por Alexandre Fontes da Fonseca
1. CIÊNCIA ESPÍRITA
Nas aulas anteriores, falamos sobre os conceitos básicos que definem uma ciência e sua forma de trabalho e desenvolvimento. Vimos o que é e para que serve o método científico e discutimos como ele deve ser considerado em pesquisas de caráter multidisciplinar.
No entanto, é comum enxergar valor científico apenas em textos que contém conceitos e análises oriundos de outras ciências como a Física, a Química ou a Biologia, por exemplo. Imagina-se, equivocadamente, que um trabalho só é científico se conter termos e conceitos modernos, técnicos ou científicos e alguns pensam que para ressaltar o valor científico e a atualidade da Doutrina dos Espíritos, é preciso fazer o mesmo. Com base nas aulas anteriores, compreendemos que o Espiritismo é uma ciência legítima, não necessitando do emprego de conceitos de outras disciplinas científicas.
Nesta aula, conversaremos sobre como produzir conhecimento de valor científico trabalhando, apenas, dentro do paradigma espírita. Em O Livro dos Espíritos [1], encontramos o núcleo teórico central do Espiritismo [2]. Como diz Chibeni, “o estudo dessa obra revela a adequação da teoria com os fatos, sua consistência e seu alto grau de coesão e simplicidade, bem como a amplitude de seu escopo.” Retiramos do artigo da referência [3] as seguintes sugestões de áreas de investigação espíritas:
- Evolução do espírito: o elemento espiritual dos seres dos reinos inferiores; origem dos espíritos humanos; encarnação e reencarnação; pluralidade dos mundos habitados.
- O mundo espiritual.
- Interação espírito-corpo: perispírito, efeitos psicossomáticos, mediunidade.
- Implicações morais (uma área científica e filosófica): livre-arbítrio, lei de causa e efeito.
Esses itens são exemplos de grandes temas de estudo que podem ser analisados e pesquisados sem a necessidade de introduzirem-se conceitos e teorias de outras ciências. O estudo teórico (análise das obras espíritas) e prático (análise dos fenômenos espíritas), pode ser realizado sem a necessidade de usarmos conceitos de Física, Química ou Biologia. Isso não significa que não se pode estudar esses tópicos de forma multidisciplinar, isto é, de forma conjunta com alguma outra ciência. Vamos discutir esse lado multidisciplinar da pesquisa espírita nas próximas aulas. Aqui, nossa ênfase será dizer que é possível fazer pesquisa científica de qualidade sem apelar para métodos e terminologias de outras ciências.
Um importante exemplo de trabalho de pesquisa espírita que merece o adjetivo científico, é a obra de Hermínio C. Miranda, intitulada Diálogo com as Sombras [4]. Nesta obra, o autor apresenta os resultados de suas vivências e pesquisas em uma atividade genuinamente espírita: o esclarecimento de espíritos em desequilíbrio.
Os estudos sobre a obsessão, o evangelho, os efeitos das influências dos espíritos sobre nossas vidas, etc. são também assuntos legítimos que são de enorme interesse para o Movimento Espírita. Como exemplo recente, no boletim do GEAE n. 484, Jader Sampaio apresentou uma cópia da assinatura de Leon Denis, para ser comparado com a psicografia de Divaldo P. Franco feita por ocasião do 4º. Congresso Internacional de Espiritismo em Paris, 2004. Esse tipo de trabalho de pesquisa tem um valor científico muito grande pois contribui com um resultado positivo a favor da realidade da existência e sobrevivência da alma. Chibeni [3] ressalta que além desses fenômenos espíritas propriamente ditos, o Espiritismo se apoia em vários fenômenos ordinários relacionados ao nosso cotidiano como, por exemplo, os nossos sentimentos, os acontecimentos marcantes da vida, sonhos, efeitos psicossomáticos, etc.
É digno de nota a citação de alguns trabalhos que servem de referência para o pesquisador espírita. São elas os prontuários das obras de Kardec [5] e de André Luiz [6], e outros menos conhecidos como um trabalho intitulado O Indicador de João Gonçalves [7]. Alguns trabalhos de revisão, ou seja, de análise de todos os estudos e pesquisas feitos até então sobre um assunto, também merecem destaque onde temos como exemplos os livros Perispírito, do Prof. Zalmino Zimmermann [8], O Passe, do Sr. Jacob Melo [9] e Darwin e Kardec, Um Diálogo Possível, (multidisciplinar) da Profa. Hebe Laghi de Souza [10]. Recentemente, foi publicada a obra Introdução à Ciência Espírita, do Prof. Aécio Chagas [11]. O leitor encontrará nessas obras um importante material de pesquisa e referência bibliográfica. Certamente, outras obras também merecem destaque mas a limitação de espaço não permite que citemos todas.
Devido à grande ênfase que o movimento espírita tem dado à pesquisa multidisciplinar envolvendo o Espiritismo, as próximas aulas serão dedicadas à análise das condições para que os resultados desses estudos e pesquisas tenham valor científico, sem deixarem de satisfazer os critérios necessários para serem espíritas.
2. DIVULGAÇÃO DOS TRABALHOS CIENTÍFICOS
Nesta aula vamos, ainda, introduzir o leitor à questão sobre a forma pela qual os trabalhos científicos são divulgados. Isto ocorre, em sua grande maioria, através dos periódicos científicos. Nesse aspecto, como em outros, Allan Kardec demonstrou estar bem à frente de seu tempo. Numa época em que a ciência estava longe da organização que possui hoje, além de agir de forma científica no trabalho de codificação, Kardec propôs a criação da Revista Espírita que teve um grande papel na propagação do Espiritismo, na unificação dos grupos espíritas e no desenvolvimento do conhecimento espírita.
Os periódicos ditos científicos são destinados à publicação de artigos científicos que além de possuírem um formato geral padronizado, seguem um método de seleção para publicação que se constitui no coração da atividade de divulgação científica profissional. Discutiremos, em detalhes, essa metodologia de publicação e seus valores na próxima aula. Aqui, descreveremos as partes que compõem um artigo científico: 1) Título; 2) Autores; 3) Endereço ou afiliação dos autores; 4) Resumo; 5) Palavras chave; 6) Texto principal do artigo subdividido em: a) Introdução; b) Seções descritivas e c) Discussões ou Conclusões finais; d) Apêndice (quando necessário); 7) Bibliografia ou Referências. Veja abaixo uma curta explicação de cada parte:
- Título: Frase que apresenta o trabalho de pesquisa descrito no artigo. Deve ser, ao mesmo tempo, informativa e sucinta.
- Autor(es): Nome e sobrenome de cada autor ou coautor do artigo. A ordem dos autores pode refletir a importância de cada um para o artigo, mas isso não é regra geral. Pode-se abreviar os primeiros nomes. O último sobrenome deve ser escrito por extenso.
- Endereço ou Afiliação: O objetivo é divulgar as instituições dos autores. Isso ajuda a valorizar os centros de pesquisas tornando-os internacionalmente conhecidos.
- Resumo: Um parágrafo deve ser preparado com um resumo do trabalho de pesquisa apresentado no artigo, os métodos empregados e as conclusões principais. O objetivo é fornecer informações básicas para os leitores discernirem se o artigo lhes interessa à leitura.
- Palavras chave: algumas expressões que definem o tópico de pesquisa a que se refere o artigo. Isso é destinado à classificação do artigo facilitando os serviços de informação e busca científica.
- Texto: Texto propriamente dito do artigo.
- Introdução: A introdução deve apresentar um pequeno histórico das pesquisas sobre o assunto contendo sucessos e insucessos das pesquisas realizadas a respeito. Deve conter também as motivações do trabalho. As referências de cada pesquisa ou informação usadas na descrição acima devem ser feitas ao longo do texto e colocadas em sequência no final do artigo.
- Seções: Após a introdução, seções contendo os dados medidos, a teoria básica empregada, os cálculos realizados, as novas equações obtidas, as explicações necessárias, etc. devem ser preparadas de forma clara e didática. Figuras e tabelas que ilustram e mostram os resultados da pesquisa são, geralmente, colocadas nestas seções.
- Discussão ou conclusão: A análise final do trabalho de pesquisa que está sendo divulgado no artigo deve ser feita e apresentada nesta última seção e consiste na apresentação dos resultados do mesmo dentro dos objetivos previstos pelos autores.
- Apêndice: Detalhes demasiadamente técnicos que sobrecarregariam a leitura do artigo, mas que são necessários para a avaliação do trabalho realizado. São colocados ao final, após as conclusões, antes das referências.
- Bibliografia ou Referência: Uma lista com todos os artigos, livros e demais obras citadas ao longo do texto. Cada item da lista deve conter: nomes dos autores; nome do periódico (se for artigo), do livro ou da mídia onde a referência foi publicada; dados sobre a editora e edição (para livros); número e volume (para periódicos); páginas e ano da publicação. Existem vários padrões para a formação desta lista como por ordem alfabética (de sobrenomes) ou ordem numérica de citação ao longo do texto.
Na próxima aula, iniciaremos a falar sobre os vários tópicos científicos que estão na fronteira com o Espiritismo e discutiremos o chamado método de análise por pares utilizado para avaliar cada artigo científico submetido para publicação.
Referências
[1] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição (1995).
[2] S. S. Chibeni, O Espiritismo em seu tríplice aspecto Parte II 2003, Reformador Setembro, pp. 38-41.
[3] S. S. Chibeni, Ciência Espírita 1991, Revista Internacional de Espiritismo Março, pp. 45-52.
[4] H. C. Miranda, Diálogo Com as Sombras, Teoria e Prática da Doutrinação, Editora FEB, 8a Edição, (1994).
[5] N. S. Pinheiro, Prontuário das obras de Allan Kardec, Editora Edicel, 2a. Edição (1998).
[6] N. S. Pinheiro, Prontuário de André Luiz, Editora IDE (1998).
[7] J. G. Filho, O Indicador, http://www.guia.heu.nom.br/joao_goncalves_filho.htm
[8] Z. Zimmermann, O Perispírito, Editora Allan Kardec (2000).
[9] J. Melo, O Passe, Editora FEB, 2a Edição (1992).
[10] H. M. L. de Souza, Darwin e Kardec Um Diálogo Possível, Editora Allan Kardec (2002).
[11] A. P. Chagas, Introdução à Ciência Espírita, Editora Publicações Lachâtre (2004).
Fonte: Boletim GEAE 12(485), 23/11/2004