Realmente foram enviados

por Orson Peter Carrara.

 

A prodigalidade do conteúdo doutrinário constante das obras da Codificação Espírita é encantadora. Em cada trecho analisado atentamente nos deparamos com riquezas de orientações. O que não percebemos na primeira leitura perceberemos mais adiante, surpreendendo o leitor e pesquisador interessado na busca dessas pérolas constantes nas entrelinhas, em trechos embutidos nos parágrafos ou mesmo em sutilezas textuais que só o tempo nos faz perceber. Por isso a recomendação constante de sempre estudar os trechos de Kardec. Eles são insuperáveis, atuais, oportunos e lançam luz sobre vários ângulos de uma mesma questão.

Podemos, erroneamente, pensar que tais instruções se referem apenas às relações mediúnicas, mas percebe-se, com clareza, sua aplicação também nas avaliações entre nós mesmos, os encarnados. Especialmente num capítulo que destaca a questão dos espíritos fraudulentos (condição temporária de espíritos ainda em processo mais largo de amadurecimento).

Encontrei nova pérola escondida. No riquíssimo capítulo XXI – Haverá falsos cristos e falsos profetas (de O Evangelho Segundo o Espiritismo), encontro no item 8 (já compondo o subtítulo Instruções dos Espíritos), com o título Os falsos profetas – exclusivo no citado item assinado por Luís, em 1861, o texto que destaco parcialmente. Vamos ao estudo, acompanhe conosco.

Referida abordagem foi inspirada pelo capítulo 73 – Seara Espírita, constante do Livro da Esperança, de Emmanuel/Chico Xavier (edição CEC/FEB), que recomendo ao leitor na íntegra e que não será difícil localizar também virtualmente. A obra é muito conhecida e foi lançada originariamente em 1964.

No capítulo em referência, o autor espiritual destaca trecho de Lucas (6:44), transcrevendo que “(…) cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto, pois não se colhem figos no espinheiro nem uvas nos abrolhos.”. E acrescenta igualmente trecho parcial do capítulo XXI, item 8, acima citado, de O Evangelho Segundo o Espiritismo. É apenas um parágrafo, mas suficiente para largas reflexões sobre nós mesmos, os espíritos ainda em caminhada. Transcrevo exclusivamente o parágrafo na íntegra, para avalição do leitor:

“É assim, meus irmãos, que deveis julgar; são as obras que deveis examinar. Se os que se dizem investidos de poder divino revelam sinais de uma missão de natureza elevada, isto é, se possuem no mais alto grau as virtudes cristãs e eternas: a caridade, o amor, a indulgência, a bondade que concilia os corações; se em apoio das palavras, apresentam os atos, podereis então dizer: Estes são realmente enviados de Deus”.

Notem com que clareza o autor classifica os que realmente foram enviados por Deus. É para nenhum de nós se iludir com promessas ou falsas aparências – que não estão somente entre os comunicantes desencarnados, mas também entre nós os encarnados –, pois o comportamento, as ações é que devem ser avaliadas. Quanta ilusão ainda alimenta pretensões de todo tipo.

Quem de nós, verdadeiramente, na condição comum e humana, se enquadra naquela classificação de possuir no mais alto grau as virtudes cristãs e eternas? Ou cujas palavras são sancionadas pelos atos? É um critério perfeitamente aplicável a todos nós, os encarnados, cujas ilusões levam alguns a se afirmarem enviados

E, voltando ao capítulo do Livro da Esperança, acima citado, Emmanuel coloca nos parágrafos em sequencia uma série de situações das rogativas humanas (por isso recomendo que o leitor busque o capítulo em referência), mas conclui:

“(…) Se o Plano Superior já te permite pisar na seara espírita não te limites à prece. Todos os tipos de rogativa que se voltem para o Bem Infinito são respeitáveis, no entanto, pensa em nosso Divino Mestre que orou auxiliando e realiza algo de bom, em favor dos irmãos em Humanidade, que ele mesmo nos apresenta. Espiritismo é Cristianismo e Cristianismo quer dizer Cristo em nós para estender o Reino de Deus e servir em seu nome.”

A rogativa é direta: “(…) realiza algo de bom (…)”, como a dizer que esse é o programa para a Seara Espírita, sem nos iludirmos com pretensões – nossas e alheias, diga-se de passagem –, compreendendo que não temos que seguir pessoas (essas somos aprendizes ainda bem limitados), mas seguir o programa iluminado do Evangelho.

E quando surgirem os pretensos enviados, que assim se afirmam – em todos os segmentos da vida social, acrescente-se, não só religiosa –, compadeçamo-nos deles. Estão iludidos pelas seduções variadas a que estamos sujeitos em nossa imaturidade. Essa compaixão não nos impede, todavia, de reconhecer referida ilusão ou pretensão. Afinal, quem de nós poderá afirmar-se imune?

É essa prodigalidade, repito, que me encanta. Em cada trecho encontramos conteúdos que nos auxiliam a compreender a vida e seus desafios, especialmente nesses choques inevitáveis dos relacionamentos, individuais e coletivos. Sim, coletivos também. A convulsão social que se vive é fruto dessa imaturidade e inconsciência humana que ainda se vive. Mas será superada no tempo e no espaço, pois não há como impedir a Lei do Progresso. O tema, porém, comparece como advertência que nos pede reflexão.

Para serem realmente os enviados, suas obras precisam corresponder às palavras.

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