através de pedidos de análise junto a companheiros espíritas com formação e experiência em determinada área específica do conhecimento.
Estamos vivendo um momento na História onde os conhecimentos estão muito desenvolvidos e crescem de forma muito rápida e especializada. Somente os profissionais de uma determinada área podem realizar um exame raciocinado, como mencionado e recomendado por Kardec, de uma proposta ou ideia nova que relacione o Espiritismo a tal área.
É preciso lembrar que o trabalho de divulgação do Espiritismo e do desenvolvimento de ideias e conceitos novos está constantemente sendo avaliado pela sociedade e os olhos da crítica são altamente especializados. É preciso que o Movimento Espírita tenha mais certeza sobre tudo aquilo que diz e publica. O próprio progresso no conhecimento requer que cada pesquisador e estudioso espírita busque as informações necessárias para assegurar a validade dos resultados de suas pesquisas. O Movimento Espírita não pode prescindir do exame raciocinado a que Kardec se referia e o método de análise por pares é um importante auxiliar para que editores e editoras espíritas realizem esse exame raciocinado e ofereçam aos leitores mais certeza sobre o conteúdo divulgado.
Na próxima aula falaremos sobre o valor de um artigo científico em comparação com livros do tipo “texto” e de divulgação científica.
Referências
[1] A. F. da Fonseca, Aliança entre Ciência e Religião: Uma contribuição da Matemática 2003, FidelidadESPÍRITA 13, pp. 26-29.
[2] A. F. da Fonseca, Jogo do ultimato e o progresso da Humanidade 2004, FidelidadESPÍRITA, submetido para publicação.
[3] K. M. Page, M. A. Nowak e K. Sigmund, Proceedings of the Royal Society of London B Vol. 267, p. 2177 (2000).
[4] A. Kardec, Introdução 1858, Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos 1, pp. 1-6.
Fonte: Boletim GEAE 12(487), 25/01/2005