Ciência ou Religião?

(Trechos extraídos por Carlos Iglesia do livro “Cristianismo e Espiritismo”
de Léon Denis, edição da FEB, tradução de Leopoldo Cirne. Final do Capítulo X: A
Nova Revelação. A Doutrina dos Espíritos).

 

Suscita-se frequentemente esta questão: o moderno espiritualismo é uma ciência ou uma religião?

Até agora, esses dois sulcos traçados pelo espírito humano em sua secular busca da verdade têm conduzido a resultados opostos, um manifesto indício do estado de inferioridade do pensamento, comprimido, escravizado, limitado em seu campo de ação. Prosseguindo, porém, em sua marcha, um dia, forçosamente, chegará – e esse dia está próximo – em que o espírito humano alcançará um domínio comum a essas duas formas de ideia; aí elas se fundirão, unificar-se-ão em uma síntese, numa concepção da vida e do Universo que abrangerá o presente e o futuro e fixará as leis eternas do destino.

O moderno espiritualismo, ou espiritualismo integral, será o terreno em que essa aproximação se efetuará. Nenhuma doutrina pode fornecer à Humanidade essa concepção geral que, do âmago da vida inferior, eleva o pensamento às cumeeiras da Criação, até Deus, e une todos os seres numa interminável cadeia.

Quando essa concepção tiver penetrado nas almas, quando se houver constituído o princípio de educação, o alimento intelectual, o pão de vida de todos os filhos dos homens, não haverá mais possibilidade de separar a Ciência da Religião, e muito menos de combater uma em nome da outra, porque a Ciência, até agora confinada no círculo da vida terrestre e do mundo material, terá reconhecido o invisível e erguido o véu que oculta a vida fluídica; terá sondado o Além, para determinar suas formas e precisar suas leis. E a existência futura, a ascensão da alma em seus inumeráveis domicílios, não será mais uma hipótese, uma especulação destituída de provas, mas sim a realidade viva e palpitante.

Não será possível combater a Religião em nome da Ciência, porque a Religião não será mais o dogma estreito e exclusivo, o culto material que conhecemos; será o coroamento triunfal de todas as conquistas, de todas as aspirações do espírito humano; será o surgimento do pensamento que se apoia na certeza experimental, na comprovada evidência do mundo invisível, na cognitiva apreensão de suas leis, e, firme nessa sólida base, eleva-se para a Causa das causas, para a soberana Inteligência que preside a ordem do Universo, para abençoá-la por ter concedido a possibilidade de penetrar suas obras e associar-se a elas.

Então, cada um compreenderá que ciência e religião eram apenas palavras, necessárias para designar as flutuações do pensamento em seus primeiros ensaios infantis, um estado transitório do Espírito em sua evolução para a verdade. E esse estado terá desaparecido com as sombras da ignorância e da superstição, para dar lugar ao Conhecimento, ao conhecimento real da alma e de seu futuro, do Universo e de suas leis; com esse conhecimento virão a luz e as energias que finalmente permitirão à alma humana ocupar o lugar que lhe pertence e desempenhar seu verdadeiro papel na obra da Criação.

(…) O misticismo e o materialismo tiveram sua época. O futuro pertence à nova ciência, à ciência psíquica, que estuda todos os fenômenos e investiga suas causas, reconhece a existência de um mundo invisível e, com todas as análises que possui, formulará uma magnífica síntese da vida e do Universo para difundir seu conhecimento por toda a Humanidade.

É sob a influência do Espiritismo experimental que essa evolução científica já se vai efetuando. É a ele, digam o que disserem, que a nova ciência deve a vida, pois sem o impulso que ele imprimiu ao pensamento, essa ciência estaria ainda por nascer.

O Espiritismo traz a cada ciência os elementos de uma verdadeira renovação. Pela comprovação dos fenômenos, conduz a Física à descoberta das formas mais sutis da Matéria. Esclarece todos os problemas da Fisiologia pelo conhecimento do corpo fluídico. Sem a existência deste, seria impossível explicar a aglomeração, na forma orgânica e sobre um plano determinado, das inúmeras moléculas que constituem nosso invólucro terrestre, assim como a conservação da individualidade e da memória, através das constantes mutações do corpo humano.

Graças ao Espiritismo, a Psicologia já não se sente embaraçada por tantas questões obscuras, especialmente pelas das personalidades múltiplas que se sucedem sem se conhecerem no mesmo indivíduo. As experiências espíritas fornecem à Patologia os meios de curar a obsessão e os inúmeros casos de loucura e alucinação relacionados a ela. A prática do magnetismo, a utilização dos fluidos curativos, revolucionam e transformam a terapêutica.

O espiritualismo integral nos faz compreender melhor a evolução da vida, mostrando-nos seu princípio nos progressos psíquicos do ser, que constrói e aperfeiçoa por si mesmo suas formas ao longo do tempo.

Essa evolução, em que nossas vidas terrestres não representam mais que uma fase transitoria, simples paradas em nossa grande jornada ascensional através dos mundos, vem confirmar os testemunhos da Astronomia, que mostram a ínfima importância de nosso planeta no conjunto do Universo, e concluem pela habitabilidade de outras terras no espaço.

(…) Essa ação renovadora far-se-á igualmente sentir nas religiões, ainda que mais lentamente e com dificuldade. Entre todas as instituições humanas, são estas as mais refratárias a qualquer reforma, a qualquer impulso para frente; no entanto, estão, como todas as coisas, sujeitas à lei divina do progresso.

No plano superior da evolução, cada símbolo, cada forma religiosa deve ceder lugar a concepções mais altas e puras. O Cristianismo não pode desaparecer, pois seus princípios contêm o germe de renascimentos infinitos; deve, porém, despir-se das diversas formas revestidas ao longo das eras, regenerar-se nas fontes da nova revelação, apoiar-se na ciência dos fatos e voltar a ser um manancial de fé viva.

(…) As crenças, as diferentes religiões, tomadas em sua ordem sucessiva, poderiam, até certo ponto, ser consideradas os degraus que o pensamento galga em sua ascensão para concepções cada vez mais vastas da vida futura e do ideal divino. Sob este prisma, têm sua razão de ser; no entanto, sempre chega um momento em que as mais perfeitas se tornam insuficientes, um momento em que o espírito humano, em suas aspirações e impulsos, eleva-se acima do círculo das crenças usuais, para buscar uma forma mais completa de conhecimento.

Então ele percebe o encadeamento que une todas essas religiões. Compreende que todas se ligam por uma base de princípios comuns, que são as imperecíveis verdades, ao passo que todo o resto – formas, ritos e símbolos – são coisas transitórias, passageiros acidentes da história humana.

Sua atenção, desviando-se dessas formas, dessas expressões religiosas, volta-se para o futuro. Ali vê erguer-se acima de todos os templos, de todas as religiões exclusivistas, uma religião mais vasta que abrangerá a todos, que não terá ritos nem dogmas, nem barreiras, mas testemunhará os fatos e verdades universais – uma Igreja que, sobre todas as seitas e todas as igrejas, estenderá as vigorosas mãos para proteger e abençoar. Vê erguer-se um templo onde toda a Humanidade, recolhida e prostrada, unirá pensamentos e crenças numa idêntica comunhão de fé, que se resumirá nestas palavras: Pai nosso que estais nos céus!

Tal será a religião do futuro, a religião universal. Não será uma instituição fechada, uma ortodoxia regida por estreitas normas, mas sim uma fusão dos corações e dos espíritos.

O moderno espiritualismo, com o movimento de ideias que provoca, prepara o seu advento. Sua ação crescente arrancará as atuais igrejas da imobilidade que as detém e as obrigará a voltarem-se para a luz que se espalha no horizonte.

(…) Essa luz é a que o novo espiritualismo traz às igrejas. Sob seus raios, todas as riquezas ocultas do Evangelho, todas as gemas da doutrina secreta do Cristianismo, sepultadas sob a densidade do dogma, todas as verdades veladas emergem da noite dos séculos e reaparecem com todo o esplendor. Eis o que a nova revelação vem oferecer às religiões. É um socorro do céu, uma ressurreição das coisas mortas e esquecidas que elas encerram em seu seio. É uma nova floração do pensamento do Mestre, adornada, enriquecida, restituída à plena luz pelos cuidados dos Espíritos celestes.

(…) Deus reserva outras forças ocultas, outras almas de escol para a hora da renovação. Essa hora será anunciada por grandes crises e sucessos dolorosos. É necessário que as sociedades sofram; é preciso que o homem seja ferido para despertar, para sentir o quão pequeno é e abrir o coração às influências do Alto.

A Terra há de presenciar dias tenebrosos, dias de luto; tempestades serão desencadeadas. Para que o grão germine, são necessárias as nevadas e a triste incubação do Inverno. Ventos violentos virão dissipar as névoas da ignorância e os miasmas da corrupção.

Mas as tempestades passarão; o céu reaparecerá em sua limpidez. A Obra divina se expandirá em um novo surto. A fé renascerá nas almas e novamente irradiará, mais fulgurante, sobre o mundo regenerado, o pensamento de Jesus.

Fonte:  Boletim GeaE, N. 230, 04/03/1997

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