Aula 12 – O pensamento de São Tomás de Aquino (1225-1274)

por Maurício Junior

 

O Período da Escolástica
O Tomismo

 

1- O PERÍODO DA ESCOLÁSTICA

    A invasão dos bárbaros, no séc. V, destruiu no Ocidente a civilização romana e iniciou a Idade Média. Os bárbaros, que irromperam de todos os lados, provocaram novas condições políticas e sociais adversas à conservação e ao desenvolvimento da cultura intelectual. Por isso, os quatro primeiros séculos da Idade Média são obscuros, um período de estagnação intelectual em que não houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os restos da cultura que estava sendo arruinada pelas hordas dos visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente vândalos.

    O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, portanto, não foi criador, mas compilador. E este trabalho se deve principalmente aos monges, que recolheram em seus conventos muitos manuscritos antigos, que encerravam as sabedorias dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomodaram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao Cristianismo. Com isso houve um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações científicas e filosóficas apareceram, predominando então a Escolástica, como principal corrente filosófica.

    A Escolástica, como dito acima, são doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos séc. IX ao XVII, caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão, problema que se resolve pela dependência do pensamento filosófico, representado pela filosofia greco-romana, à teologia cristã. Desenvolveram-se na escolástica inúmeros sistemas que se definem, do ponto de vista estritamente filosófico, pela posição adotada quanto ao problema dos universais e dos quais se destacam os sistemas de Santo Anselmo (anselmiano), de São Tomás (tomismo) e de Guilherme de Occam (occamismo).

    Inicia-se um período de florescimento intelectual, no séc. XIII, o século clássico da Idade Média e um dos mais importantes da história da filosofia. A filosofia escolástica cristã, a filosofia árabe e a judaica, mais o aristotelismo passaram a ser as grandes fontes da Escolástica. É um período de esplendor em todas as manifestações humanas: na arquitetura, na pintura, na literatura, nas ciências é o século da introdução da álgebra e dos algarismos arábicos no Ocidente e do emprego da bússola. É também este o período de esplendor da Escolástica. Para isso, três foram os fatores fundamentais: a fundação das Universidades, o estabelecimento das ordens mendicantes dos dominicanos e dos franciscanos e o conhecimento da obra filosófica de Aristóteles.

    No início do séc. XIII, surgiu a Universidade de Paris, resultado da reunião das quatro faculdades: de teologia, de artes (filosofia), de direito e de medicina. Pouco depois, mais ou menos modeladas na de Paris, surgem as Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra; Bolonha e Pádua, na Itália; Salamanca, na Espanha; Colônia e Heidelberg, na Alemanha, e Coimbra em Portugal. Nessas universidades, grandes centros intelectuais que perduram até hoje, mantinham-se vivas as tradições platônicas e agostinianas e cultivava-se o aristotelismo.

    Em princípios do séc. XIII, fundaram-se as duas grandes ordens mendicantes dos franciscanos e dos dominicanos. Após grandes polêmicas com os seculares, conseguem estes padres algumas cátedras na Universidade de Paris e acabam depois dominando o ambiente universitário. Dentre os maiores filósofos franciscanos apareceram: Alexandre de Halles, o primeiro mestre franciscano; São Boaventura, Rogério Bacon, Duns Scoto e Guilherme de Occam. Dentre os dominicanos: São Alberto Magno, São Tomás de Aquino e o mestre Eckehart.

    O conhecimento de Aristóteles foi o fator mais importante para o apogeu da Escolástica do séc. XIII. Nos séculos anteriores, a única obra conhecida de Aristóteles era o Organon. Em princípios do séc. XIII toda a enciclopédia aristotélica foi divulgada. A princípio, passando por traduções imperfeitas, oriundas do árabe ou hebraica, foram proibidas pelas autoridades eclesiásticas em 1215, sendo mais tarde, por volta de 1254, traduzidas diretamente do grego, sendo incorporadas pela Universidade de Paris.

    Depois de uma época de decadência (séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX) o tomismo renasceu sob a denominação de neotomismo. Objeto de condenações da autoridade eclesiástica, em vida de santo, tornar-se-ia mais tarde, sem excluir totalmente o agostinismo, a filosofia oficial da Igreja, cujo estudo seria recomendado pelo papa Leão XIII.

2- O TOMISMO

    O Tomismo – doutrina escolástica de Tomás de Aquino adotada oficialmente pela Igreja Católica – se caracteriza, sobretudo, pela tentativa de conciliar o aristotelismo com o cristianismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os princípios da filosofia aristotélica.

    A obra de Tomás de Aquino, dividida em partes, tratados, questões e artigos, objeções e respostas, em rigorosa ordem numérica, reflete, em sua estrutura, a composição do mundo feudal, dividido em classes e em estamentos rigidamente estratificados. Expressão do apogeu do mundo medieval, contemporânea dos castelos e das catedrais, o tomismo é uma catedral de ideias, em que a teologia do séc. XIII encontrou sua mais coerente e sólida formulação. No entanto, não foi geralmente aceito pelos escolásticos medievais; os adeptos de Duns Scotus combateram o seu intelectualismo e os nominalistas o realismo. Somente na segunda metade do séc. XVI foi reconhecido como arma de defesa e ataque da Contra-Reforma.

    Tomás de Aquino apresentou a solução definitiva do problema das relações entre a razão e a fé. Trata-se de duas ciências: a filosofia e a teologia; a primeira funda-se no exercício da razão humana; a segunda, na revelação divina. São duas ciências independentes, mas que apresentam às vezes o objeto material comum: a existência de Deus, a essência da alma, etc. A distinção entre essas ciências deriva mais do objeto formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método da autoridade ou revelação, ao passo que a filosofia o considera por demonstração científica ou pela razão.

    Teologia e filosofia não se contradizem, ambas procuram a verdade e esta é uma só. A revelação é critério da verdade. No caso de uma contradição entre a razão e a revelação, o erro não será nunca da teologia, mas deve ser atribuído à filosofia, pois nossas limitações cognoscitivas (1) racionais se extraviaram e não conseguiram  chegar à verdade.

    A Teodicéia é a especulação filosófica para provar a existência de Deus. Tomás de Aquino sustenta que nada está na inteligência que não tenha estado antes nos sentidos, razão pela qual não podemos ter de Deus, imediatamente, uma ideia clara e distinta. A fim de provar sua existência, Tomás procede a posteriori, partindo não da ideia de Deus, mas dos efeitos por Ele produzidos. Assim, elege o mundo sensível como ponto de partida, cuja existência é dada pelos sentidos e utiliza a metafísica Aristotélica, revelando o  seu gênio sintético ao demonstrar a existência de Deus, de cinco modos, que são as famosas cinco vias, que assim se resume:

     1a. – A do Movimento– É o argumento aristotélico do primeiro motor. (não é possível admitir uma série infinita de seres que se movem, movendo por sua vez outros seres; logo, é preciso chegar a um motor que mova sem ser movido.). O movimento existe e é uma evidência para os nossos sentidos; ora, tudo o que se move é movido por outro motor; se esse motor, por sua vez, é movido, precisará de um motor que o mova, e, assim, indefinidamente, o que é impossível, se não houver um primeiro motor imóvel, que move sem ser movido, que é Deus.

    2a. – A da Concatenação das Causas– Tudo está sujeito à lei de causa e efeito. Há, pois, uma série de causas eficientes, causas e efeitos, ao mesmo tempo; ora, não é possível remontar indefinidamente na série das causas; logo, há uma causa primeira, não causada, que é Deus.

    3a. – A da Contigência– Todos os seres que conhecemos são finitos e contigentes, pois não têm em si próprios a razão de sua existência, são e deixam de ser; ora, se são todos contingentes, em determinado tempo deixariam todos de ser e nada existiria, o que é absurdo; logo, os seres contingentes implicam o ser necessário, ou Deus.

    4a. – A dos Graus de Perfeição– Todas as perfeições admitem graus, que se aproximam mais ou menos das perfeições absolutas. Deve, pois, haver um ente sumamente perfeito, é o ente supremo – Deus.

    5a. – A da Ordem Universal– Todos os entes tendem para uma ordem, não por acaso, mas por uma inteligência que os dirige; há, pois, um ente inteligente que ordena a natureza e a impele para o seu fim. Esse ente inteligente é Deus.

    Desses conceitos, Tomás de Aquino conclui quanto podemos conhecer sobre a natureza e  os atributos de Deus. Observa, porém, que esse conhecimento é imperfeito; sabemos que Deus é, mas não O que é. Apesar disso, podemos compreender que Deus é eterno, infinito, onisciente, onipotente e em suas relações com o mundo é Criador e Providência.

    A doutrina tomista admite que a alma, princípio espiritual, junta-se ao corpo, princípio material, constituindo um composto substancial. Assim, tem uma alma as plantas, é a alma vegetativa, com as funções de alimentação e reprodução; nos animais, é a alma sensitiva, com as funções anteriores, mais a sensação e mobilidade; finalmente, o homem com todas as funções anteriores, mais a racional. No concernente às propriedades da alma humana, admite o livre-arbítrio, que é estudado sob todos os seus aspectos e todos os problemas dele derivados são resolvidos com firmeza e profundidade. Tomás de Aquino considera ainda a inteligência como a faculdade mais perfeita de nossa alma.

    Com sua Ética, também harmoniza a doutrina de Aristóteles aos princípios cristãos. Assim, a ética é o movimento da criatura racional para Deus. Esse movimento visa a uma bem-aventurança, que consiste na contemplação imediata de Deus. Diverge da teoria agostiniana e se harmoniza com a aristotélica no que se refere à teoria do conhecimento. Para Tomás de Aquino, o conhecimento tem dois momentos: o sensitivo e o intelectual. O conhecimento sensitivo do objeto, que está fora de nós, dá-se mediante a sensação. Esta é a impressão do objeto material em nossa consciência. Processa-se pela assimilação das sensações do sujeito cognoscente com o objeto conhecido. O conhecimento intelectual depende do conhecimento sensitivo, mas ultrapassa-o, pela abstração e generalização, formulando os conceitos.

    Tomás de Aquino é considerado o maior gênio da Escolástica. Criou um sistema filosófico sintético, coerente, fundamentado em Aristóteles, e reformulou todo o pensamento cristão.

(1) Cognoscitivas – Que tem a faculdade de conhecer.

 

TEXTOS EXTRAÍDOS DE:

Enciclopédia Britânica.
Enciclopédia Barsa.
Coletânea de Textos Filosóficos – ACEEF – U.E.C.
Ensinamentos Básicos dos Grandes Filósofos – S.E.Frost Jr.


 Fonte: BOLETIM GEAE | ANO 09 | NÚMERO 419 | JUNHO DE 2001

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