por Cesar Boschetti.
Na segunda parte do Livro dos Espíritos, que trata da vida no plano espiritual, Kardec explora vários aspectos da condição dos espíritos sem as limitações do corpo carnal. Ele indaga sobre a percepção dos espíritos em relação à passagem do tempo, questão 240, em relação à visão, questões 245 a 248, em relação ao som, questões, 249 a 251, em relação a apreciação das belezas naturais, questão 252 e, como não poderia deixar de ser, Kardec questiona os espíritos sobre a percepção tátil, as sensações de sofrimento físico e a sensação de fadiga nas questões 253 a 256. No contexto da vida na dimensão espiritual, o ensaio sobre a sensação dos Espíritos na questão 257 é leitura obrigatória. Voltaremos a ela mais adiante, mas desde já sugerimos ao leitor estudá-la com calma e atenção.
Neste artigo, sem maiores pretensões e nos atendo às obras da codificação Kardequiana, além de algumas outras referências interessantes que coletamos com auxílio da IA (Copilot da Microsoft e Gemini da Google), vamos explorar a manifestação e percepção musical sob a perspectiva, tanto do espírito encarnado como desencarnado. A questão 251, citada acima, por exemplo, afirma que a música celeste é uma harmonia que, nada aqui na Terra, pode nos dar ideia. Pode não parecer, mas temos aqui um grande desafio para a ciência espírita. Esperamos que sirva de provocação para outros estudiosos, principalmente aqueles familiarizados com a teoria musical, se debruçarem sobre este empolgante e riquíssimo tema. Pedimos desculpas pela extensão do artigo, mas isto se fez necessário dado à complexidade do assunto.
A manifestação musical acompanha o ser humano desde os primórdios da civilização. Na Pré-História, os primeiros humanos utilizavam sons naturais e instrumentos rudimentares, como ossos e pedras, em seus rituais. Se a música surgiu antes ou depois ou ainda em concomitância com a linguagem é um tema em debate. O que sabemos é que, mesmo considerando as diferenças regionais e culturais ao redor do mundo, pode-se dizer que a música é uma manifestação cultural universal [1] e, com bastante frequência, associada à dança e à experiência espiritual.
Com o passar do tempo, a música foi se sofisticando. O homem foi descobrindo novas formas de produzir sons, foi inventando novos instrumentos, foi aprendendo a arte de criar harmonia entre diferentes sons e instrumentos. Hoje temos essa fantástica riqueza musical com uma gama enorme de modalidades e gêneros musicais para uma, igualmente enorme gama de preferências pessoais dos espíritos, encarnados e desencarnados. Essa formidável riqueza, fruto do livre arbítrio e da criatividade do espírito humano, tem múltiplos aspectos interessantes e importantes na atual fase da evolução espiritual do planeta Terra. Mas antes de seguirmos em frente, voltemos ao ano de 550AC em Crotona, sul da Itália e parte da antiga Grécia. Foi lá que Pitágoras descobriu que havia uma relação numérica harmônica entre as notas musicais. A partir disto, como consequência do apreço da cultura grega pela perfeição e pela harmonia, surgiu a ideia de que o Cosmos também deveria seguir relações matemáticas harmônicas, a qual se denominou de “música das esferas” [2], de onde tiramos o título deste artigo. Não é certo que tenha sido Pitágoras o autor da frase, mas certamente ele foi um dos pilares da ideia.
Esse conceito atravessou os séculos influenciando diversos pensadores e áreas do conhecimento. A NASA, por exemplo, já transformou diversos dados de observações astronômicas em sons audíveis de estrelas e de buracos negros. As referências [3, 4] trazem várias considerações importantes sobre a música e sua enorme influência sobre vários aspectos da vida do espírito encarnado, sobretudo no que diz respeito ao binômio saúde-espiritualidade. Não adentraremos nessa área. Na internet há uma quantidade enorme de boas referências neste aspecto. Basta uma busca paciente no Google ou com auxílio de alguma ferramenta de IA que não haverá dificuldades para se encontrar boas leituras a respeito. Por exemplo, com auxílio da IA pudemos encontrar referências à música no Velho Testamento bem como duas citações relacionadas a Jesus. Uma em Mateus 26:30 onde é dito que após a última ceia Jesus e seus discípulos cantaram um hino antes de se dirigirem ao Monte das Oliveiras. Em Lucas 7:32 Jesus menciona crianças que tocam flautas e outras que dançam. Essas passagens indicam claramente que Jesus estava familiarizado com as práticas musicais da tradição judaica, que valorizava profundamente a música como forma de louvor e ensino. Paulo de Tarso, o principal divulgador do Cristianismo Primitivo não foge a regra e encontramos várias referências musicais em suas Cartas. Veja por exemplo, Filipenses 2:6-11 onde temos um hino ao Cristo cuja estrutura poética e rítmica sugere que era cantado. Vale mencionar ainda que em Efésios 5:19, Colossenses 3:16 e Coríntios 14:7-8, Paulo coloca ênfase na relação da música com as verdades espirituais que devem ser enfatizadas de modo inequívoco.
Mas vamos focar nossa atenção aos ensinamentos trazidos pelos espíritos superiores através de Kardec. Há bom material para isso no LE – Livro dos Espíritos, RE – Revista Espírita e OP – Obras Póstumas. Vamos começar examinando novamente a questão 251 do LE, abaixo transcrita com grifos meus.
Kardec: 251. São sensíveis à música os Espíritos?
“Aludes a vossa música? Que é ela comparada à música celeste? A esta harmonia de que nada na Terra vos pode dar ideia? Uma está para a outra como o canto do selvagem para uma doce melodia. Não obstante, Espíritos vulgares podem experimentar certo prazer em ouvir a vossa música, por lhes não ser dado ainda compreenderem outra mais sublime. A música possui infinitos encantos para os Espíritos, por terem eles muito desenvolvidas as qualidades sensitivas. Refiro-me à música celeste, que é tudo o que de mais belo e delicado pode a imaginação espiritual conceber.”
Fica claro que no plano espiritual a música se expressa de forma diferente da que conhecemos no plano material. Esse é um ponto importante porque no plano espiritual mais elevado, não há vibração sonora como a existente no plano material. Os espíritos superiores já despidos e desapegados da matéria, até mesmo do perispírito, percebem a música em forma de uma harmonia que vai direto de espírito para espírito sem intermediação de um meio material ordinário. Somente espíritos ainda em estágios menos evoluídos apreciam expressões musicais próprias do plano material.
Esse entendimento fica mais claro na questão 257 do LE da qual destacaremos abaixo alguns trechos. Colocamos apenas “aspas” sem itálico porque é a fala de Kardec, não dos espíritos. Os grifos em negrito são meus.
“desde que pelo perispírito é que as sensações agradáveis, da mesma forma que as desagradáveis, se transmitem ao Espírito, sendo o Espírito puro inacessível a umas, deve sê-lo igualmente às outras.” … “O som dos nossos instrumentos, o perfume das nossas flores nenhuma impressão lhe causam. Entretanto, ele experimenta sensações íntimas, de um encanto indefinível, das quais ideia alguma podemos formar, …” “… Esse ponto escapa ao conhecimento. Sabemos que no Espírito há percepção, sensação, audição, visão; …” “ … mas, de que modo ele as tem? Ignoramo-lo. Os próprios Espíritos nada nos podem informar sobre isso, por inadequada a nossa linguagem a exprimir ideias que não possuímos, …”.
A título complementar, corroborando o que foi dito acima, vale dizer que inúmeros relatos de pessoas que passaram por EQM (Experiências de Quase Morte) acusam a sensação de consciência ampliada, isto é, parecer ver e ouvir por todos os lados. A fala vai direto à mente, sem passar pelos ouvidos [5].
Temos também o comentário do Espírito Miramez dizendo que a música celeste é uma expressão sublime da harmonia universal, capaz de envolver os espíritos em estados de êxtase e elevação [6].
Vejamos também o que nos fala o Espírito de Mozart a cerca da música celeste. No início da primeira entrevista Kardec comenta que, apesar de não conhecer o entrevistador e o médium, fez a publicação pela coerência e ordem das perguntas, embora revelasse certa falta de experiência do entrevistador. Além disso, Kardec quis com essa publicação dar uma resposta àqueles que o acusavam de refletir sua opinião nas respostas dos espíritos.
A menção à música aparece na segunda entrevista com Mozart reportado na RE de maio de 1858, ao ser perguntado o que é Melodia, Mozart entre outras considerações responde:
“… No planeta Júpiter, onde habito, há melodia em toda parte: no murmúrio das águas, no ciciar das folhas, no canto do vento; as flores rumorejam e cantam; tudo produz sons melodiosos …”
Segue-se nova pergunta inquirindo se nossa música seria a mesma em outros planetas. Ao que Mozart responde:
“Não. Nenhuma música vos pode dar uma ideia da que temos aqui. Ela é divina! …” “Aqui não temos instrumentos: são as plantas e os pássaros os coristas. O pensamento compõe e os ouvintes gozam sem audição material, sem o concurso da palavra, e isto a uma distância incomensurável. Nos mundos superiores isto é ainda mais sublime”. Duas outras perguntas são também muito elucidativas para nós. Em uma o entrevistador pergunta porque a composição “Ave Maria” do próprio Mozart o emociona (a ele, entrevistador) até às lagrimas. Mozart de forma surpreendente responde: “Teu Espírito se desprende, junta-se ao meu e ao de Pergolese, que me inspirou aquela obra, mas eu esqueci aquele trecho”.
O entrevistador então inquire: Como pudeste esquecer a música composta por ti mesmo? Em resposta Mozart fala: “A que tenho aqui é tão linda! Como recordar aquilo que era só matéria?” Essas questões, dentre outras fora do contexto relativo à música, nosso foco, estão na referência [7].
Aqui temos um primeiro desafio. Mozart alega ser habitante de Júpiter na ocasião da entrevista. Hoje, graças à tecnologia disponível, sabemos que vida semelhante à nossa aqui na Terra não existe no sistema solar, nem tão pouco sinais de alguma forma de inteligência que pudesse ser reconhecida como tal. Vamos analisar as possibilidades. Nas questões 234 a 236 do LE, os espíritos falam a Kardec da existência de mundos transitórios onde os espíritos errantes poderiam se reunir em um tipo de acampamento (eles usam o termo bivaque) para descanso de uma longa erraticidade. Nesses mundos, completamente estéreis do nosso ponto de vista, continuam aprendendo e evoluindo. Todavia, Mozart não se refere a Júpiter como um mundo transitório. Pela descrição dele trata-se de um mundo organizado, embora invisível para nós.
Embora Kardec não explicite os detalhes ao falar da evolução do espírito reencarnado em diversos mundos (muitas moradas na casa do Pai), não é de todo ilógico a “vida” menos materializada em Júpiter. Seria uma outra dimensão de espaço-tempo. Não faria sentido haver apenas dois tipos de mundo. Um com vida material similar à nossa passível de ser percebida por nós ou por nossa tecnologia, e outros com vida apenas espiritual como a “Colônia Nosso Lar” reportada por André Luiz. Mas é um ponto a ser melhor esclarecido na doutrina. Kardec em sua época não tinha motivos nem conhecimentos para questionar sobre a vida em Júpiter e nem mesmo na Lua.
Não é absurdo também inferirmos que, ao expressar a falta de experiência do entrevistador de Mozart, Kardec pudesse ter avançado um pouco mais as perguntas à Mozart na temática música e instrumentos musicais em outros planos. Questões sobre as quais André Luiz nos coloca uma dúvida que voltaremos a abordar mais a frente.
Mozart comunica também que a vida em Júpiter fica entre 300 e 500 anos. Ele deve estar se referindo ao nosso ano aqui da Terra. Pois o ano de Júpiter equivale a 12 anos terrestres. Isso reforça o argumento de outra forma de vida material ou melhor, semimaterial não detectável por nós. Outro argumento, agora pessoal meu, é que se tivéssemos algum tipo de acesso a tecnologias muito diferentes da nossa, antes que estejamos preparados para tal, certamente traria mais problemas que soluções para nossa trajetória evolutiva traçada por Deus.
Mas continuemos com as entrevistas de Mozart, agora em outras circunstâncias e também com a participação de Chopin, conduzidas pelo próprio Kardec [8]. Para não nos alongarmos sem necessidade, separamos apenas o seguinte trecho ditado pelo espírito de Chopin:
“Kardec: Como considerais as vossas obras musicais?”
“Chopin: Eu as prezo muito. Mas entre nós fazemo-las melhores, sobretudo as executamos melhor. Dispomos de mais recursos”.
“Kardec: Quem são, pois, os vossos executantes?”
“Chopin: Temos às nossas ordens legiões de executantes, que tocam as nossas composições com mil vezes mais arte do que qualquer um dos vossos. São músicos completos. O instrumento de que se servem é a própria garganta, por assim dizer, e são auxiliados por instrumentos semelhantes a órgãos, de uma precisão e de uma sonoridade que acredito não possais compreender.”
“Kardec: Sois de fato errante?”
“Chopin: Sim. Isto é, não pertenço a nenhum planeta exclusivamente”.
“Kardec: E os vossos executantes? São, também, errantes?”
“Chopin: Errantes como eu”.
“Kardec (A Mozart): Teríeis a bondade de explicar o que acaba de dizer Chopin? Não compreendemos essa execução por Espíritos errantes”.
“Mozart: Compreendo o vosso espanto. Entretanto, já vos dissemos que há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que eles podem habitar temporariamente, espécies de bivaques, campos de repouso para esses Espíritos fatigados por uma longa erraticidade, estado que é sempre um pouco penoso”.
De fato a informação de Mozart sobre os mundos errantes confirma ou talvez seja a mesma dada nas questões 234 a 236. É muito interessante vermos a resposta 217 na primeira edição do LE em francês traduzida aqui pelo google translator com grifo meu [9]:
“Em comunicações escritas, verbais ou outras, o espírito que se manifesta pode estar errante ou encarnado neste ou em outro mundo. A encarnação não é um obstáculo absoluto à manifestação dos espíritos; mas em mundos onde os corpos são menos materiais, o espírito, libertando-se mais facilmente, pode comunicar-se quase tão facilmente como se não estivesse encarnado. O espírito encarnado manifesta-se em momentos em que o corpo está em repouso e os sentidos inativos. Ao despertar, o espírito retorna ao corpo. É assim que o nosso próprio espírito pode manifestar-se em outros lugares, seja diretamente ou por meio de um médium.”
Para não nos alongarmos, não consultamos as demais edições do LE, mas o internauta interessado poderá fazê-lo facilmente na referência apontada. Como já antecipei, peço desculpas pela extensão do artigo. Mas a compreensão do mundo espiritual, tomando por base a música, é ao mesmo tempo um grande desafio e uma necessidade para quem queira entender para crer e não se limite apenas a crer.
Continuando com a RE, vamos agora para 1868 onde temos o relato de uma carta de um jovem a um de seus amigos [10]. O interessante aqui é como seu deu a audição de uma música invisível, provinda, sabe-se lá de onde, para os ouvintes da época. O rapaz só se deu conta do que poderia ter sido, após a leitura dos LE e LM de Allan Kardec que aproveitou a oportunidade para esclarecer que, como a música cessou de se manifestar após algum tempo, independente da vontade do rapaz ou de quem o acompanhasse, tem todos os elementos de uma manifestação legítima, possivelmente de algum espírito simpático ao jovem querendo introduzi-lo neste assunto. A cessação independente da vontade do jovem afasta a possibilidade de charlatanice ou fraude.
Para encerrar nossas considerações em cima da obra da codificação, vejamos a entrevista com Rossini (encarnado entre 1792 e 1868) [11,12 e 13]. A entrevista apresentada na RE e em OP são praticamente a mesma, variando um pouco a redação. Kardec usava a revista como um laboratório para certos temas que depois eram incorporados de forma mais trabalhada em livro. Kardec foi separando várias anotações para futura publicação, coisa que sabemos, ele não teve tempo e acabou ensejando Obras Póstumas. Por isso há algumas diferenças na redação entre a RE e OP. É importante que o leitor leia essas fontes primárias e tire suas conclusões.
Na referência [11] Rossini agradece o convite para manifestar-se sobre música mas com humildade pede tempo para compor sua resposta. Alegou que o assunto era vasto demais e mesmo ele afeito à música precisava de mais tempo para estudar melhor o assunto.
Na referência [12] Rossini traz sua resposta bastante extensa, da qual podemos destacar alguns trechos que nos parecem resumir bem o tema:
“Rossini: A harmonia é difícil de definir. Muitas vezes confundem-na com a música, com os sons resultantes de um arranjo de notas e das vibrações dos instrumentos ao reproduzirem esse arranjo. Mas a harmonia não é isto, como a chama não é a luz. A chama resulta da combinação de dois gases: ela é tangível; a luz que ela projeta é um efeito dessa combinação, e não a própria chama: ela não é tangível. Aqui o efeito é superior à causa. Assim se dá com a harmonia. Ela resulta de um arranjo musical; é um efeito igualmente superior à causa: a causa é brutal e tangível; o efeito é sutil e não é tangível”.
“Rossini: A harmonia do espaço é tão complexa, tem tantos graus que eu conheço, e muitos mais ainda que me são ocultos no éter infinito, que aquele que estiver colocado a uma certa altura de percepções, é como que tomado de admiração ao contemplar essas harmonias diversas, que constituiriam, se fossem reunidas, a mais insuportável cacofonia, ao passo que, ao contrário, percebidas separadamente, elas constituem a harmonia particular a cada grau. Essas harmonias são elementares e grosseiras nos graus inferiores; levam ao êxtase nos graus superiores. Tal harmonia que desagrada um Espírito de percepções sutis, deslumbra um Espírito de percepções grosseiras; e quando ao Espírito inferior é dado deleitar-se nas delícias das harmonias superiores, ele é colhido pelo êxtase e a prece o penetra; o encantamento o arrasta às esferas elevadas do mundo moral; ele vive uma vida superior à sua e desejaria continuar a viver sempre assim. Mas, quando a harmonia cessa de invadi-lo, ele desperta, ou, se preferirem, ele adormece; em todo caso, volta à realidade de sua situação, e nos lamentos que deixa escapar por ter descido se exala uma prece ao Eterno, pedindo forças para subir. É para ele um grande motivo de emulação”.
“Rossini: Não tentarei dar a explicação dos efeitos musicais que produz o Espírito agindo sobre o éter. O que é certo é que o Espírito produz os sons que quer, e que ele não pode querer o que não sabe. Ora, então, aquele que compreende muito, que tem a harmonia em si, que dela está saturado, que goza, ele próprio, o seu sentido íntimo, esse nada impalpável, essa abstração que é a concepção da harmonia, age quando quer sobre o fluido universal que, instrumento fiel, reproduz o que o Espírito concebe e quer”.
“Rossini: A harmonia, a ciência e a virtude são as três grandes concepções do Espírito: a primeira o deslumbra, a segunda o esclarece, a terceira o eleva. Possuídas em sua plenitude, elas se confundem e constituem a pureza. Ó Espíritos puros que as contendes! Descei às nossas trevas e clareai a nossa marcha; mostrai-nos o caminho que tomastes, para que sigamos as vossas pegadas” (grifos meus).
Fica claro nessas colocações de Rossini o quanto ainda não sabemos do mundo espírita. Pensamos que sabemos alguma coisa e nos vangloriamos com isso. Mas ainda não logramos compreender, como Rossini compreendeu, e por isso explicou com muita humildade porque não respondeu as perguntas de Kardec logo na primeira formulação em dezembro de 1868 por meio do médium Deslien [11].
Para encerrar esse nosso despretensioso artigo, ainda longe de encerrar o tema, vamos dar uma olhada nos estudos de Ernesto Bozzano sobre música transcendental [14]. Bozzano (1862 – 1943) foi um renomado parapsicólogo e espiritualista italiano. Era inicialmente materialista, cético e positivista, mas acabou se interessando por telepatia e reformulando suas convicções pessoais com os trabalhos de Alexandre Aksakof sobre Animismo e Espiritismo.
Este livreto de Bozzano reúne em 85 páginas diversos casos coletados, estudados e classificados por Bozzano em categorias conforme as situações de ocorrência. Para poupar o leitor citaremos tres casos que guardam bastante semelhança com as colocações de Mozart, Chopin e Rossini. Para efeito de praticidade usei a IA Copilot da Microsoft para obter os resumos cujo PDF original, mesmo sendo Domínio Público, está protegido por DRM.
Quarta Categoria – Percepção de música sem qualquer relação com acontecimentos de morte:
Caso 9 – Experiência de R. Hodgson.
O doutor Richard Hodgson, célebre psiquista e secretário da Society for Psychical Research, relata uma experiência pessoal marcante: quando tinha 18 ou 19 anos, durante o sono, começou a ouvir uma música de beleza indescritível. Ele acordou e continuou ouvindo essa música por cerca de 15 minutos. Era complexa, doce e harmoniosa, com uma sensação de perfeição que o deixou extasiado. A música parecia invadir completamente o ambiente e foi tão impactante que o motivou a estudar violino por quatro anos. Ele a descreveu como “não sendo deste mundo”.
Bozzano acrescenta ainda que o caso poderia dar margem à crítica não fosse tomado com rigor científico dentro de um conjunto de outros casos. A análise comparada estendida ao conjunto dos fatos é imprescindível nesta análise, reafirma Bozzano.
Caso 10 – Experiência de Bayard Taylor.
Bayard Taylor, escritor e poeta norte-americano, relata uma experiência em plena vigília, às 1 da manhã nas montanhas de Nevada. Ele ouviu um zumbido crescente no ar, seguido por um coro celestial de milhares de vozes entoando hinos sublimes com palavras em latim (“Vivat terrestriae!” e depois “Vivat Coelum!”). O som parecia percorrer a paisagem e depois vir do céu, acompanhado de uma voz sobre-humana, intensa e cheia de doçura. O fenômeno finalizou em completo silêncio. Ele garante que estava totalmente desperto e que nada em seu estado emocional explicava a experiência.
Esses dois casos mostram relatos subjetivos e intensamente emocionais de música.
Caso 11 – A jovem extática e a música do paraíso.
Este caso é narrado pelo Dr. Montin, da Faculdade de Medicina de Paris, e envolve uma jovem de 18 anos, identificada como Mlle M…, que apresentava sintomas de histeria e catalepsia. Após diversas crises e manifestações de dupla personalidade, ela entrou em um transe profundo que durou mais de duas horas.
Durante esse estado, ela relatou ter se visto fora do corpo, em um parque maravilhoso, cercada por árvores de cores vivas e harmonias celestiais. Ela descreveu uma experiência de felicidade indescritível, onde todos os sons do mundo físico — como o rasgar de papel, o barulho de rodas ou o som do vento — se transformavam em música perfeita e grandiosa no plano espiritual.
Ela também afirmou que podia ver em todas as direções ao mesmo tempo e que, nesse ambiente, reencontrou sua mãe falecida e outros entes queridos. A jovem expressou profundo pesar por ter sido “obrigada” a retornar ao corpo físico, dizendo que desejava permanecer naquele mundo sublime para sempre.
Bozzano destaca que essa descrição coincide com outras mensagens mediúnicas que afirmam que, nas esferas superiores, os pensamentos e vibrações humanas se transformam em notas da “Música das Esferas”.
Esse caso 11, além da similaridade com os relatos de Mozzart e Rossini, lembra também o que acontece de forma recorrente em casos de EQM.
Acredito que o que apresentamos acima cumpre o papel de mostrar quão pouco sabemos das várias moradas da casa do Pai. Sabemos que são muitas, mas não passamos muito disto. A ciência espírita proposta por Kardec: “O Espiritismo é a ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal”. Parece ter caído no esquecimento pois parece que além do Nosso Lar [15] caímos num vácuo de conhecimento. Inclusive, vejo como falha a atuação do movimento espírita em torno de Chico Xavier e André Luiz dentre outros nomes importantes. Merecem toda a nossa reverência, como irmãos em processo evolutivo como nós. Mais adiantados que nós, o que deveria nos estimular a cobrar-lhes mais explicações e detalhes sobre muitos dos aspectos reportados. Não se trata de dúvida quanto a lisura dos fatos mencionados, mas a título de aprendizado e melhor compreensão de certas questões.
Por exemplo, no capítulo 48, pag. 160, de Nosso Lar, falando do culto familiar, encontramos o seguinte trecho (grifos meus):
“Observei, então, com surpresa, que as filhas e a neta da senhora Laura, acompanhadas de Lísias, abandonavam o estrado, tomando posição junto dos instrumentos musicais. Judite, Iolanda e Lísias se encarregaram, respectivamente, do piano, da harpa e da cítara, ao lado de Teresa e Eloísa, que integravam o gracioso coro familiar”.
“As cordas afinadas casaram os ecos de branda melodia e a música elevou-se, cariciosa e divina, semelhante a gorjeio celeste. Sentia-me arrebatado a esferas sublimes do pensamento, quando vozes argentinas embalaram o interior. Lísias e as irmãs cantavam maravilhosa canção, composta por eles mesmos”.
Aqui nos deparamos com referências a instrumentos musicais, que a exceção do Chopin que mencionou uma espécie de órgão, maioria dos casos reportados anteriormente deixam claro não existir. Isso para nos fixarmos no contexto músical. Pois há nesse mesmo capítulo referências a relógios, um globo cristalino para recepção de espíritos desprendidos mas não totalmente desligados do corpo físico. Mas não nos deteremos nesses pormenores neste artigo. Nosso foco é o contexto musical.
De que instrumentos André Luiz está falando? De que são feitos? Como são tocados? Por que são necessários? Como a informação sonora, seja música ou fala é transmitida em nosso Lar? Existe “ar”? E por ai segue uma série de questões correlatas.
Pelos casos mencionados anteriormente, parece que Kardec tentou ir mais longe nessas questões. Mas faltava-lhe conhecimentos e, certamente tempo. A fração de conhecimentos científicos na época de Kardec era uma pequena fração do que havia na primeira metade do sec. XX e muito menos do que há hoje. Mas parece que ninguém está interessado ou preocupado em aprofundar e enriquecer a doutrina espírita. Uma doutrina que Kardec alertou “Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará”.
Será que estamos caminhando ao lado do conhecimento como sugeriu Kardec? – Sim! Felizmente existem pessoas interessadas nisso. Mas não são muitas. Poderia haver muito mais gente se somando a esse esforço.
Os dados levantados pelas últimas pesquisas do IBGE mostram uma doutrina franzina (entenda franzina sob o ponto de vista de outras doutrinas mais vigorosas. Não estamos julgando qualidade e nem deveríamos) que se não encolheu também não se ampliou.
Se as pessoas de fora vissem um movimento espírita onde além de preces, passes e consolo (que outras religiões também oferecem) houvesse também, de modo mais pujante, a busca por uma sintonia com o progresso do mundo, certamente o movimento tenderia a crescer
Espero que alguém se sinta provocado como eu a correr atrás de um espiritismo mais vigoroso, mas aderente aos conhecimentos crescentes de uma humanidade cada vez mais carente de espiritualidade, mas cansada do mais do mesmo ofertado pela maioria das doutrinas. Minha pretensão se resume a isso.
“Espíritas! Amai-vos, eis o primeiro ensino. Instrui-vos, eis o segundo”.
REFERÊNCIAS
[1] Artigo da Wikipedia sobre a história da música desde a pré-história. O artigo é bastante abrangente e abre um leque de referências interessantes. Como exemplo, temos esta nota do antropólogo e filósofo francês Levi Strauss que, a nosso ver, guarda íntima relação com o espírito deste artigo: “Mas que a música é uma linguagem por meio da qual as mensagens são elaboradas, que tais mensagens podem ser compreendidas por muitos, mas enviadas apenas por poucos, e que somente ela entre todas as linguagens une o caráter contraditório de ser ao mesmo tempo inteligível e intraduzível – esses fatos fazem do criador da música um ser como os deuses e fazem da própria música o mistério supremo do conhecimento humano” (grifo meu).
[2] Este outro artigo da Wikipedia sobre a “Música das Esferas” explora o conceito filosófico e matemático originado na Grécia Antiga por Pitágoras sobre a matemática das notas musicais. A ideia sugere que os corpos celestes como o Sol, a Lua e os planetas seguem proporções matemáticas que produzem uma harmonia cósmica, análoga às notas musicais, embora inaudível para nós espíritos encarnados.
https://www.youtube.com/watch?v=5cTFRruF-g8
[4] Aqui temos um verdadeiro passeio sobre vários ritmos, harmonias e gêneros musicais, mostrando a relação entre a música e a matemática.
https://www.youtube.com/watch?v=8X53JhvHxO0
[5] Vale a pena assistir esta longa entrevista com o físico Carlos Mendes, criador do canal “Afinal, O Que Somos Nós” dedicado a entrevistar pessoas que passaram por uma EQM. A entrevista nem o canal do entrevistado se identificam com o espiritismo ou qualquer outra doutrina, mas é um canal sério e rico em informações de interesse para o estudioso espírita. Sugiro focar no trecho entre 20 e 30 minutos do vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=_9llgAZqIA4&t=737s
[6] Na obra Filosofia Espírita o Espírito Miramez traz interessante comentário sobre a questão 251 do Livro dos Espíritos. https://www.olivrodosespiritoscomentado.com/fev5q251c.html
[7] Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — Maio de1858: Palestras familiares de além-túmulo.
[8] Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — Maio de 1859: Música de além-túmulo
[9] Nesta Referência podemos encontrar todas as edições do LE.
[10] Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — Novembro de 1868: Música do espaço.
[11] Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — janeiro de 1869: Dissertações espíritas – A música espírita.
[12] Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — Março de 1869: Dissertações espíritas – A música e as harmonias celestes.
[13] Obras Póstumas – Parte I – Musica Celeste e Música Espírita, pag. 101-107. Numa Linguagem simplificada por Louis Neilmoris, Portal Luz Espírita.
[14] Música Transcendental – Ernesto Bozzano – Domínio Público, Ebook Espírita, 85 páginas.
[15] Nosso Lar – Chico Xavier (Pelo Esp. André Luiz) – 1º livro da coleção, “A Vida no Mundo Espiritual”