por Alexandre Fontes da Fonseca
1. FÍSICA E ESPIRITISMO VI:CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo das últimas aulas, buscamos esclarecer o leitor sobre possíveis relações entre alguns conceitos da Física e do Espiritismo. Verificamos que alguns conceitos exprimidos pelos espíritos podem ser explicados e entendidos graças ao desenvolvimento da Física Moderna, mas também analisamos algumas características dos fenômenos espíritas concluindo que eles não podem ser explicados pela teoria quântica.
Nesta aula, pretendemos comentar sobre um outro exemplo de fenômeno da Física que está sendo confundido com um fenômeno espírita, o teletransporte, e vamos tecer comentários sobre a obra Mecanismos da Mediunidade [1] de André Luiz, através da psicografia de Francisco C. Xavier e Waldo Vieira. Vamos, também, analisar, brevemente, a ideia de universos paralelos e o que isso representaria em termos espíritas.
Comentaremos, também, a respeito de alguns trabalhos de nossa autoria em que aplicamos alguns conceitos da Física na análise de algumas afirmativas dos Espíritos superiores com relação a fenômenos da natureza e sobre o Fluido Universal. Esses trabalhos não constituem prova ou demonstração de alguns conceitos espíritas com base na Física, mas sim são exemplos de análises em que alguns conceitos da Física são utilizados para melhor compreender a possibilidade de determinados fenômenos espíritas. Isso é algo bem análogo ao que Kardec fez quando usou conhecimentos da ciência para, por exemplo, explicar a formação do nosso planeta.
Sobre o teletransporte, a figura mais comum que nos vem à mente é o filme Jornada nas Estrelas, em que os tripulantes da nave eram “teletransportados” ou “teleportados” instantaneamente da nave para a superfície do planeta e vice-versa. Recentemente, diversas revistas de divulgação científica tem estampado em suas capas o assunto “teletransporte” o que tem sugerido a alguns leitores espiritualistas a ilação de que é exatamente esse fenômeno o que ocorre em determinados fenômenos espíritas.
Esse tema tem sido estudado a mais de 10 anos [2] mas continua sendo pesquisado [3] por causa do enorme potencial em aplicações naquilo que chamamos computação quântica. O fenômeno, nada mais é, do que a reconstrução de um determinado sistema quântico a uma distância afastada do mesmo. Nenhum objeto é trasnsportado! Os cientistas aproveitam a ligação do tipo não-local entre duas partes de um sistema quântico inicial para transformar um outro sistema quântico, em local distante do primeiro, em um sistema idêntico ao inicial. Essa descrição é bem diferente do fenômeno espírita de transporte de algum objeto onde o próprio objeto é deslocado de um lugar para outro.
O físico Stephen Hawking é um dos fundadores da disciplina conhecida como Cosmologia Quântica. Isso parece contraditório, pois a Mecânica Quântica foi criada para estudar o comportamento do mundo microscópico e a Cosmologia para estudar o comportamento do mundo em escala astronômica. A ideia de Hawking é considerar todo o universo como se fosse uma partícula quântica. Assim, ao universo se associa uma função de onda. Esta seria formada por uma “soma” de infinitos universos paralelos. Como a função de onda representa probabilidades, presume-se que o quadrado de seu módulo seja bem próximo de 1 nas proximidades de nosso universo, isto é, para os “termos” da infinita soma cujo universo seja mais parecido com o nosso. Atualmente, os cientistas ainda não provaram essa hipótese [4]. Alguns companheiros imaginaram que os universos paralelos poderiam representar o plano espiritual. Porém, os universos paralelos propostos por Hawking são materiais no sentido de que em alguns deles existem cópias de nós mesmos com alguma diferença pequena ou grande. Por exemplo, existiria um universo paralelo em que eu estou escrevendo sobre história da música ou, ainda, um outro universo em que eu sou cego e analfabeto. Que relação existiria entre os diversos “eu”s de cada universo? Ao nosso ver, nenhuma relação existe e se o meu espírito está neste universo, o espírito que animaria o corpo de um Alexandre cego e analfabeto de outro universo, certamente, seria outro pois o mesmo espírito não pode animar mais de um corpo. Outra questão é o seguinte: em cada instante, o universo que conhecemos é o resultado de um colapso da função de onda do universo. Sempre poderemos questionar o aspecto probabilístico do universo em cada instante. Uma outra característica da teoria de Hawking é a ligação microscópica entre os diversos universos paralelos. Essa ligação ocorreria através do chamado buraco de minhoca. Segundo Kaku [4], como o tamanho do buraco de minhoca é muito pequeno, nenhum de nós corre o risco de ser levado a um universo paralelo ao nosso e nenhum ser de outro universo nos visitaria. Segundo os Espíritos (questão 459 do Livro dos Espíritos [5]), eles influenciam nossos pensamento muito mais que imaginamos ao ponto de quase nos dirigir. Isso significa que o contato do mundo espiritual com o nosso é muito mais próximo do que a teoria de Hawking prediz para os universos paralelos. Daí, nossa conclusão é que o modelo dos universos paralelos ainda não serve para explicar o mundo espiritual.
No livro Mecanismos da Mediunidade [1], André Luiz se baseia nos avanços da Física Moderna para expor uma explicação para os mecanismos do fenômeno mediúnico. O leitor leigo em Física perceberá que André Luiz se utiliza de conceitos diversos de diversas teorias como a teoria quântica e clássica para partículas e campos. Ele se utiliza, também, de conceitos desenvolvidos nas áreas de Engenharia Elétrica para propor ideias como a de corrente mental, circuitos mediúnicos, gerador do cérebro, etc. André Luiz faz uma interessante recapitulação das teorias desenvolvidas no começo do século XX para a estrutura da matéria, mencionando algumas características quânticas das partículas, e propõe que a matéria mental seja constituída, também de partículas que “ (…) embora em aspectos fundamentalmente diversos, obedece a princípios idênticos àqueles que regem as associações atômicas, na esfera física, (…)” (Cap. IV da Ref. [1]).
A proposta de André Luiz está de acordo com o que expomos no final da aula 9 onde comentamos que nada impede que a estrutura dos fluidos espirituais não seja algo análogo ao que foi descoberto para a matéria densa. Porém, segundo a nossa leitura desta obra, André Luiz apenas usou a analogia entre a estrutura da matéria comum com a matéria mental para explicar os fenômenos mediúnicos em termos de correntes e fluxos mentais em total analogia com circuitos de correntes elétricas cujo comportamento é explicado de modo clássico em termos de diferença de potencial e força eletromotriz. Existe um capítulo inteiro chamado “Analogias de circuitos” (Cap. VII) em que André Luiz escreve cada fenômeno mental e seu correspondente material. Ainda no Cap. IV, sob o subtítulo “Indução Mental” André Luiz recorre à ideia de “campo” de Einstein para analisar as influências entre os Espíritos. As teorias que envolvem a ideia de campo desenvolvidas por Einstein não são quânticas. Em minha análise particular, André Luiz usou apenas a parte bem compreendida da teoria quântica e não citou em nenhum lugar a ideia de não-localidade para explicar alguma característica do fenômeno mediúnico. Mesmo quando ele explica as propriedades magnéticas da matéria em termos da propriedade quântica conhecida como “spin” associada a cada partícula, André Luiz se expressa da seguinte maneira ao fazer a analogia com o fenômeno mediúnico: “Perceberemos nas mentes ajustadas aos imperativos da experiência humana, mesmo naquelas de sensibilidade mediúnica normal, criaturas em os <<spins>> ou efeitos magnéticos da atividade espiritual se evidenciam necessariamente harmonizados, (…)” (Cap. VIII, grifos nossos). Vê-se, claramente, que essa analogia entre “spin” e “efeitos magnéticos da atividade espiritual” não é a mesma coisa que o conceito empregado na Física onde cada partícula individual possui um magnetismo intrínseco chamado “spin”. André Luiz, aqui, percebeu que em nada contribuiria associar o “spin” de cada partícula mental à ideia de “spin” da Física pois ele tinha como objetivo comparar as características macroscópicas dos objetos classificados como ferromagnéticos com a mediunidade ostensiva de algumas pessoas.
O leitor deve estar se perguntando, a Física, então não pode provar a existência do Espírito ou dos conceitos espíritas? e será que é impossível, então, usar conceitos da Física para desenvolver ou entender melhor alguns conceitos espíritas?
A resposta à primeira pergunta é afirmativa, isto é, a Física pode vir a provar a existência e sobrevivência da alma já que, afinal, ela é alguma coisa que atua sobre o Universo. A Humanidade, ao meu ver, se beneficiaria muito com tal feito. Porém, existem dificuldades muito maiores do que nós espíritas podemos imaginar. A primeira delas é o preconceito pessoal de cada cientista, como pessoa. A ciência, por mais que tenha desenvolvido métodos de estudo e pesquisa, é uma atividade humana e como tal está sujeita às virtudes e defeitos que o ser humano possui. No entanto, o preconceito não é o único obstáculo às pesquisas espiritualistas. Carecemos de um projeto de pesquisa muito sólido que fosse bem embasado não somente nos conhecimentos espíritas mas também nos conhecimentos científicos naquilo que de mais atual existe. Infelizmente, as analogias de André Luiz não são suficientes para que o assunto possa ser reconhecido como demonstração científica. É preciso lembrar que as ideias espíritas não são as únicas que pretendem usar conceitos da teoria quântica para dar suporte a elas. Se o Espiritismo usar a teoria quântica para explicar seus conceitos e outras doutrinas também a usarem para defender seus princípios, quais deles estarão corretos e quais estarão errados? Se um desses princípios espiritualistas for diferente do que a Doutrina Espírita diz, mas que se baseia em algum “conceito quântico”, qual estará com a razão? Não é seguro saber que a ciência se, por um lado, rejeita analogias simples e diretas entre conceitos espíritas e científicos, por outro, evita de aceitar conceitos espiritualistas em desacordo com o Espiritismo? Por essa razão, consideramos que o preconceito dos cientistas é um obstáculo menor do que imaginamos. O desafio é estudar a fundo tanto o Espiritismo quanto a Física (ou outra ciência) e encontrar a “brecha” inquestionável pela qual conceitos espíritas poderiam ser introduzidos na pesquisa científica. Já mencionamos em aula anterior (aula 4) que consideramos a área médica como promissora nesse aspecto pois lida diretamente com o ser humano e pode encontrar “brechas” que as teorias puramente materiais não encontram. Apesar das estranhas interpretações das teorias modernas em Física, é muito mais difícil encontrar uma brecha na Física do que pode parecer.
A segunda questão acima é algo mais realizável por nós. Tanto é verdade que temos alguns trabalhos de nossa autoria em que utilizamos alguns conceitos de diversas teorias da Física para explicar e entender melhor alguns fenômenos espíritas. Em um desses trabalhos, analisamos [6] a questão da influência dos espíritos sobre os fenômenos da natureza (questões de 536 a 540 do Livro dos Espíritos [5]), do ponto de vista de um fenômeno físico como uma tempestade. Nossa motivação para esse estudo decorreu dos comentários de Kardec no ítem 46 do capítulo XV de A Gênese [7], sobre a passagem evangélica intitulada “Tempestade Acalmada”, em que propõe que Jesus estava calmo diante da tempestade que se aproximava por saber, de antemão que ela iria amainar e que não havia perigo algum. Analisamos o fenômeno do ponto de vista físico e usamos os conceitos da Teoria do Caos para mostrar que não é necessário uma enorme quantidade de fluidos animalizados para realizar uma influência sobre um fenômeno de tão larga escala como uma tempestade.
Em outros dois trabalhos, analisamos uma afirmativa dos Espíritos superiores sobre o Fluido Universal, presente na resposta que deram à questão número 27 do Livro dos Espíritos [5]. Em um deles [8] comparamos a afirmativa dos Espíritos nessa questão com um resultado ainda não compreendido pelos cientistas a respeito dos efeitos do vácuo quântico no Universo. Propomos (não provamos nada) que o Fluido Universal seja o elemento que anularia os efeitos do vácuo quântico caso essa previsão seja verdadeira. Porém, apenas os cientistas especialistas em Cosmologia poderão avaliar a possibilidade dessa hipótese. Em outro artigo [9], analisamos as propriedades das chamadas matéria escura e energia escura, presentes em larga escala no Universo, e mostramos que nenhuma delas poderia ser o Fluido Universal já que elas possuem propriedades diferentes daquelas que os Espíritos ensinaram sobre o Fluido Universal.
Por fim, vale a pena aqui comentar o trabalho do filósofo Ken Wilber que reuniu na obra Quantum Questions [10], a opinião de alguns dos maiores físicos sobre questões espiritualistas. Os físicos cujo pensamento religioso foi estudado por Wilber foram Heisenberg, Schrödinger, Einstein, de Broglie, Jeans, Planck, Pauli e Eddintong. Wilber afirma que todos eles possuiam um sentimento religioso bem claro mas que, ao mesmo tempo, todos eles eram contrários à utilização de conceitos e teorias da Física para explicar-se os fenômenos místicos. O principal argumento desses grandes cientistas é “se a Física de hoje dá base ao misticismo, o que acontecerá se a Física do amanhã substituir a física de hoje?” [11]. De modo a vermos que isso é, de fato, muito sério, vamos reproduzir os comentários de André Luiz em seu prefácio do livro Mecanismos da Mediunidade [1]:
“Aliás, quanto aos apontamentos científicos humanos, é preciso reconhecer-lhes o caráter passageiro, no que se refere à definição e nomenclatura, atentos à circunstância de que a experimentação constante induz os cientistas de um século a considerar, muitas vezes, como superado o trabalho dos cientistas que os precederam.
Assim, as notas dessa natureza, neste volume, tomadas naturalmente ao acervo de informações e deduções dos estudiosos da atualidade terrestre, valem aqui por vestimenta necessária mas transitória, da explicação espírita da mediunidade (…)” (Grifos nossos).
André Luiz tinha plena consciência de que a Física se renova constantemente e não se arriscou a propor uma teoria absoluta para os mecanismos da mediunidade, dizendo que as analogias presentes no livro servem de “vestimenta necessária, mas transitória” para a explicação dos fenômenos mediúnicos.
Em nossa opinião, a recomendação dos grandes físicos reflete o cuidado que devemos ter em propor explicações para os conceitos espíritas em termos de conceitos de outras teorias científicas. Porém, se desejarmos pesquisar a realidade espiritual por intermédio de paradigmas científicos outros, como a Física, não podemos nos furtar ao estudo profundo das ferramentas teóricas da ciência que pretendemos usar e devemos nos informar sobre a forma pela qual a ciência, como um todo, se desenvolve, seus critérios, seus meios de divulgação e reconhecimento. Essas aulas sobre Ciência e Espiritismo, se destinam a introduzir o leitor a essas questões.
Referências
[1] A. Luiz, psicografia de F. C. Xavier e Valdo Vieira, Mecanismos da Mediunidade, Editora FEB, 11ª Edição (1990).
[2] C. H. Bennett, G. Brassard, C. Crépeau, R. Jozsa, A. Peres, W. K. Wootters, Teleporting an unknown quantum state via dual classic and Einstein-Podolsky-Rosen channels. Physical Review Letters 70, 1895-1899 (1993).
[3] B. Julsgaard, A. Kozhekin, E. S. Polzik, Experimental long-lived entanglement of two macroscopic objects, Nature 413, 400 (2001).
[4] M. Kaku, Hiperespaço, Editora Rocco (2000).
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição (1995).
[6] A. F. da Fonseca, Caos, complexidade e a influência dos espíritos sobre os fenômenos da natureza, FidelidadESPÍRITA 12, pp. 20-26 (2003). Uma cópia do mesmo pode ser obtida na seguinte homepage: http://www.ieja.org – procure por link de artigos, pelo nome do autor e pelo título.
[7] A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 36ª Edição (1995).
[8] A. F. da Fonseca, O fluido universal e as teorias cosmológicas, FidelidadESPÍRITA 14, pp. 16-24 (2003).
[9] A. F. da Fonseca, Matéria e Energia Escura: não são o Fluido Universal, FidelidadESPÍRITA 15, pp. 18-22 (2003). Uma cópia dos artigos das referências [7] e [8] podem ser obtidas na seguinte homepage: http://www.ieja.org – procure por link de artigos, pelo nome do autor e pelo título.
[10] K. Wilber, Quantum Questions, mystical writings of the world’s greatest physicists, Editora Shambhala, 2nd Edition, London (2001).
[11] Frase original em ingles: “If today’s physics supports mysticism, what happens when tomorrow’s physics replaces it?”
Fonte: Boletim GEAE 13(494), 30/06/2005