É imprescritível o direito de exame e de crítica e o Espiritismo não alimenta a pretensão de subtrair-se ao exame e à crítica como não tem a de satisfazer a todo o mundo. Pois, cada um é livre de aprovar ou rejeitar; mas, para isso, necessário se faz discuti-lo com conhecimento de causa. Ora, a crítica tem claramente provado que ignora os seus princípios mais elementares, fazendo-o dizer precisamente o contrário do que ele diz, atribuindo-lhe o que ele desaprova, confundindo-o com as imitações grosseiras e grotescas do charlatanismo, enfim, apresentando, como regra de todos, as excentricidades de alguns indivíduos. Também por demais a malignidade tem querido torná-lo responsável por atos repreensíveis ou ridículos, nos quais o seu nome foi envolvido incidentemente, e disso se aproveita como arma contra ele.
Antes de imputar a uma doutrina a culpa de incitar a um ato condenável qualquer, a razão e a equidade exigem que se examine se essa doutrina contém máximas que justifiquem semelhante ato.
Para conhecer-se a parte de responsabilidade que, em dada circunstância, caiba ao Espiritismo, há um meio muito simples: proceder de boa-fé a uma indagação, não entre os adversários, mas na própria fonte, do que ele aprova e do que condena. Isso é tanto mais fácil, quanto ele não tem segredos; seus ensinos são patentes e qualquer pessoa pode verificá-los.
Assim, se os livros da Doutrina Espírita condenam explícita e formalmente um ato justamente reprovável; se, ao contrário, só contém instruções de natureza a orientar para o bem, segue-se que não foi neles que um indivíduo culpado de malefícios se inspirou, ainda mesmo que os possua.
O Espiritismo não é solidário com aqueles a quem agrada dizerem-se espíritas, do mesmo modo que a Medicina não o é com os que a exploram, nem a sã religião com os abusos e até crimes que se cometam em seu nome. Ele só reconhece como seus adeptos aqueles que praticam os seus ensinos, isto é, que trabalham por melhorar-se moralmente, esforçando-se por vencer os maus pendores, por ser menos egoístas e menos orgulhosos, mais brandos, mais humildes, mais caridosos para com o próximo, mais moderados em tudo, porque é essa a característica do verdadeiro espírita.
Esta breve nota não tem por objeto refutar todas as falsas alegações que se lançam contra o Espiritismo, nem lhe desenvolver e provar todos os princípios, nem, ainda menos, tentar converter a esses princípios os que professem opiniões contrárias; mas, apenas, dizer, em poucas palavras, o que ele é e o que não é, o que admite e o que desaprova.
resumem nas proposições seguintes:
1º O elemento espiritual e o elemento material são os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza, as quais se completam uma a outra e reagem incessantemente uma sobre a outra, sendo ambas indispensáveis ao funcionamento do mecanismo do Universo.
Da ação recíproca desses dois princípios se originam fenômenos que cada um deles, isoladamente, não tem possibilidade de explicar.
Cabe â Ciência, propriamente dita, a missão especial de estudar as leis da matéria.
O Espiritismo tem por objeto o estudo do elemento espiritual em suas relações com o elemento material e aponta na união desses dois princípios a razão de uma imensidade de fatos até então inexplicados.
O Espiritismo caminha ao lado da Ciência, no campo da matéria: admite todas as verdades que a Ciência comprova; mas, não se detém onde esta última para: prossegue nas suas pesquisas pelo campo da espiritualidade.
2º Sendo o elemento espiritual um estado ativo da Natureza, os fenômenos em que ele intervém estão submetidos a leis e são por isso mesmo tão naturais quanto os que derivam da matéria neutra.
Alguns de tais fenômenos foram considerados sobrenaturais, apenas por ignorância das leis que os regem. Em virtude desse princípio, o Espiritismo não admite o caráter de maravilhoso atribuído a certos fatos, embora reconheça sua realidade ou a possibilidade. Para ele (o Espiritismo), não há milagres, no sentido de anulação das leis naturais, donde se segue que os espíritas não fazem milagres e que é impróprio o título de milagreiros que umas tantas pessoas lhes dão.
O conhecimento das leis que regem o princípio espiritual prende-se de modo direto à questão do passado e do futuro do homem. Cobre-se a sua vida à existência atual? Ao entrar neste mundo, ele vem do nada e volta para o nada ao deixá-lo? Já viveu e ainda viverá? Como viverá e em que condições? Numa palavra: donde vem ele e para onde vai? Por que está na Terra e por que sofre aí? Tais as questões que cada um faz a si mesmo, porque são para toda gente de capital interesse e às quais ainda nenhuma doutrina deu solução racional. A versão que o Espiritismo lhe dá, baseada em fatos — por satisfazer às exigências da lógica e da mais rigorosa justiça — constitui uma das causas principais da rapidez de sua propagação.
O Espiritismo não é uma concepção pessoal, nem o resultado de um sistema preconcebido. É a resultante de milhares de observações feitas sobre todos os pontos do globo e que convergiram para um centro que os coligiu e coordenou. Todos os seus princípios constitutivos, sem exceção de nenhum, são deduzidos da experiência. Esta precedeu sempre a teoria.
Assim, desde o começo, o Espiritismo lançou raízes por toda parte. A História não oferece nenhum exemplo de uma doutrina filosófica ou religiosa que, em dez anos, tenha conquistado tão grande número de adeptos. Entretanto, para se fazer conhecido, não empregou nenhum dos meios normalmente em uso; propagou-se por si mesmo, pelas simpatias que inspirou.
Outro fato não menos constante é que em nenhum país a sua doutrina não surgiu das ínfimas camadas sociais; em todos os lugares ela se propagou de cima para baixo na escala da sociedade e ainda é nas classes esclarecidas que se acha quase exclusivamente espalhada, constituindo insignificante minoria, no seio de seus adeptos, as pessoas iletradas.
Espiritismo seguiu marcha sempre ascendente, apesar de tudo quanto seus adversários fizeram para entravá-la e para lhe desfigurar o caráter, com o objetivo de desacreditá-lo na opinião pública. É mesmo admirável que tudo o que têm tentado com esse propósito lhe favoreceu a difusão; o arruído que provocaram por ocasião do seu advento fez que viessem a conhecê-lo muitas pessoas que antes nunca ouviram falar dele; quanto mais procuraram denegri-lo ou ridicularizá-lo, tanto mais despertaram a curiosidade geral, e, como todo exame só lhe pode ser proveitoso, o resultado foi que seus opositores, sem quererem isso, se fizeram ardorosos propagandistas seus. Se as críticas não lhe acarretaram nenhum prejuízo, é que os que o estudaram em suas legítimas fontes o reconheceram muito diverso do que o tinham figurado.
Nas lutas que precisou sustentar, os imparciais lhe testificaram a moderação; ele nunca usou de represálias com os seus adversários, nem respondeu com injúrias às injúrias.
O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos, como qualquer filosofia espiritualista, pelo necessariamente vai ter às bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas, não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou, nem recebeu o título de sacerdote ou de sumo-sacerdote. Estes qualificativos são de pura invenção da crítica.
Pode-se ser espírita pelo só fato de simpatizar com os princípios da doutrina e por conformar com esses princípios o proceder. Trata-se de uma opinião como qualquer outra, que todos têm o direito de professar, como têm o de ser judeus, católicos, protestantes, simonistas, voltairiano, cartesiano, deísta e até materialista.
O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; reclama-a para os seus adeptos, do mesmo modo que para todo o mundo. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão da reciprocidade.
Da liberdade de consciência decorre o direito de livre-exame em matéria de fé. O Espiritismo combate a fé cega, porque ela impõe ao homem que abdique da sua própria razão; considera sem raiz toda fé imposta, donde o inscrever entre suas máximas: Não é inabalável, senão a fé que pode encarar de frente a razão em todas as épocas da Humanidade.
Coerente com seus princípios, o Espiritismo não se impõe a quem quer que seja; quer ser aceito livremente e por efeito de convicção. Expõe suas doutrinas e acolhe os que voluntariamente o procuram. Não cuida de afastar pessoa alguma das suas convicções religiosas; não se dirige aos que possuem uma fé e a quem essa fé basta; dirige-se aos que, insatisfeitos com o que se lhes dá, pedem alguma coisa melhor.
Fonte: Revista Espírita, Ano XII, Volume 09, setembro de1869