Demência de Alzheimer e as demências reversíveis

por Nubor Orlando Facure.

 

Entrei na faculdade (1959) numa época em que o idoso perturbado era chamado de “velho caduco” e os familiares o escondiam nos fundos da casa.
Mais tarde, progredindo até chegar aos meus cursos de Patologia, via na faculdade meus professores fazendo necropsias nesses pacientes idosos e dementes, destacando em seus cérebros aquelas artérias endurecidas, cheias de placas amareladas pelo colesterol.
O diagnóstico era claro: arteriosclerose ou aterosclerose cerebral.

Ainda não sabíamos abordar semiologicamente a memória.
Falávamos em memória retrógrada, que se referia às lembranças do passado, e em anterógrada, sobre guardar a informação daqui para frente.
Eram as memórias remotas e as recentes ou atuais.

A primeira vez que ouvi falar em Doença de Alzheimer foi em 1966, numa visita à enfermeira da Santa Casa de Campinas (onde se iniciou a Unicamp), quando abordamos um paciente com 60 anos, alfaiate, que foi internado para avaliação do seu quadro psíquico.
Ali, ao nosso lado, o professor Oswaldo de Freitas Julião, chefe do Departamento, neurologista famoso pelo seu talento na semiologia neurológica, nos mostra que, apesar do grave comprometimento da memória e de outras funções psíquicas, esse paciente conseguia mostrar preservada sua capacidade de alfaiate quando abordado sobre como fazer uma camisa.

Pouco depois de 1965, tivemos uma grande mudança na abordagem das demências:
surgiu o conceito de demência curável ou reversível.

O neurocirurgião colombiano Salomón Hakim e o neurologista de Boston, Raymond Adams, descreveram um quadro de demência progressiva leve, com distúrbio de marcha.
O paciente não tinha paralisia das pernas, mas a sequência de dar os passos, pondo um pé adiante do outro, dando continuidade ao caminhar — ele não conseguia mais fazer.
E, completando a tríade, esse paciente apresentava incontinência urinária.

A revolução desencadeada por Hakim e Adams foi que, nesses pacientes, se confirmava uma hidrocefalia (dilatação dos ventrículos cerebrais) com pressão liquórica normal.
O mais extraordinário foi que Hakim os tratou empiricamente com a interposição de uma válvula de drenagem ventrículo-peritoneal.
Foi um sucesso: reversão total da tríade sintomática — a demência estava curada.

Houve uma corrida atrás das vantagens de se usar essas válvulas nas várias formas de demência, já que praticamente todas tinham hidrocefalia.

Na época (décadas de 60 e início de 70), o exame utilizado para diagnóstico era o pneumoencefalograma.
Paciente acordado.
Assenta-se de costas.
Faz-se uma punção lombar e retira-se, pouco a pouco, até 60 ml de líquor, injetando-se ar que sobe preenchendo os ventrículos cerebrais.
Feitas as radiografias, constata-se: hidrocefalia.
Aprendemos que, na hidrocefalia de pressão normal, os ângulos ventriculares são agudos.
Constata-se também certo grau de atrofia cortical.
Por outro lado, essa atrofia cerebral na Doença de Alzheimer é bem mais expressiva, principalmente nos hipocampos.

No dia seguinte ao exame, o paciente que passou pela retirada do líquor está melhor, nos autorizando a indicar a válvula.

No Alzheimer, não há melhora e, frequentemente, o paciente passa por uma fase de delírio e confusão mental provocada pelo estresse do exame.

Nessa agitação de “quem é quem” — quem é Alzheimer e quem é hidrocefalia de pressão normal — passamos por vários debates.
Professor Matos Pimenta, experiente neurocirurgião da Escola Paulista, nos dizia que o Alzheimer evolui como quem desce uma escada continuamente.
Mas essa escada terá degraus mais baixos, piorando muito o quadro, e plataformas mais extensas, mantendo estabilidade mais duradoura da demência.
Ele questionava a indicação das válvulas, justificando as melhoras com essa metáfora da escada.

Foi assim até que buscamos melhorar nossos diagnósticos, criando o Tap Test: retirando líquor por dois ou três dias e conferindo se ocorre melhora clínica da marcha e da demência.
Hoje, com a sofisticação das imagens da ressonância cerebral, esse diagnóstico ficou bem mais seguro.

Avaliação da memória:
A memória passou a ser vista como explícita ou declarativa (semântica e episódica) e implícita ou procedural (digitar, tocar violão, dirigir, amarrar o cadarço).
Nas demências, há comprometimento da memória declarativa.
Não há perda das habilidades (memória implícita), como era o caso do nosso alfaiate, que não esqueceu como fazer os cortes de uma camisa.

Alois Alzheimer era neuropatologista e descreveu o quadro de demência de uma mulher de 51 anos (Auguste Deter), portadora de um ciúme patológico (1901).
Ele pôde, mais tarde (1905), estudar o cérebro dessa paciente, onde identificou as placas senis (hoje placas amiloides) e os emaranhados neurofibrilares (hoje, proteínas Tau).
Confirmou, assim, a existência de uma “degeneração” nos neurônios, tirando das artérias escleróticas a origem da patologia da doença.

Mas a demência vascular permanece reconhecida e aceita clinicamente, sendo diagnosticada, principalmente, com aquelas imagens lacunares registradas nos gânglios da base, com grande facilidade pela ressonância cerebral.

Quanto à evolução, nosso grupo de neuropsicólogas pôde constatar, numa avaliação que fizemos no Instituto do Cérebro com nossos pacientes, que alguns evoluíram rapidamente num período de 3 anos — possivelmente, esses pacientes tinham forte predisposição genética.
Outros, em maior número, tiveram evolução mais protraída, atingindo até 15 anos de doença.

Não está clara até hoje a etiologia da Doença de Alzheimer.

Três imagens anatomopatológicas a identificam:

  1. A morte do neurônio.
  2. O emaranhado fibrilar, por onde não transita mais sua química.
  3. Os depósitos tóxicos ao seu lado, formando as placas de amiloide.

Nossas memórias utilizam a acetilcolina como meio de comunicação entre os neurônios.
A medicação atual fornece um aporte generoso de acetilcolina,
mas só os neurônios sadios podem aproveitá-la.

Já sabemos também que certas substâncias reduzem o nível de acetilcolina, provocando delírios e confusão mental, agravando a demência:

  • Antidepressivos tricíclicos
  • Certos antipsicóticos
  • Biperideno
  • Drogas anticolinérgicas de uso corriqueiro, como os antiespasmódicos, que podem ser desastrosas.

Costumo dizer que o idoso trabalha com a acetilcolina no tanque reserva, e certas situações de estresse o jogam num abismo mental:

  • Uma cirurgia de catarata
  • Uma endoscopia digestiva
  • Uma extração dentária
  • Uma noite de insônia
  • Um jejum prolongado
  • O luto familiar
  • O desmonte do seu “santuário doméstico”, acomodado há muitos anos na sua sala preferida.

Ainda precisamos saber o que leva à desestruturação dos neurofilamentos, à formação das placas e à morte dos neurônios —
ou alguma coisa mais básica por trás disso tudo
para, só então, conseguirmos o sucesso da cura do Alzheimer.

Enquanto isso, a exigência de hoje é que se investiguem com cuidado as causas reversíveis, como:

  • Hidrocefalia de pressão normal
  • Carência de vitamina B12
  • Doença de Parkinson
  • Hipotireoidismo

Para quem lida com o paciente com Alzheimer, não é raro se surpreender.
Eles caminham escada abaixo.
Um dia depois do outro, desinstalam os aplicativos da mente.
A grande surpresa é que, às vezes, se revelam tão lúcidos que nem parecem ter a demência.
Como podem ser assim, se já têm tão poucos neurônios?

E eu os relembro dos versos de Adoniran Barbosa:

“Com a corda mi (bastou uma corda)
Do meu cavaquinho
Fiz uma aliança pra ela
Prova de carinho.”

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