O Esperanto é bom?

por Lucas Yassumura.

 

Sou Delegado da Universala Esperanto Asocio para minha região. Tenho acompanhado com muito interesse os diversos comentários sobre o Esperanto, principalmente sobre o que dele se fala no plano espiritual.

A minha pergunta, no entanto, é: tanta gente fala tão bem dele, mas por que então não é usado para a difusão do Boletim do GEAE, assim como de suas páginas na Internet? Verifica-se, logo que se abre a página principal, como o idioma inglês é tratado.

O que não está errado, já que é o verdadeiro idioma internacional da modernidade. Mas se ainda há algum traço de idealismo romântico com o qual se vestiu o Esperanto em décadas passadas e que fazia com que as pessoas sonhassem tê-lo como um verdadeiro idioma internacional, então os boletins espíritas, que levam a mensagem do Mestre a todos os rincões do planeta, deveriam ser propagados na Língua iniciada por Zamenhof.

Sou esperantista há dezesseis anos, e nunca vi, efetivamente, uma ação concreta e significante a favor do Esperanto. A própria UNESCO, que diz tanto apoiá-lo, não coloca as mensagens de “Feliz Natal” e “Próspero Ano Novo” em seus cartões. Ao contrário, estes trazem escritos essas mesmas mensagens em vários idiomas, mas não o Esperanto. Não comentemos nada sobre a FEB, nem sobre a Sociedade F.V. Lorenz, porque são entidades específicas que, sim, têm contribuído muito para a força do Esperanto no Brasil (lamentavelmente, e isso é fato, contribuiu também para ligar o nome “Esperanto” ao nome “Espiritismo”). Se assim o fizermos, deveremos então comentar sobre a Oomoto japonesa e a Bahá’í iraniana, que tanta energia também dão ao Idioma Internacional, mas que não saem de seus âmbitos particulares-religiosos. Devemos nos fixar tão somente nas instituições verdadeiramente NEUTRAS, que nada fazem para apoiá-lo. Além disso, em minhas andanças pelo mundo, tenho visto até como os próprios europeus cedem à força do idioma inglês.

Não tenho nenhuma intenção em me exibir, mas também sou poliglota (falo fluentemente em seis idiomas), professor de português “linguista amador” – uso esses idiomas em minha profissão diariamente. Convivo com europeus e “americanos” e o que acabei de relatar acima é outro fato, proveniente de fontes seguras. Ademais, quando existe a argumentação sobre a hegemonia em certa época do Latim, do Grego, do Espanhol e do Francês, há de se ver prontamente que nos seus respectivos tempos não existia a comunicação EM MASSA como existe hoje. A Internet chegou e provou que o inglês está aí. Essas comparações com os idiomas históricos já não se podem ser feitas, pois, repito, às épocas deles não existia a tecnologia que há hoje, permitindo-nos a comunicação direta e imediata de e para qualquer parte do mundo. Naquelas eras, sempre houve o romantismo dos homens em se comunicar mais e mais, coisa que nós, do século XX conseguimos. Naquelas eras, não havia o cinema dominantemente americano, nem as transmissões “ao toque” das músicas de cantores ingleses. Todos se comunicam em inglês, queiram ou não queiram (o que é mais frequente). Existe, no mundo todo, uma força à qual não se pode opor resistência: “anglicizar” as pessoas. Basta ligar um rádio ou uma TV, e qual o idioma que vamos escutar com mais frequência? E o teclado que usamos para digitar os textos, acaso os aceitam os acentos especiais do Esperanto? A resposta é sonora “não”!

Perguntam-me com certa frequência se a força do “anglicismo” não seria passageira. Eu respondo, assim como todos os linguistas mundialmente famosos o fazem em uníssono, que essa força não é passageira. Infelizmente. Estamos em uma época em que todos veem e escutam o inglês com uma frequência assustadora diariamente, a ponto de nosso próprio belo idioma incorporar expressões ridículas dele.

Não. O inglês é uma língua profissional, que quando apresentado em salas de aula, é feito com vídeos, fitas cassetes e uma parafernália de material que, queira ou não, é atraente ao aluno que vai em busca de algo que possa levá-lo a se comunicar em outro idioma. Asseguro que esses materiais não são feitos tendo-se em vista o lucro obtido, mas é minuciosamente pensado e elaborado em como fazer uma pessoa não conhecedora do idioma chegar a falá-lo em um período de alguns meses ou anos.

O Esperanto não tem nada disso. Sofre, infelizmente, de uma falta de estudo pedagógico e de incentivo monetário para que se realize como língua verdadeiramente internacional. Mente, com total falta de decoro, quem diz que o Esperanto é fácil. Não é! Estão aí os quatro acusativos, os correlativos e o monte de sufixos e prefixos que aluno deve decorar. Vi o boletim do GEAE em Esperanto e afirmo que muito gostei! Mas já aí deu para sentir como é difícil também a escrita em Esperanto pelo computador. A acentuação, condenada nos dias de hoje, tornam-no um pouco difícil de lê-lo. Como professor, posso afirmar com certeza de que o Esperanto é, dos idiomas existentes, o menos difícil de se aprender. Mas dizê-lo que é o mais fácil é ter falta de visão e comprar uma ideia sem antes experimentá-la.

Mas, por favor, não pensem que estou defendendo a língua inglesa!

O que pretendo argumentar é que já não é mais época para o Esperanto na forma como ele hoje se encontra, e lamento muito. O Esperanto não será o idioma do futuro! Definitivamente não. Isso se deve ao fato de que ele não agrega características totalmente neutras em seu vocabulário nem em sua gramática, pois nasceu em um berço europeu, quando somente a Europa era sinônimo de “civilização”. Zamenhof não tinha culpa nisso, pois pegou o que de melhor havia à sua volta. Ele não era linguista e nem conhecia muito, mas estava plenificado de um ideal nobre.

Entretanto, as línguas mudam com o passar do tempo (veja-se o próprio Português usado no Brasil). Na nossa época de veloz modernidade, ainda há muitas coisas “dogmáticas” ainda no Esperanto e seus acadêmicos não tendem a ser nenhum pouco flexíveis para torná-lo mais adaptado a ela. Logo, o Esperanto está ficando velho (e ranzinza) antes da hora. Um exemplo fatídico e que me cortou o coração foi quando um irmão paraguaio me abordou e me perguntou: “por que é que o nome do meu país (Paraguai) é, em Esperanto, “Paragvajo”? Será que nunca ninguém parou para se perguntar se nós, paraguaios, fomos consultados para se saber qual seria a pronúncia mais próxima para o nome do nosso próprio país? Não!” E a resposta que eu pude encontrar naquele momento era que o encontro consonantal “GV” foi colocado para facilitar a fonética apenas dos falantes das línguas germano-escandinavas. Além disso, os linguistas de plantão sabem que os “hispano parlantes” não conseguem pronunciar o “V”.

Se alguém quiser argumentar a respeito, peço que antes estudem as fonéticas de todos os povos do planeta e suas culturas e orgulhos com relação às suas nações. E antes que venham querer invocar a democracia do Esperanto, eu afirmo: a verdadeira neutralidade será atingida quando todos, efetivamente todos os povos do mundo foram respeitados. E não será preciso nenhuma língua extraterrena para que isso se dê, basta boa vontade e conseguir-se-á provar como o Esperanto pode ser flexível a todos, TODOS os povos do planeta. A Doutrina Espírita se preza pelo respeito que ela tem para com todas as religiões do mundo (embora existam ataques vindo da parte de muitas delas), e faz de tudo para que seus adeptos mantenham uma neutralidade fraterna e quase ecumênica. Não é o que acontece com o Esperanto.

Isso tudo não é uma crítica ofensiva ao Esperanto. É uma preocupação. Enquanto os tantos encontros esperantistas mais se parecem com um encontros de compadres e comadres que debatem temas inúteis que nunca são colocados em prática sem se chegar a lugar nenhum, enquanto os esperantistas do mundo todo pensam ser o dono da língua, milhares de esperantistas ocultos se perguntam em como fazer dele uma verdadeira língua internacional, já que ele nos mostra como podemos nos comunicar fraternal e neutralmente no mundo todo, como podemos nos ajudar mutuamente, como podemos ser verdadeiros seres humanos. Essa é sua qualidade.

E é essa qualidade que todo verdadeiro Cristão, que utiliza o Esperanto como ferramenta de trabalho em nome do Mestre, deverá ter no dia a dia. Nós, esperantistas de fim-de-século, somos apenas o início para uma verdadeira união das pessoas no futuro, tal como sonhava Gandhi. Por isso, longe de nós fique a pretensão de se ter o Esperanto como idioma do terceiro milênio, pois não o será!

Por isso, meus irmãos espíritas que se dizem também esperantistas, se vocês realmente gostam do Esperanto, revejam suas intenções e AMEM-NO, usem-no como verdadeiro instrumento de propagação dos ideais do Mestre. Mas para isso, estudem-no como o fazem os profissionais de outras línguas. Não sejam esperantistas medíocres! Não sejam simplesmente “esperantistas-espíritas”! Sejam, antes de tudo, Cristãos, e usem o Esperanto como força de trabalho, profissionalmente inclusive.

Não se embalem pelas ideias já feitas. Até Kardec era contra isso! Tudo deve ser racionalmente estudado e provado até o último detalhe! Foi assim que nasceu a Doutrina Espírita, assim há de ser também com os verdadeiros esperantistas, que não compram ideias formadas, mas lutam para que haja o “ecumenismo esperantista”.

O próprio Mestre nunca foi taxativo! Sempre respeitou o ser humano, por menor que fosse evolutivamente; sempre respeitou o livre arbítrio e por isso condicionou o Seu ensinamento às mentes da época. Ele mesmo foi flexível!

Na história do Esperanto, nem mesmo Zamenhof foi contra mudanças. Dentro de seu espírito altamente democrático, o que ele fez foi colocar em votação se haveria de se ter ou não mudanças. E isso porque ele era consciente de sua falta de conhecimento linguístico nem profissional dos idiomas; ele era um sonhador romântico como todo ser humano bom do final do século passado – esse era o seu valor.

Não sou contra o Esperanto. Só posso dizê-lo que o conheço muito bem, modéstia à parte, mas que sou totalmente oposicionista às faltas de considerações com relação à modernidade, à mudança pela qual passa o próprio mundo, e à flexibilidade que todo ser humano deve ter, à sua democracia. É óbvio que não podemos ver a modernidade pela modernidade, pois aí enfrentaríamos os problemas que também temos na atualidade: as drogas, as violências gratuitas etc. Falo da modernidade em comunicação, falo tão somente de nosso amado Esperanto.

E como me escreveu o redator do Boletim GEAE, “por cxio estas sezono, kaj tempo difinita estas por cxiu afero sub la suno; estas tempo por naskigxi, kaj tempo por mortil; estas tempo por planti, kaj tempo por elsxiri la plantitajxojn… Esperanto ne estas escepto. Ni estas en la tempo por planti!”

Kaj mi lin respondas: sed ecx la planton ni devas prizorgi, kaj trancxi lamalbonajn foliojn for, por ke gxi estu pli kaj pli bela kaj forta!

La Majstro lumigu cxiujn Esperantojn de la mondo. Li donu al ili la forton por sekvi batalante kaj prosperante, kaj racie krei plej bonajn kondicxojn por la futuro de nia lingvo.

Elkore kaj frate,

Lucas Yassumura


Fonte: Boletim GeaE, Ano 07, Número 321, 01/12/1998

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