por Marcelo Henrique Pereira
O assunto não é novo. Nem será a última vez. Parece-nos que os espíritas, em sua maioria, adoram cogitar sobre previsões e muitos consultam certos “médiuns” para saber o que lhes advirá, em breve ou mais à frente.
Em torno da Doutrina dos Espíritos, ultimamente, tem-se falado muito na tal “data-limite”. É como se a paciência do Criador estivesse se esgotando e houvesse um “planejamento” para dar um basta a tantas iniquidades e violências perpetradas por todos os cantos deste ínfimo planeta de um pequenino sistema, o solar.
Atribuem ao médium mineiro – conhecido por sua imensa fraternidade e abnegação, ao mesmo tempo, sua serenidade e compaixão – a “previsão” de uma data, que estaria prestes a ocorrer, para a “depuração” planetária.
Uma releitura, evidentemente, do “juízo final” das religiões cristãs, onde se separariam, à direita e à esquerda (sem qualquer conotação política, é claro) os “bem quistos” e os “amaldiçoados”. Em “leitura dita espírita”, seria a progressão do planeta requerendo novos ares e novos protagonistas. Ou seja, os não-credenciados seriam retirados, compulsoriamente, do orbe para dar lugar a espíritos “mais comprometidos”.
Lendo e estudando sobre a Lei do Progresso – que alcança a todos, individual e coletivamente – na Terceira Parte de “O livro dos espíritos”, a “seleção espiritual” acima soa despropositada, equivocada e, até, bárbara. Os processos evolutivos são permanentes e lentos, ocorrendo, naturalmente. Os Espíritos Superiores, inclusive, em distintas partes da obra codificada pelo Professor Francês, já declinaram suficientemente sobre a ação humana para fazer progredir a(s) Sociedade(s), não sendo possível entender nenhuma ação efetiva e pontual, da “Espiritualidade” para mudar, num só ato, a “atmosfera espiritual” da Terra. Não, mesmo!
Perdoem-me se, com estas linhas, eu “decepciono” aqueles que “esperam” um “momento de libertação espiritual”. Guardadas as devidas proporções, o povo judeu também ansiou por isso, com Moisés e, na própria estada do Galileu entre nós, também esperaram, seus convivas, que ele fosse o efetivo apascentador de ovelhas. Ou, quem sabe, os que “acham” que uma eleição é suficiente para “plasmar” uma sociedade melhor, mais igualitária e próspera, e os seus cidadãos, nacionalmente, mais felizes.
Kardec, visionário, antecipou esta discussão – que também era objeto de sua preocupação, para entender de fato o “papel” dos Espíritos na vida dos homens (também, Espíritos), diante do quadro de interdependência e correlação entre as duas realidades, a física e a espiritual. Sim, o Codificador admoestou as Inteligências Invisíveis acerca do que poderia (ou não) se informado aos viajores na carne. E recebeu, às vezes, na forma de orientações, chamadas importantes no sentido de que, a nós, encarnados, não estão acessíveis determinados “conhecimentos”, em face das próprias Leis Espirituais e porque, em nossas trajetórias, devemos agir e não esperar que os “Céus” façam algo por nós.
A saída da infância para a maturidade espiritual, assim, depende da mudança de paradigmas conceituais. O “crente” – mesmo o espírita – ainda entende Deus de uma forma pessoalizada e antropomorfizada, resultando daí as conhecidas expressões que são utilizadas, diuturnamente, na vida em geral e nas assembleias espíritas, como se Deus agisse, Deus protegesse, Deus abençoasse, Deus provesse, Deus afastasse, e tudo, absolutamente tudo, ocorrendo com base na “vontade de Deus”.
Esta “vontade”, entendamos, é a própria resolução da vida, a partir da aplicabilidade, total e permanente, dos efeitos de suas Leis Universais, todas elas autoaplicáveis e regentes de todos os Espíritos e todos os Mundos, sem que ele, o Criador, a Fonte, a Essência, esteja participando dos mínimos e comezinhos atos da existência humana. Em outras palavras, Deus não olha nem deixa de olhar por qualquer de suas criaturas, ainda que, pela poesia das religiões, o filho entenda necessário e possível estar “cuidado” pelo pai. Quando será, então, que “sairemos de casa para a nossa vida independente”, se ainda queremos que o “Papai do Céu” nos vele e guarde em cada curva do caminho?
Esta independência, esta autonomia é a principal aspiração da Humanidade em marcha, neste quadrante evolutivo. E veja-se que Kardec, ao interpretar o conteúdo trazido pelos Luminares, até arriscou, ele mesmo, a estabelecer um cronograma espiritual para a amplitude espiritual planetária, quando mencionou, na Revue Spirite, os “períodos do Espiritismo”. Quanto à nomenclatura dos mesmos – escudado nas informações espirituais recebidas – nenhum reparo. As denominações (curiosidade, filosófico, de luta, religioso, intermediário e de renovação social) nos parecem ser pontuais e verossímeis. Evidentemente, quando Kardec escreveu tais linhas, vivia o terceiro dos períodos e esperava que viessem os demais em curtos espaços temporais, como os anteriores. Tanto que a dissertação de que nos valemos para ilustrar a conduta do Codificador tem como título “Período de Luta” e está na Revue Spirite, edição de dezembro de 1863. Mas os curtos períodos sequenciais não se verificaram. Um pouco pela própria ambiência planetária e o recrudescimento dos ideais espirituais em face dos dois grandes conflitos bélicos mundiais e, em parte considerável pelo “enamoramento” dos espíritas pelas questões religiosas (de todos os tempos), fazendo com que a faceta de religião (cristianismo redivivo) se tornasse mais evidente, principalmente em terras brasileiras (adjetivadas poética e ufanisticamente como a “Coração do Mundo e Pátria do Evangelho”). Então, desde a publicação de “Imitação de O evangelho segundo o Espiritismo (1864) até o presente momento, ainda estamos “patinando” no período religioso, apesar da existência de um grupo cada vez mais numeroso, pelo menos em manifestações nas redes sociais e presença nas instituições espíritas, que bradam acerca da necessidade de superação do “comportamento meramente religioso” das assembleias e associações espiritistas, para dar prosseguimento ao “curso do rio”, levando-nos a assumir a condição afeta ao tal “período intermediário”, condutor à melhora ou progresso coletivos (“regeneração social”).
Se Kardec flerta com a previsão, ele o faz para tentar, ele mesmo, entender o processo de maturação das ideias espíritas e da própria conjuntura social, e não por mera curiosidade ou por necessidade de atuação dos Espíritos em tarefas que a nós são cabíveis e exigidas, para nos envolvermos, conscientemente, com a trajetória progressiva de nossas Sociedades. Kardec, homem prático e de ciências, filósofo perspicaz também possuía – mesmo que muitos o neguem – suas características humanas, relativas à trajetória comum de cada Espírito. Mesmo missionário na tarefa que abraçou, guardava ele as condições e características de um espírito reencarnado num “plano de provas e expiações”. Não é novidade que os “crentes”, portanto, tentem atribuir aos “ídolos” posição espiritual que eles, ainda, não possuem. Embevecidos, os olhares ficam turvos e enevoados, e não permitem, por vezes, que se vislumbrem as essências e as reais condições de espiritualidade. Natural, portanto.
Rivail, em dois momentos significativos de sua produção espírita, pergunta aos Orientadores Espirituais acerca do conhecimento do futuro. Primeiro, por volta de 1857, quando ao preparar a obra primeira, questiona se o futuro poderia ser revelado aos homens. E, dos Preclaros Amigos, recebe a contundente resposta: “Em princípio o futuro lhe é oculto e só em casos raros e excepcionais Deus lhes permite a sua revelação (“O livro dos espíritos”, item 868). Ao interpretar o conjunto das respostas contidas neste segmento, que compõe o Cap. X (Lei de Liberdade) da referida obra, assim sentencia o Codificador: “Quanto mais se reflete sobre as considerações que teria para o homem o conhecimento do futuro, mais se vê como a Providência foi sábia ao ocultá-lo. A certeza de um acontecimento feliz o atiraria na inação; a de um desgraçado, no desânimo; e num caso como no outro suas forças seriam paralisadas. Eis porque o futuro não é mostrado ao homem senão como um alvo que ele deve atingir pelos seus esforços, mas sem conhecer as vicissitudes porque deve passar para atingi-lo. O conhecimento de todos os incidentes da rota lhe tiraria a iniciativa e o uso do livre-arbítrio; […] Quando o sucesso de uma coisa está assegurado, ninguém mais se preocupa com ela”.
Veja-se a acurada sensibilidade e a aguçada sabedoria do Mestre Lionês. Não se pode cogitar das ocorrências futuras senão como projeto, como ideal, como aspiração. Aquele velho sonho que todos acalentamos, no cotidiano corriqueiro, de termos melhores condições, de sermos mais felizes, de vencermos as (próprias) dificuldades. Sem saber o que ocorrerá e, muito menos, os detalhes das situações futuras.
Poderão os mais “apressados” dizerem que o doce e Cândido Xavier teria “estatura espiritual” e “conhecimento espírita” para revelar-nos a previsão da “data-limite” e que deveríamos nos curvar diante dessa “benesse espiritual” vinda pelas mãos do médium. Engraçado é que esta aludida “revelação” contrasta totalmente com a postura (não-mediunizada) do homem Francisco, que sempre se posicionou cauteloso e reconheceu sua condição de “eterno aprendiz”, não se prostrando a realizar ações “em nome do Espiritismo”. E, como médium, também ressalvou a sua condição de mensageiro e ressaltou e relevou, sempre, que as mensagens derivadas de suas trêmulas mãos deveriam passar pelo crivo kardeciano, repetindo, sempre, o que teria ouvido, como advertência, de seu principal mentor, Emmanuel: “na dúvida, fique com Kardec”.
Os espíritas em geral não querem saber de Kardec. Até acham relevante – mas ultrapassado – o trabalho que ele realizou. Rebaixam-no, quase sempre, à condição mínima de “secretário dos Espíritos” ou de “organizador da Doutrina dos Espíritos”, tão-somente, esquecendo-se da premissa de que, se não houvesse Rivail, a referida doutrina não existiria. Não, certamente, no contexto em que o recebemos das mãos do hábil professor francês, com sua produção magnífica de 32 (trinta e duas obras) em quase doze anos de produção literária, de pesquisa e de prática espiritistas.
Kardec é, praticamente, o “livro da estante” ou o “livro em cima da mesa” nas instituições espíritas em geral, ainda que, vez por outra, lá num cômodo mais escondido, um grupo pouco numeroso – em relação à lotação das assembleias de palestras e passes – teimosamente ainda tente entender a lucidez do Mestre, em suas obras fundamentais. Ou, que, na própria reunião pública, de “exortação da mensagem”, uma página aberta a esmo, de “O evangelho” ainda sirva para a “preparação do ambiente”. Sim, senhores! Como sempre disse o sensato Professor Herculano Pires, Kardec (e o próprio Espiritismo enquanto filosofia) ainda são o “grande – e ilustre – desconhecido” dos próprios espíritas.
A “turma” gosta mesmo é de novidade (e a “previsão” da futura data “transformadora”, para que nós “estejamos avisados e conscientes” é a grande novidade “da vez”)! Novidades estão nos romances – desde os mais “antigos” da “série André Luiz”, os “históricos” de Emmanuel, ambos advindos das mãos chiquistas, as “histórias românticas” ou as “orientações de conduta” de Lucius, Rochester, Victor Hugo, Miramez, Marco Prisco, Ivan de Albuquerque e tantos outros… Estas são, digamos, mais “fascinantes”, mais “interessantes”. É como assistir a uma novela, série ou filme, não é mesmo? Não foram poucas as vezes que ouvi de amigos frequentadores de casas espíritas: “- São muito boas, porque falam a língua da gente, refletem situações das nossas vidas e são mais fáceis de entender!”.
Quantas delas, assim, a pretexto de serem tidas como “espíritas” e, igualmente, tratando de conceitos ou questões que fazem parte do “vocabulário espírita” não encerram, TODAS, visões particulares, pessoais, do Espírito comunicante e, muitas mais, não estão sujeitas à excessiva incidência das opiniões anímicas o médium que as recepcionou, ou dos revisores, editores e dirigentes espíritas? Não há mensagem “nula” nem “inocente” ou “despretensiosa”. Todo texto – inclusive este, meu – visa a um propósito. No meu caso, cogitar da necessidade de sermos MAIS ESPÍRITAS e menos românticos e fantasiosos. E, ao invés de “plasmarmos” a Terra pós-data-limite, trabalharmos para melhorar a ambiência e a “energética” espiritual aqui presente e reinante, com nossa dose de esforço e participação.
A “data-limite” é uma fantasia de quem realmente está mais preocupado com “destino”, “fatalidade”, “carma”, “resgates” e outros pseudoconceitos espíritas, tão incorporados à rotina das atividades espíritas que, tanto os mais novos nelas acreditam e passam a repeti-las, quanto os mais antigos deixaram de lado a segurança das afirmações contidas na Codificação para, atraídos por “quinquilharias”, trocarem o ouro pela pirita, que brilha tanto quanto aquele.
Vejamos outra importante passagem, contida em outro livro do nosso francesinho, agora em “O Livro dos Médiuns”, no Cap. XXVI, item 288, subitem 7. Questiona o Codificador: “Os espíritos podem nos desvendar o futuro?”. A admoestação encontra-se no capítulo em que Kardec leciona acerca da tipologia de perguntas que podem ser feitas aos espíritos, onde importa a forma e o fundo. E, ainda mais, continua o preclaro professor, o encadeamento entre os questionamentos constitui o próprio MÉTODO de aferição das mensagens e, também, o proveito do diálogo que se trava com os Seres Desmaterializados, sendo conveniente prepará-las com antecedência e clareza, evitando questões salteadas e “ao acaso”. Isto porque também o Espírito (desencarnado) se prepara para responder ao que se lhe pergunte, ao contrário da formatação que se lhe dá (à comunicação mediúnica) nos centros espíritas de todo o Mundo. Ou seja, para os espíritas “comuns”, basta a concentração do médium (e do ambiente) e a seriedade de propósitos, que a “boa comunicação” se dará. Mas, retornando à perquirição feita por Rivail, assim lhe disseram os Instrutores: “Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente. […] Trata-se de um grave erro, porque a manifestação dos Espíritos não é meio de adivinhação. Se insistirdes numa resposta, ela vos será dada por um Espírito leviano. Temos dito isso a todo instante”.
Os espíritas contemporâneos, em sua grande maioria, parecem se comportar como os crentes retratados no Antigo Testamento, logo após a retirada de Moisés para alguns afazeres, deixando ao povo a Tábua da Lei (Dez Mandamentos). Ao retornar, encontrou seu povo novamente adorando os bezerros de ouro, não obstante a diretriz de não cultuarem imagens. Mesmo com as orientações precisas contidas na Codificação, os espíritas se maravilham ante determinadas páginas ditadas por Espíritos que são “tradicionais” e “reconhecidos” por suas identidades e qualificações – quando em vida – recepcionados por médiuns idôneos, é verdade, fraternos e envolvidos em atividades assistenciais, quando, isto por si só, fosse suficiente para a aferição de veracidade e oportunidade das mensagens. Em outras palavras, trocou-se a segurança do exame comparativo e detalhado da mensagem pela “autoridade” do Espírito comunicante ou do médium que a divulga. Sai a Codificação e entra a Revelação Mediúnica Brasileira. Sai a Tábua da Lei e entra o Bezerro Mensageiro!
Estas previsões acerca do futuro que grassam por aí, assim como determinados relatos de médiuns, até convictos, dizendo que espíritos da Revolução Francesa, por exemplo, estão por aqui, para “acelerar” o progresso do nosso (maior) país (espírita do mundo), nada mais são do que meras suposições, sem qualquer base doutrinária. Se temos, aqui ou ali, alguns espíritos fazendo estas previsões, o que poderia representar, a priori, o elemento de generalidade das informações, já que estão sendo ditas por espíritos diferentes em lugares distintos e em momentos separados, MUITO CUIDADO! Não é a repetição, pura e simples, da mesma mensagem (por fontes esparsas, ou seja, médiuns diferentes) que simboliza a expressão do Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE) estabelecido por Kardec. Podem ser – e notadamente o são – espíritos brincalhões, a zombar de nossa credulidade ou da falta de discernimento em comparar, selecionar e separar o que é crível do que é fantasioso. Numa expressão: “preferível repelir dez verdades do que acatar uma só mentira” (Erasto).
Efetivamente, o advento do Plano de Regeneração, que é o estágio adiantado àquele em que nos encontramos (Provas e Expiações) será realidade, tão como no-lo disseram os Espíritos Superiores, ao tratarem da Progressão dos Mundos. As mudanças planetárias serão a conclusão das modificações inseridas nas sociedades (Estados) e, estas, resultantes do progresso individual dos homens que as integram. Os que aqui estão e os que irão reencarnando, pouco a pouco, num processo natural de “depuração” do orbe.
Sem, portanto, a definição de uma data (ano) e, tampouco, com celebrações a respeito. Acreditar em previsões desta natureza, mesmo com a melhor das intenções, é ato similar àquele indivíduo que consulta um babalaorixá, pedindo-lhe os números da loteria; ou à senhora que consulta a cartomante para saber se será feliz no amor; ou, ainda, o jovem que consulta o médium para aconselhar-se sobre qual carreira seguir. Os Espíritos Superiores, que estão ao nosso derredor e que podem ser consultados sobre questões relevantes, de importância para a Humanidade, não se ocupam com questões mundanas, de mera curiosidade, ou de interesse particular. Mas haverá os desencarnados que se locupletam com tais questiúnculas, tal qual os encarnados que se comprazem com divertimentos pouco edificantes e que logram proveitos à base da credulidade e ingenuidade alheia.
Façamos, pois, o melhor que nos compete, a cada dia, a cada encarnação, credenciando-nos para ocupar espaços em melhores condições existenciais, em planos mais adiantados, colaborando com a “obra da Criação”, no continuum de nosso progresso espiritual. Hoje, amanhã e sempre!