por Maurício Junior
Cristianismo: Religião Oficial do Império
Organização da Igreja: o Clero
A Igreja Constituída
Os Concílios
Ascensão do Papado
1 – CRISTIANISMO: RELIGIÃO OFICIAL DO IMPÉRIO
A mensagem cristã surgiu entre os judeus, considerados bárbaros pela civilização romana. E, apesar de choques e hostilidades, conseguiu firmar-se no Império.
O Cristianismo defrontou-se com um mundo consolidado: um mundo onde, desde as conquistas de Alexandre, o Grande (356 – 323 a.C.), predominava a cultura greco-romana, que se difundiu entre os povos da Antiguidade e abalou suas culturas nacionais. Nessa vastidão que incluía quase toda a Europa, a Ásia Menor e o norte da África, o clima espiritual era contraditório.
A religião oficial de Roma caracterizava-se pelo pragmatismo político. Ao politeísmo greco-romano, em geral eclético e teologicamente frágil, contrapunham-se inúmeras religiões de mistérios, cada vez mais divulgadas e acrescidas de novos adeptos. Roma procurava garantir suas tradições e supremacia através das divindades nacionais, regionais ou locais, mas não deixava de utilizar deuses estrangeiros para submeter os povos conquistados.
Mas no séc. III d.C., o Império Romano encontrava-se à beira da derrocada. Suas fronteiras estavam ameaçadas e os imperadores, sucedendo-se ininterruptamente, eram impotentes para garantir a segurança das províncias. A aristocracia, ameaçada, começou a constituir Estados independentes. A população sofria privações de todo tipo e praticava atos de banditismo.
No início do séc. IV, Diocleciano buscou a consolidação estatal, instaurando uma monarquia absolutista. O imperador foi transformado em descendente dos deuses, o exército e a religião tornaram-se a garantia do poder despótico. No séc. III os monarcas haviam procurado ligar sua autoridade à corrente religiosa que prevalecia entre os soldados, acabando por criar uma divindade sincrética, o Sol Invictus. Quando Constantino venceu a disputa ao trono romano, implantou uma nova religião estatal como apoio à sua autoridade: o Cristianismo, através do edito de Milão, em 313. Constantino decidiu aceitar o Cristianismo por motivos predominantemente políticos, mas teve um significado transcendental, pois, posteriormente, o Cristianismo tornar-se-ia a religião oficial do império no reinado do Imperador Teodósio.
Apesar de numerosas semelhanças com outras crenças monoteístas, o Cristianismo trouxe uma proposta fundamentalmente nova. Pelo fato de deixar sua pátria, a Palestina, pôde desligar-se de suas características nacionalistas e irrompeu no mundo romano como um movimento messiânico de amplitude internacional. Além de valorizar o homem, atribuindo-lhe alma imortal, tornou-o membro de uma nova família universal, presidida por um Deus único que se manifestara sob forma humana e histórica. Simples e consistente na doutrina, a nova religião trazia uma mensagem escatológica (1), relativa ao final dos tempos, centrada na ideia da ressurreição e glorificação, inédita no mundo antigo.
A mensagem de salvação imediata baseava-se na transformação espiritual a partir da conversão individual a Jesus Cristo: embora não operada pelos homens, mas pela graça divina, a salvação consistia numa opção possível a todos.
Penetrando mais facilmente entre os escravos da cidade, o Cristianismo atingiu todas as camadas da população. O Estado romano vivia um momento de transição e, diante da inquietação gerada pela crescente crise político-econômica, a mensagem de salvação espiritual representava importante compensação. E o Cristianismo pregava antes de tudo o distanciamento dos problemas terrenos, prometendo a instauração de um mundo novo para além do mundo visível. Por outro lado, as comunidades cristãs viviam em comunhão de bens, pregando a igualdade de todos perante Cristo. Dessa forma, embora visando essencialmente a salvação espiritual, a mensagem cristã ganhou a conotação de revolução social e atraiu a população injusticada.
Desta forma, no séc. III, com a decadência dos cultos tradicionais romanos, o cristianismo passou a ser uma força considerável.
Quando o imperador Constantino decidiu aceitar o Cristianismo, no início do séc. IV, seus motivos foram predominantemente políticos, mas tiveram um significado transcendental, pois, posteriormente, o Cristianismo tornar-se-ia a religião oficial do império.
Para poder consolidar o Cristianismo, foi necessário criar estruturas mais complexas para manter tanto a disciplina como para proteger a pureza da doutrina. Os presbíteros (2) foram substituídos por uma hierarquia de bispos e começou a emergir uma estrutura diocesana (3). A Igreja Cristã desenhou sua própria organização baseando-se no Império Romano.
Os bispos reuniam-se em sínodo (4) nas capitais provinciais e os pertencentes a centros metropolitanos recebiam dignidades especiais. Roma, que havia sido a sé de São Pedro, recebeu uma primazia de honra, apesar de que seus bispos deviam compartilhar hierarquia e poder com os de Antióquia e os de Alexandria e, depois, com os de Constantinopla e os de Jerusalém.
Para as decisões importantes, principalmente em assuntos doutrinários, o clero reunia-se em assembleia. As mais famosas foram: O Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia (325), o Concílio de Constantinopla (381), o de Éfeso (431) e o de Calcedônia (451). Estes encontros eram, teoricamente, porta-vozes da Igreja, porém, de fato, ao ser a religião do Estado, o cristianismo esteve sujeito à influência imperial.
2 – ORGANIZAÇÃO DA IGREJA: O CLERO
A organização institucional da Igreja foi o resultado de uma evolução gradativa. Nos primitivos tempos da nova religião, os cristãos se reuniam em casas particulares, compartilhando da refeição eucarística, repetindo orações e recontando histórias da missão de Jesus.
No séc. III o Cristianismo, que já estava desligado do contexto judaico, deparou-se com situações novas. A Igreja ampliava sua influência e constituía um grande povo. Mas, para consolidar sua expansão, era necessário organizar-se.
As instituições eclesiásticas e as posições doutrinárias tiveram desenvolvimento paralelo: os fundamentos da autoridade residiam na origem apostólica. O termo ?apóstolo? era considerado por Paulo de Tarso (10-67 d.C.) em sua acepção etimológica – significando ?enviado?. A eleição de um apóstolo provinha então de uma ordem carismática – de um apelo do Espírito Santo -, qualificando-o para a pregação do Evangelho. E sua autoridade era aceita desde a comunidade de Jerusalém, sendo ele igualado aos doze escolhidos.
As primeiras autoridades da Igreja foram os apóstolos, aqueles discípulos a quem Jesus pessoalmente confiara a responsabilidade primária de continuarem sua obra. À medida, porém, que a Igreja se difundia, cada congregação passou a ter necessidade de uma liderança própria, para ensinar o credo crescentemente complexo, administrar os sacramentos, gerir a propriedade que a congregação possuía em comum e tomar providências em relação às necessidades materiais de seus membros
Desde o início do Cristianismo, os Apóstolos tinham auxiliares, eleitos pelo carisma divino. Suas funções eram administrativas e eles se dividiam em presbiteroi (anciãos) e episcopoi (fiscais) e diáconos (servidores). Quando se tornaram importantes, essas funções passaram a depender da escolha da comunidade. De modo geral, os ministérios carismáticos transformaram-se em ministérios institucionais. Seus titulares eram qualificados para transmitir a seus sucessores o carisma recebido. Repousado no rito da imposição das mãos ou ordenação – que conferia a autoridade para o exercício do ministério – definiu-se então o sistema hierarquizado do Cristianismo.
Havia duas classes de ministros eclesiásticos: os diáconos – encarregados da vida material das comunidades e das obras assistenciais – e os presbíteros ou bispos – que exerciam as funções espirituais e litúrgicas. Presbíteros e bispos, termos inicialmente sinônimos, atuavam de forma colegiada numa comunidade em que houvesse vários deles. Depois, esses ministérios se bipartiram, desenvolvendo-se a doutrina do episcopado. O bispo representava diretamente Cristo, garantindo a ortodoxia e guardando a plenitude dos poderes sacerdotais. Entretanto, quando as comunidades se multiplicaram, uma parte das atribuições do bispo passou ao presbítero. Embora submisso à autoridade episcopal, ele se revestiu das funções sacerdotais.
O termo latino sacerdos (sacerdote), designando o presbítero ou padre, só apareceu na linguagem eclesiástica no início do séc. III. Tanto para os judeus como para os pagãos, o sacerdote era essencialmente um sacrificador. No Cristianismo primitivo, entretanto, só existia o sacrifício da cruz, sendo Cristo o único sacerdote verdadeiro por ter imolado a si mesmo. E o termo sacerdos, quando adotado, fundou-se na concepção da Eucaristia como o sacrifício da Nova Aliança entre Deus e os homens.
Os bispos eram considerados descendentes diretos dos Apóstolos. Essa crença justificava-se na afirmação de que os primeiros seriam nomeados por um apóstolo que, pela imposição das mãos, transmitira-lhes sua autoridade. E a ?sucessão apostólica?, como uma linha contínua e fiel à lei dos Apóstolos, tornou-se garantia da ortodoxia doutrinal: uma Igreja que, através dos bispos, se reivindica descendente legítima dos Apóstolos, não poderia jamais contaminar-se pela heresia.
As sedes episcopais não possuíam a mesma importância e autoridade. Algumas, estabelecidas nas metrópoles regionais particularmente importantes, atuavam como igrejas-mães em relação às igrejas episcopais das províncias. Originou-se então a igreja metropolitana e a organização em províncias eclesiásticas, baseadas nas províncias do Império. Sedes como Alexandria e Antióquia destacavam-se entre as metropolitanas. Entretanto, a primeira posição na hierarquia eclesiástica foi reivindicada pelo bispo de Roma, mesmo depois da mudança da capital para Constantinopla. Acreditava-se que a igreja romana fora fundada pelos apóstolos Pedro e Paulo. A primazia de Pedro no colégio apostólico – Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (Mateus 16, 18) – perpetuou-se em todo o episcopado na pessoa do seu sucessor. E, se o prestígio do bispo de Roma cresceu devido à supremacia política da capital, reforçou-se pelo conceito da sucessão apostólica.
Várias vezes, durante os conflitos disciplinares e doutrinários do fim do séc. II e no séc. III, os bispos de Roma reivindicaram uma autoridade de arbítrio. E quase toda a cristandade ocidental se dispunha a aceitá-la. Entretanto, o papado só se definiu mais tarde, pois, nos primeiros séculos, a Igreja considerava-se episcopal na estrutura concreta e em sua justificação teórica. A maior autoridade desse período estava acima da individualidade do bispo: eram os sínodos e concílios provinciais ou regionais.
À medida que aumentavam os membros da Igreja, distinção mais forte se fez entre os catecúmenos (5), recém-chegados à religião que recebiam instrução sobre a fé, e aqueles que já haviam sido batizados e tinham permissão de tomar parte na Eucaristia e em outros ritos sagrados.
De hábito, os clérigos (6) não eram casados, pois o celibato era considerado como meritório, mas só muitos séculos depois tornou-se esse costume obrigatório para todos os membros do clero.
O clero dividia-se em duas categorias: regular e secular. O clero regular, compreendia os monges e frades ordenados e outros que viviam em comunidades monásticas. Seu nome deriva do latim regula, que significa regra; quer dizer que eles se submetiam aos regulamentos especiais de suas comunidades monásticas, que incluía os três votos de pobreza, castidade e obediência aos seus superiores. O clero secular compreendia o grande número de padres e bispos que viviam a vida quotidiana em contato com o mundo dos leigos. Seu nome deriva-se da palavra latina saecula, termo figurativo para o mundo das preocupações materiais. Todos os clérigos acima do grau de subdiácono estavam sujeitos à regra do celibato, mas o clero secular, diversamente do regular, não era impedido de possuir bens materiais.
3 – A IGREJA CONSTITUÍDA
Quatro são os fundamentos em que se assenta a natureza da Igreja: una, santa, católica, apostólica.
Nascente a partir do cristianismo, como igreja militante, com um clero e um laicato (7), poder de ordem e jurisdição, tem a Igreja Católica mantido a sua unidade ao longo de vinte séculos. Essa unidade vem sendo combatida ao longo dos séculos pelas heresias, pelos cismas, pelas secessões.
Duas secessões, ao longo desses vinte séculos, marcaram o desligamento de ramos importantes, que vieram dividir a cristandade primitiva e constituir formas de civilização até por vezes antagônicas, mas sem ferir a unidade original do tronco. A primeira dessas secessões foi a bizantina, provocada pela separação entre Roma e Constantinopla, devido a discussões irredutíveis em torno de problemas teológicos. Formou-se, assim, a Igreja Ortodoxa, que vinha do séc. VI mas se positivou em 1054, com a excomunhão de Miguel Cerulário pelo Papa Leão IX. Mais tarde, transferiu a sua sede de Bizâncio para Moscou.
Quanto ao Maometismo, no séc. VII, – quando Maomé se apresentou como o próprio portador da revelação divina e o Cristo passou a figurar como um profeta. O Alcorão substituiu os Evangelhos e a raça árabe formou uma religião anticristã, – religião própria, de tipo semítico, com certos vestígios de Hebraísmo e Cristianismo, em que desaparecem os sacramentos.
A segunda secessão foi a Reforma protestante, no séc. XVI, que arrastou consigo a separação da Alemanha, da Inglaterra e mais tarde dos Estados Unidos, na base da exaltação do livre exame individual das Escrituras sagradas contra a autoridade e a tradição, invariavelmente afirmadas pela Igreja Romana, como cimento da unidade cristã.
Embora essas divisões afetassem fundamentalmente a Cristandade, isto é, a civilização baseada nos ensinamentos evangélicos, manteve-se a unidade através dos séculos, fiel a uma dogmática baseada nos ensinamentos diretos de Jesus Cristo, tais como registrados nas Sagradas Escrituras e transmitidas pela tradição e pela autoridade central, – a Igreja.
Só no Ocidente, ao longo dos vinte séculos de sua ininterrupta unidade, viu a Igreja cair o Império Romano e surgir o feudalismo depois das invasões dos bárbaros; viu cair o feudalismo e surgirem as monarquias absolutas do Renascimento; como viu caírem essas monarquias, sucessivamente depois do séc. XVIII e surgir a civilização burguesa (8), baseada nas declarações dos Direitos do Homem e nos regimes republicanos; como neste século está vendo o fim da civilização liberal e burguesa e o surgimento dos regimes totalitários, de tipo comunista ou de tipo fascista e as ditaduras ou democracias populares.
Essa unidade, em parte, é sustentada devido ao seu segundo fundamento, ou seja, a santidade, pela preeminência do seu caráter sobrenatural, como sendo o próprio Cristo misticamente presente entre os homens até a consumação dos séculos. Seu objetivo não é de ordem temporal, mas eterna, de ordem espiritual e não social. Ela foi fundada para servir e não para ser servida, como o seu próprio fundador. Daí sua independência em face das raças, das civilizações, das línguas, dos governos, de tudo o que seja de ordem puramente natural. Finalmente, esse princípio de santificação não implica que a Igreja seja uma Assembleia de perfeitos, o que foi declarado por Santo Agostinho como heresia, mas uma comunidade de fiéis à busca da perfeição, em si e nos outros.
Sobre o seu terceiro fundamento, – católica, etimologicamente, esta palavra significa universal. Daí o seu anti-racismo invariável como o seu antinacionalismo, sempre que racismo se entenda como predomínio de uma raça sobre outra por motivos de superioridade étnica, e nacionalismo uma extralimitação de direitos e uma afirmação também de superioridade de uma só nação, dando lugar logicamente ao imperialismo e ao genocídio. Uma Igreja Católica nacional é uma contradição nos termos. Quando falamos em Igreja Católica temos sempre em mente ou devemos ter, o seu caráter eminentemente supranacional, supra-racial, supracontinental, suprapolítico ou econômico.
A apostolicidade da igreja é o seu caráter final e deve ser entendido em dois sentidos, no tempo e no espaço. A Igreja é apostólica porque deriva do seu fundador, Jesus Cristo, através dos apóstolos e discípulos. A essa apostolicidade temporal segue-se uma apostolicidade espacial, segundo a qual a mensagem do Cristo deveria representar a conquista do mundo pagão para Deus, o Cristo e a Igreja, isto é, para a Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
A supressão de algum desses quatro fundamentos em que constituiu as colunas mestras do seu edifício, é sempre um sinal de decadência ou de recessão. Cada uma delas completa as outras.
4 – OS CONCÍLIOS
O clero de cada congregação mantinha estreito contato com a das outras congregações. Essa associação entre o clero muito fez para fortalecer a Igreja, pois permitia que uma congregação auxiliasse outra em tempo de necessidade; ajudava a impedir a difusão de heresias e possibilitava consultas entre várias congregações. Tal associação também trabalhou para fortalecer a posição do clero sobre os membros leigos de sua congregação.
Com o decorrer do tempo, tendeu a Igreja a seguir o padrão de organização usado na administração do Império Romano. Assim, as congregações se agruparam de acordo com as municipalidades e províncias em que se situavam. Os bispos das cidades principais passaram a ser conhecidos como bispos metropolitanos e conquistaram preeminência sobre os bispos de municipalidades menores. No terceiro século, esses bispos metropolitanos deram início ao costume de convocar concílios provinciais, a que eram chamados os representantes do clero de todas as cortes da província. Às vezes, concílios ecumênicos (9), ou assembleias de todos os bispos do mundo cristão, eram convocados para tratar de questões que envolviam a Igreja inteira.
Alguns desses concílios ecumênicos, como o que se reuniu em 325, foram muito importantes na história da Igreja. Contudo, não se reuniam tantas vezes nem exerciam influência tão grande como se poderia esperar. Isto em parte se devia às dificuldades surgidas em poderem homens viajar de todo o Império para um local comum de encontro e, depois, em serem induzidos a chegar a acordo sobre as questões postas em debate. Mas também se devia ao prestígio crescente do Papado, que igualmente proclamava representar a Igreja como um todo.
Diante das lutas para manter a pureza da nova doutrina, e para dirimir deficuldades internas, um primeiro concílio – o de Jerusalém – foi realizado nos primórdios do estabelecimento do cristianismo (ano 49), segundo narração em At. 15.
Somente a partir de meados do séc. II, no entanto, é que maior número de concílios (sínodos) se realizam, com a finalidade de resolver questões relativas às heresias da época. O primeiro deles parece ter-se realizado na Ásia Menor, com o fim de adotar medidas contra o montanismo, para discutir questões sobre a Páscoa e estabelecer o cânon do Novo Testamento. Certos escritos, entre os quais muitos apócrifos, surgiram nessa época, como o Didaquê [ensino do Senhor através dos doze Apóstolos], anterior ao ano 150. O Didaquê tratava de instrução moral, da liturgia, da disciplina e dos ofícios eclesiásticos, além de uma exortação final sobre o breve retorno de Jesus e a ressurreição dos mortos. Os primeiros teólogos e os primeiros Padres da Igreja são dessa época.
A partir de 325, com o Concílio de Nicéia, começam os concílios maiores, chamados ecumênicos, convocados para estabelecer a posição da Igreja ante doutrinas consideradas heréticas. Nesse primeiro concílio geral aprova-se o credo de Nicéia, como resposta ao arianismo; em 381 (Constantinopla I) define-se a natureza da divindade do Espírito Santo; em 431 (Éfeso) trata-se da unidade pessoal de Cristo e da Virgem Maria; em 451 (Calcedônia) definem-se as naturezas divina e humana de Cristo; em 553 (Constantinopla II) condenam-se os ensinos de Orígenes e de outros; em 680-681 (Constantinopla III) são dogmatizadas as duas naturezas de Cristo; em 787 (Nicéia II) é regulada a questão da veneração das imagens.
5 – ASCENSÃO DO PAPADO
O Papa era o Bispo de Roma. Seu papel, porém, envolvia muito mais do que a supervisão da diocese romana, pois ele afirmava ser o chefe espiritual da Igreja, abençoado com a orientação especial do Espírito Santo, e todos os católicos romanos conheciam essa afirmação. Repousava ela na base de que Jesus designara o Apóstolo Pedro como chefe da nova Igreja e Pedro, que se tornara o primeiro Bispo de Roma, passara a direção de toda a Igreja, e não somente a diocese de Roma, aos seus sucessores no Bispado Romano.
A coexistência entre a Igreja e o Estado Romano não se manifesta somente ao nível institucional e político, mas também no mundo teológico e filosófico. Os cristãos se abrem cada vez mais à filosofia pagã, particularmente ao neo-platonismo e ao estoicismo. O primeiro dá ao cristianismo a sua cosmovisão e novas categorias teológicas; o segundo, a sua formulação ética. A situação parecia concretizar o que Justino escrevera no séc. II: Todos os princípios justos que os filósofos e os legisladores descobrirtam, eles o devem ao fato de haverem contemplado parcialmente o lógos. A doutrina de Platão não é estranha à do Cristo, assim como a dos estóicos. Mas cada um deles não pode exprimir senão uma verdade parcial.
Clemente de Roma também afirmara que um centro de unidade política poderia ser fator da unificação institucional das Igrejas.
A pax romana, com a vertiginosa expansão da Igreja e suas lutas internas, sente-se ameaçada. Com a morte de Constantino (337) e a divisão do império entre os seus três filhos, novamente a situação torna-se hostil para a Igreja. Entretanto, Teodósio o Grande proíbe o culto pagão, quando a partir de então muitos templos pagãos são destruídos ou transformados em igrejas.
No início do séc. V, o bispo de Roma já havia conquistado posição de destaque. Devia-se isso não somente à crença de que o apóstolo Pedro ali fundara uma Igreja, como também à ortodoxia do bispado em meio à crise ariana e sua firmeza durante as invasões germânicas. Em 445, Leão I conseguiu que Valentiniano III, imperador do Ocidente, promulgasse um edito estabelecendo a primazia do bispo de Roma como sucessor do primado de São Pedro. Tal fato levou Constantinopla, em 451, a declarar-se com a mesma autoridade de Roma. Esboçava-se a futura separação, que seria mais política do que religiosa, entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.
Outras circunstâncias ajudaram o Papa a ganhar uma posição de liderança. Num tempo em que todo o Império se acostumara a olhar para Roma como o centro político do mundo civilizado, era natural que os cristãos de todo o Império buscassem em Roma orientação espiritual. Assim, o Papa se tornou uma réplica do imperador. Mais tarde, quando o Império se dividiu em duas partes e o imperador se estabeleceu em Constantinopla, o Papa conseguiu prestígio ainda maior, pois continuou a representar o princípio da liderança romana. Além disso, vários dos primeiros papas foram homens de notável estatura, que fizeram bom uso de sua posição para manter o poder da Igreja sobre o Estado. No oriente, os imperadores em geral controlavam as igrejas; ao contrário de Roma com o césaro-papismo, a Igreja do Oriente nunca exerceu o poder temporal. E, enquanto as igrejas do leste (onde a tradição grega de especulação filosófica permanecia forte) muitas vezes se embaralhavam em controvérsias doutrinárias, tais lutas raramente agitavam as igrejas do Ocidente. Desse modo, Roma veio a ser conhecida como o baluarte da doutrina ortodoxa cristã.
No séc. XIX, mais precisamente em 1870, a teoria gregoriana do primado do papa é consolidada no Concílio Vaticano I, com a declaração da infalibilidade papal.
(1) Escatologia – 1 – Doutrina sobre a consumação do tempo e da história. 2 – Tratado sobre os fins últimos do homem.
(2) Presbítero – Sacerdote, padre.
(3) Diocese – Circunscrição territorial sujeita à administração eclesiástica de um bispo.
(4) Sínodo – Assembleia regular de párocos e outros padres, convocada pelo bispo local.
(5) Catecúmeno – Aquele que se prepara e instrui para receber o batismo.
(6) Diácono – Clérigo no segundo grau das ordens maiores, imediatamente inferior ao presbítero, ou padre.
(7) Laicato – Relativo a leigo.
(8) Burguesia – Classe social que surge na Europa em fins da Idade Média, com o desenvolvimento econômico e o aparecimento das cidades, e que vai, gradativamente, infiltrando-se na aristocracia, e passa a dominar a vida política, social e econômica.
(9) Ecumênico – O sentido empregado no texto é o de universal.
TEXTOS EXTRAÍDOS DE:
DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo.
Atlas da História Universal.
SAVELLE, Max. História da Civilização Mundial.
Dicionário Prático Ilustrado. Lello & Irmãos Editores, Porto.
Enciclopédia Britânica.
MIRANDA, Hermínio C. Cristianismo: a mensagem esquecida.
Diversas Religiões. Abril Cultural.
ANEXO
O texto abaixo foi extraído do livro Cristianismo e Espiritismo, de Léon Denis, no qual o autor, embora criticando os erros e omissões da Igreja, não deixa de reconhecer o papel fundamental exercido por ela na construção da sociedade atual.
Apesar de todas as críticas, fundadas ou infundadas, tecidas ao longo destes vinte séculos, é justo recordar os serviços prestados pela Igreja à causa da Humanidade. Sem a sua hierarquia e sólida organização, sem o papado, que opôs o poder da ideia, posto que obscurecida e deturpada, ao poderio do gládio, tem-se o direito de perguntar o que se teria tornado a vida moral, a consciência da Humanidade. No meio desses séculos de violência e trevas, a fé cristã animou de novo ardor os povos bárbaros, ardor que os impeliu a obras gigantescas como as Cruzadas, à fundação da Cavalaria, à criação das artes na Idade Média. No silêncio e na obscuridade dos claustros o pensamento encontrou um refúgio. A vida moral, graças às instituições cristãs, não se extinguiu, a despeito dos costumes brutais da época. Aí estão serviços que é preciso agradecer à Igreja, não obstante os meios de que ela se utilizou para a si mesma assegurar o domínio das almas.
Em resumo, a doutrina do grande crucificado, em suas formas populares, queria a obtenção da vida eterna mediante o sacrifício do presente. Religião de salvação, de elevação da alma pela subjugação da matéria, o Cristianismo constituía uma reação necessária contra o politeísmo grego e romano, cheio de vida, de poesia e de luz, mas não passando de foco de sensualismo e corrupção. O Cristianismo tornava-se um estágio indispensável na marcha da Humanidade, cujo destino é elevar-se incessantemente de crença em crença, de concepção em concepção, a sínteses sempre e cada vez mais amplas e fecundas.
O Cristianismo, com os seus doze séculos de dores e trevas, não foi uma era de felicidade para a raça humana; mas o fim da vida terrestre não é a felicidade, é a elevação pelo trabalho, pelo estudo e pelo sofrimento; é, numa palavra, a educação da alma; e a via dolorosa conduz com muito mais segurança à perfeição que dos prazeres.
O Cristianismo representa, pois, uma fase da história da Humanidade, a qual lhe foi incontestavelmente proveitosa; ela, a Humanidade, não teria sido capaz de realizar as obras sociais que asseguram o seu futuro, se não se tivesse impregnado do pensamento e da moral evangélicos.
Fonte: BOLETIM GEAE | ANO 09 | NÚMERO 414 | ABRIL DE 2001