Revisitando os estudos da mente

por Nubor Orlando Facure.

 

É interessante percebermos que o avanço tecnológico de hoje nos permitiu conhecer intimamente a fisiologia cerebral em seus vários aspectos.

Por outro lado, uma consequência importante desse conhecimento foi trazer o estudo da mente para o campo da Ciência depois de séculos de especulações filosóficas.

Nunca se ignorou que processamos fenômenos mentais como o pensamento, a linguagem, a imaginação, a noção de tempo, o cálculo mental e as nossas memórias, especialmente aquelas que nos aborrecem e não desgrudam de nós.

Curiosamente, a pergunta mais difícil de se responder é, exatamente essa: como funciona a mente.

Várias escolas do pensamento filosófico e científico propuseram-se a respondê-la.

Podemos questionar, em primeiro lugar, se existe mente, se realmente temos um mentalismo, uma atividade mental independente, ou que ela seria intimamente ligada, ou decorrente de atividades fisiológicas, especialmente cerebrais como são a visão, o movimento, a dor ou o simples palpitar do coração após um susto que nos emociona. O cérebro funcionando produziria a mente.

Ainda hoje não existe uma unanimidade sobre a existência ou não da mente, ou, mais precisamente, da natureza da mente, o que torna o tema sempre muito instigante.

Filósofos clássicos e médicos-filósofos como Hipócrates e Galeno detalharam sua convicção na existência imaterial da Alma e na sua competência para pôr em funcionamento nosso organismo através de fluidos, humores ou pneumas.

A Alma ou Psiquê seria, necessariamente, responsável por nossas percepções e sensações.

Havia, também, na discussão filosófica clássica, uma série de preocupações, como, por exemplo, qual seria a localização da Alma, a sua permanência após a morte do corpo físico e, até mesmo, a sua existência prévia, antes do nascimento.

Os materialistas geralmente reproduzem a afirmação de Hipócrates que atribuíam apenas ao Cérebro nossas funções mentais.

Para mim, Hipócrates estaria aqui excluindo o fígado e o coração, mas ele nunca negou a existência da Alma que estaria intimamente ligada ao corpo.

Escreveu Hipócrates:

Os homens devem saber que do cérebro, e só do cérebro, derivam prazer, alegria, riso e divertimento, assim como tristeza, pena, dor e medo.

Mesmo sem negar a existência da Alma, Alcameon de Crotona também atribuía exclusivamente ao cérebro a causa de todas as nossas sensações e percepções.

No período romano ninguém superou as lições de Galeno Ele introduziu a noção de uma substância imaterial (pneuma) que daria a todo o nosso corpo sua dinâmica de funcionamento. No cérebro, ocorreriam nossas atividades motoras, sensitivas e racionais através do pneuma animal e a vida estaria no coração onde flui o pneuma vital.

Na visão religiosa/cristã, no período medieval sobre a mente a Igreja da época fez ajustes nos pensamentos de Aristóteles e Galeno para adequá-los às proposições teológicas vigente – a relação entre pneumas e espírito era muito conveniente.

Rompendo com o passado, René Descartes, em 1634 no Discurso do Método, criou uma dualidade funcional, separando a Alma (e suas paixões) do Corpo, permitindo estudo em separado desses dois elementos, um físico e outro imaterial.

Na sua afirmação mais expressiva dizia: penso (fenômeno mental) logo existo (fenômeno físico).

Quase dois séculos depois,1804, Franz Joseph Gall (1758–1828) médico anatomista alemão, relacionou as funções mentais com saliências do crânio, dando início à interpretação “localizacionista” das funções cerebrais.

Um fato marcante veio a sedimentar em 1867 a proposta localizacionista com a apresentação pública de Paul Brocá(1824–1880)da descoberta da localização cerebral da palavra falada, no pé da circunvolução frontal esquerda.

No entanto, o dilema dualista persistia:

Qual a competência e a extensão de cada componente?

O que é próprio do corpo e da Alma?

Qual a maior ou a menor influência, seria a do ambiente ou a da hereditariedade?

O quanto são ideias inatas e o quanto é fruto do aprendizado? Provém do Espírito o nosso livre-arbítrio ou somos compelidos a reagir a estímulos condicionados ?

Para Baruch Spinoza (1632–1677) Cérebro e Mente são uma só realidade. Como uma só moeda com cara e coroa.

O cérebro está diretamente comprometido em nossas decisões e o nosso aprendizado deixa marcas permanentes no cérebro.

Cérebro e mente sendo partes de uma mesma realidade, o que acontece com um o outro percebe claramente, O que acontece no corpo reflete na mente e vice-versa.

Não estranhamos, portanto, que, Antônio Damásio, famoso neurologista português, afirme que o cérebro constrói o homem e sua mente.

Ele usou no seu livro um título provocativo: O erro de Descartes – afirmando eu existo, por isso penso não o contrário como ensinou Descartes – penso, logo existo.

Damásio, seguindo Spinoza, insiste que, para todo fenômeno psicológico existe um fenômeno cerebral que o expressa.

No final do século XIX, surge a psicologia como ciência, com duas correntes principais: o Estruturalismo, que estuda os elementos constitutivos da mente, e o Funcionalismo, que estuda as múltiplas funções da mente: como percebemos o mundo, como tomamos nossas decisões, como registramos o que ouvimos e vemos, ou separamos sensações agradáveis de outras incômodas e nocivas.

Freud (1900), inaugurou o estudo moderno sobre o funcionamento da mente a partir da atuação de uma força inconsciente que dirige nossas ações. Somos impulsionados por essa força inconsciente e inteiramente controlados por ela. Freud enxergou na mente um aparelho psíquico com três componentes: O Id, o Ego e o Superego. Com esses fundamentos Freud construiu a Psicanálise, revolucionando a abordagem e o tratamento das neuroses.

Surge o movimento da Gestalt (1910), para quem a mente não é formada pela soma de seus componentes e de suas funções. Pela sua complexidade ela é, no seu todo, sempre maior que a soma dos seus elementos. Em suas propriedades a mente inclui o contexto onde os fenômenos ocorrem – imagine um banco de jardim, ali ele tem uma função: para descansar e apreciar a paisagem. porém, se esse banco for colocado no banheiro da casa ele fará um papel totalmente diferente.

Na Gestalt considera-se que, sempre realizamos um trabalho mental interno para solucionar um problema. Enquanto no Behaviorismo simplesmente reagimos a estímulos para agir.

Na Gestalt o insight é fundamental na construção dos nossos comportamentos. Devo pensar e fazer minhas escolhas antes de decidir. No Behaviorismo agimos respondendo a estímulos dispensando a intermediação da mente para formar decisões.

O fisiologista russo Ivan Pavlov (Prêmio Nobel em 1904) demonstrou que podemos produzir comportamentos novos em um animal, associando um estímulo natural como a presença de um pedaço de carne, à um sinal neutro do tipo do ruído de uma sineta, condicionando uma resposta específica que seria, por exemplo, a salivação.

O psicólogo norte-americano John Watson (1913) afirmou que todos comportamentos humanos são observáveis a partir de reações diante de estímulos do ambiente.

Desenvolveu a teoria do Behaviorismo, aperfeiçoada depois por Skinner.

Ambos defendem que o ser humano é moldado por estímulos, dispensando a existência das funções cognitivas como o pensamento, a percepção, as memórias e principalmente postulam que não existe uma mente em nós.

Assim: o que nos interessa são as circunstâncias e as consequências das ações que nos motivam. O Self é apenas um repertório de comportamentos adequados para determinada serie de contingências; não existe uma atividade mental entre o estímulo e a resposta.

Para entendermos o comportamento, os processos mentais são irrelevantes e ao mesmo tempo inacessíveis.

Basta-nos considerar: o ambiente em que a resposta ocorre, a resposta em si (tipo), as consequências das respostas.

Essa proposta foi adotada largamente como método de ensino pelas escolas americanas.

O recente campo das Neurociências descortinou um gigantesco campo de estudo com seus acertos e também com suas falácias.

Estudos clínicos em pacientes vítimas de ferimentos cranianos, de lesões, tumores ou doença vascular cerebral permitiram acumular um precioso conhecimento sobre as funções das diversas áreas cerebrais.

Desenvolveram-se duas grandes vertentes desse conhecimento, uma baseada no “localizacionismo”, na qual cada área cerebral revelou com qual função se relaciona e outra construiu “sistemas de funcionamento”, abrangendo áreas que estabelecem conexões entre si, como ocorre, por exemplo, para a linguagem, as emoções e para as atividades motoras.

A mente passou a ser reconhecida como um epifenômeno da complexa atividade cerebral.

No campo da fisiologia, Erick Kandel (2000) realizou estudos com neurônios isolados da Aplisia, uma lesma do mar, demonstrando dois fenômenos da fisiologia dos neurônios: a sensibilização e a habituação. Essa atividade neurofisiológica, de aparência simples, conseguiu esclarecer nossos mecanismos de aprendizagem e de memória em toda a sua complexidade.

Com o estudo dos neurotransmissores abriu-se novo campo de estudo, a química cerebral, se revelou a partir da descoberta da função Acetilcolina por Otto Loewe em 1920.

Já sabemos hoje de mais de 100 neurotransmissores que estão nitidamente ligados aos fenômenos mentais, sejam os nossos desejos, bem como os nossos comportamentos, tanto os agressivos quanto os românticos.

Esses neurotransmissores assumem um papel de extrema importância no manejo das doenças mentais.

No campo da neuroimagem, com a introdução da Ressonância cerebral e seus aperfeiçoamentos, explodiu uma revolução nos labirintos do cérebro. Área por área, função por função estão sendo escaneadas para criar uma nova ciência da mente.

O detalhamento é muito grande, mas, a meu ver, estamos exagerando na sua interpretação.

Chega-se a identificar áreas ligadas às nossas diversas preferência, até por um determinado sabor de sorvete.

E é essa extravagância que gerou uma falácia na neurociência.

No máximo, podemos dizer que, essas imagens, só podem nos informar com segurança, que, determinada atividade como, por exemplo, pensar na solução de um lance num jogo de xadrez ou fazer uma identificação de um rosto bonito, pode estar ocorrendo em determinada área do cérebro, mas isso não nos autoriza afirmar que é aquela área que faz o lance no xadrez ou determina a escolha do rosto.

A neuroimagem não consegue incluir a pessoa humana no comando da atividade cerebral.

A meu ver ela apenas revela as pegadas que a nossa atividade deixa marcado no cérebro.

Como ensina o poeta:

As mãos de Eurídice em súplica, a mão que apedreja, os lábios que beijei, o olhar de espanto quando me viu, ou o gesto de adeus.

São figuras possíveis na poesia, mas, nada acontece sem que a Alma se manifeste.

Seria muito cômodo eu dizer ao meu gerente no banco que mais tarde meus neurônios passam para lhe pagar o débito em minha conta.

Visão espírita

Sendo o Espiritismo uma Ciência do Espírito e do Mundo Espiritual, não seria de estranhar que ele esclarecesse algo mais sobre a mente e, principalmente, onde e como ela atua. Nesse sentido, os seus fundamentos acrescentam um volume de informações inesgotável e bem superior a tudo que se soube até hoje.

Para simplificação, optamos por apresentar alguns de seus princípios, enriquecendo este nosso estudo sobre a mente:

Existe uma Alma que é agente de todos os nossos comportamentos e faz as opções do nosso livre-arbítrio;

A mente pode ser tomada como sinônimo de Alma, portanto, não é de se estranhar que possa ser dito que a mente não é uma simples propriedade do cérebro, mas é uma entidade corpórea;

Essa alma/mente não nasce criada em um paraíso bíblico, ela percorre a mesma jornada evolutiva na mesma escala de desenvolvimento da vida na Terra.

Em suas memórias estão registradas todas as experiências de reencarnações sucessivas que percorreu, o que, possivelmente, tem a ver com os arquétipos junguianos;

A cada vida que recomeça, a Alma traz suas tendências e seus compromissos cármicos que lhe permitem a redenção de suas faltas e o recomeço de sua trajetória evolutiva – daí o significado da dor e do sofrimento na história devida de cada um de nós;

A Alma não é prisioneira do corpo físico, podendo frequentemente dele se desdobrar e entrar em sintonia com o mundo espiritual. Isso explica as descrições das EQM- experiências de quase morte, das experiências fora do corpo, dos sonhos lúcidos, das alucinações hipnagógicas e da comunicação espírita;

O pensamento não é um fenômeno etéreo, ele é energia procedente da Alma, que cria uma psicosfera em torno de cada um que o emite, estabelecendo sintonia com todas as Almas que afinam opiniões semelhantes. Isso explica a atração de simpatia e antipatia entre as pessoas;

Nossos sentidos físicos trafegam informações pelo cérebro onde elas são processadas pela Alma, conforme suas memórias e experiências prévias.

As alterações sejam físicas ou químicas do cérebro têm repercussões graves nas percepções que realiza a Alma, assim como temos perturbações da própria Alma que desequilibram a fisiologia do cérebro.

Nossa sugestão pessoal é a de criarmos metaneurologia onde o Corpo mental, ou Perispírito tenham papel fundamental.

Existem situações neurológicas diversas que nos permitem constatar a existência de uma estrutura corporificada representando nossa mente – o corpo mental tem uma anatomia e uma fisiologia compatíveis com situações clínicas conhecidas dos neurologistas.

Vou destacar esses exemplos:

Pacientes com síndromes histéricas constroem mentalmente seus sintomas paralíticos ou suas insensibilidades obedecendo um padrão uniforme compatível com o corpo mental e não com os esquemas físicos do cérebro.

A narcolepsia, o membro fantasma, as memórias e paralisias geradas pela hipnose, encaixam-se corretamente no corpo mental.

Daí a minha sugestão de construirmos uma metaneurologia baseada no corpo mental (Perispírito)– que abre a possibilidade de avaliação experimental da mente.

Nosso futuro tecnológico trará situações extraordinárias e surpreendentes. Vamos lidar cada vez mais com máquinas que obedecerão ao pensamento, e, mais cedo ou mais tarde, o Espírito terá de ser admitido no estudo da mente.

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