por Raul Franzolin Neto.
A temática da série, Vida Após a Morte (Surviving Death), foi bem-vinda e esperada no meio espírita por se tratar de uma das maiores empresas de filmes streaming por assinaturas do mundo. Atualmente, séries estão em alta no interesse geral, com altos investimentos.
Nessa temporada, foram lançados seis episódios visando abordar o tema de uma forma prática e acadêmica, mas o que vemos são ensaios primários marcados pelo desconhecimento da realidade maior. Há uma onda de tropeços e confusão pelo caminho, embora os fatos representem a realidade dos mundos visível e invisível. Porém, o último episódio (6) é destacável.
Poderíamos dizer que se trata de uma série espiritualista pelo enfoque de que “existe algo fora da matéria”. Entretanto, também está inserida na visão espírita com a comunicabilidade dos espíritos e o processo de reencarnação. A principal divergência dos espiritualistas do século XIX em relação ao espiritismo é que a maioria deles era não-reencarnacionista e, ainda, dedicaram-se suas pesquisas com o uso de médiuns de efeitos físicos.
No primeiro episódio, o tema central é a EQV – Experiência de Quase Morte, traduzido como “Relatos dos Ressuscitados”, iniciando a confusão pelo tema. Nada de novidade para os espíritas com os inúmeros relatos de casos disponíveis na internet, como os famosos de Pam Reynolds (citado na série), Sharon Stones e outros. O desenrolar do episódio é interessante, mas nada à altura da expectativa gerada pela mídia.
O ceticismo está fortemente presente, o que é natural fora do Brasil, onde, praticamente, nada do espiritismo, excetuando-se, principalmente, espíritas brasileiros radicados no exterior. Aparecem depoimentos desconexos com o que se tenta mostrar sobre a vida após a morte: “Quando o cérebro deixa de funcionar, a consciência acaba. A ideia de que uma parte da consciência continua ativa, conflita com um princípio bem básico”; “Não sou dos que acreditam definitivamente, mas há algo acontecendo aqui”. Parte da consciência? Expansão da consciência após a morte? Para o espírita, isso é tão natural quanto beber água. O Espírito é um ser individual, que livre da matéria, continua sua jornada eternamente.
A vida após a morte foi desvendada com a retirada do véu embaçador que cobre o mundo físico do mundo espiritual, graças a codificação espírita desenvolvida por Allan Kardec a partir da metade do século XIX. Entretanto, o episódio mostra como algo ainda a ser compreendido, tal é o papel da Associação Internacional de Estudos de Quase-Morte de Seatle-EUA, o que não deixa de ser relevante pelo variado número de casos reunidos, numa espécie de terapia em grupo, como acontece no combate aos vícios e problemas emocionais. Como “O Livro dos Espíritos” seria fundamental para esses grupos! (Kardec 1982).
O relato da médica Mary Neal é o mais marcante, nem tanto pela sua EQM, mas pela informação recebida sobre a morte de seu filho. Dúvidas desaparecem para quem estuda a doutrina espírita, encontrando o que busca de forma racional e coerente. Aqui cabe a frase: “Fé inabalável é aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade”. A oportunidade que ela teve com EQV, permitiu a algum Espírito familiar passar essa informação, talvez na tentativa de lhe ajudar, de alguma forma, pelo sofrimento que iria passar. Ela ficou mais de dez anos com essa condição estressante. Isso mostra, que o conhecimento do futuro não é adequado. Existem outros meios de ajuda para se viver melhor com as desavenças da vida. A prece com o recolhimento na reflexão é muito útil.
Nos dois episódios seguintes, o assunto é “Médiuns”. Aí as coisas se complicam. “Qual é a natureza da consciência humana?”. Essa é a primeira pergunta feita pela jornalista e autora do seriado Leslie Kean. Segue-se como a existência provável de uma expansão da consciência depois da morte, estando por aí em algum lugar, com possibilidade de se comunicar com os vivos. Novamente conceitos vagos.
Surge uma reunião com uma médium que ouvia e via espíritos quando era criança. Alguma novidade? Nenhuma. A história mostra isso há séculos no mundo todo. Essas habilidades de clarividência e clariaudiência sempre estiveram presentes em muitos médiuns e até mesmo naqueles que ignoram a própria habilidade mediúnica.
Relevante foi ver Chris Roe, Professor de psicologia da Psychology at the University of Northampton (U.K.) e Presidente da Society Psychical for Research (SPR) abrir uma caixa com documentos históricos dos trabalhos sociedade fundada em 1882, por ilustres pesquisadores dentre eles, ganhadores do prêmio Nobel, Marie Curie e Pierre Curie e Charles Richet. Na etiqueta da caixa, lê-se o nome de uma das mais fantásticas médiuns de efeitos físicos do mundo, a humilde italiana Eusapia Paladino.
Uma espécie de retiro espiritual, ou melhor, um curso “Exploration of the Soul” para formação de médiuns é realizado numa igreja. Aparecem novos conceitos, como: médium físico, médium mental, médium de cura pelo transe, e outros. Não é apenas uma questão de semântica, mas todos os tipos de mediunidade são detalhados no “O Livro dos Médiuns”, publicado em 1861 (Kardec 1861).
Continuando a falar sobre médiuns, o episódio três iniciando com a visão obsoleta da mediunidade, a abordagem fica ainda mais complicada. É que se revive em 2021, a experiência da médium Nicole de Haas de efeitos físicos. Há um suspense sensacionalista e aparece uma experiência primária, de baixo controle pela ignorância da realidade espiritual, sem mesmo as nuances da verdadeira relação dos espíritos com os encarnados. Esperava-se o uso de qualquer tecnologia sofisticada e moderna, como por exemplo, a gravação noturna com câmeras infravermelho etc., o que deixou tudo muito obscuro.
Fenômenos de materialização de espíritos e objetos foram amplamente pesquisados por cientistas competentes e sérios no século XIX, tais como Sir William Crookes (descobridor do elemento químico Tálio), Charles Richet (Universidade de Paris), Alexandre Aksakof (Conselheiro de Estado do imperador da Rússia), Prof. Schiaparelli (Observatório de Milão), Prof. Lombroso, A. de Rochas, Camile Flamarion, Victorien Sardou, Gabriel Delane, entre outros. Relatos podem ser lidos no livro histórico sobre o espiritualismo, publicado em 1926, por um dos maiores escritores da literatura inglesa, Sir Arthur Conan Doyle, autor do clássico detetive conhecido mundialmente, Sherlock Holmes, (Conan Doyle 2013), além de vasta literatura a esse respeito (Crookes 1971, Aksakof 2006).
O problema não reside se os fenômenos físicos são verdadeiros ou não, e sim na questão: Qual a utilidade dos fenômenos? Parece ser basicamente: satisfazer a curiosidade ou provar que existe vida após a morte ou mesmo uma forma de profissionalismo.
O terceiro episódio, gira basicamente em torno de Mike Anthony em sua saga de procurar médiuns na tentativa de obter comunicação com um ente familiar falecido, seu pai. Conclui dizendo que realmente acredita na vida após a morte, mesmo não parecendo muito convincente.
Nesse caso, novamente nada de novo para os espíritas e, em geral, os brasileiros. O Brasil é palco vivo da contribuição do plano espiritual no conforto de perdas de entes queridos. Há muitas informações disponíveis e inquestionáveis, com as dezenas de milhares das chamadas “cartas espirituais” psicografadas pelo mais genuíno e exemplar médium que existiu em nosso planeta, Francisco Cândido Xavier. Ele facilmente responderia a um questionamento levantado nas filmagens. “Por que eu não recebo alguma coisa?”, Chico humildemente responderia: “o telefone toca de lá para cá. Tenha paciência, minha filha”. A seara nessa área não é fácil e depende muito da moralidade do médium e da autoridade espiritual. Mas Chico foi um dos ótimos médiuns que trabalharam e trabalham humildemente com a mediunidade benevolente, sem interesses financeiros e pessoais ou sensacionalismo.
Vida após a morte? O tema por aqui já não espanta como antes. São milhares e milhares de livros publicados, artigos, vídeos, reportagens, filmes, novelas etc. A televisão brasileira sempre esteve ao lado da temática espírita, embora o preconceito ainda seja notável. Novelas revelaram sucesso total, com milhões em audiência: O Profeta (1977-1978); A Viagem (1975-1976-1994); Alma Gêmea (2005); Escrito nas Estrelas (2010, transmitido por mais de 25 emissoras no mundo); Amor Eterno Amor (2012); Alto Astral (2014-2015), entre outras.
Com o seriado, pode-se ter uma visão de como o mundo tem muito a aprender nessa relevante área, que é a vida após a morte. Para os espíritas, o seriado seria uma grande novidade há cerca de dois séculos atrás, porém o tema ainda é um grande tabu.
Referências:
Aksakof, A. (2006). Um caso de desmaterialização. Brasília, FEB Editora.
Conan Doyle, A. (2013). A história do espiritualismo – de Swedenborg ao início do século XX. Brasília, FEB Editora: 558.
Crookes, W. (1971). Fatos Espíritas, FEB Editora.
Kardec, A. (1861). O livro dos médiuns: guia dos médiuns e dos evocadores, dc.
Kardec, A. (1982). O livro dos espíritos. São Paulo, Edicel