por Alexandre Fontes da Fonseca
1. FÍSICA E ESPIRITISMO II: ENERGIA E MATÉRIA
Na aula anterior comentamos sobre como a teoria quântica da matéria confirma algumas afirmativas feitas pelos espíritos sobre as propriedades da matéria, em resposta a algumas questões do Livro dos Espíritos [1]. Aqui comentaremos sobre um conceito associado à matéria, frequentemente lembrado em textos espíritas: a energia. Ao tempo de Kardec, energia e matéria eram conceitos dissociados e somente no início do século passado, ambos os conceitos foram conectados. Isso decorre da Teoria da Relatividade, ilustrada pela célebre equação de Albert Einstein: E = mc². Essa equação demonstra a equivalência em energia de determinada porção de matéria cuja massa vale m¹. Como c² é um número relativamente elevado (da ordem de 10¹¹ km²s-² em unidades do Sistema Internacional), uma pequena quantidade de massa contém uma grande quantidade de energia.
Ao tempo de Kardec, o conceito de energia era algo independente do conceito de matéria. Isso pode ser verificado através dos teoremas ou leis de conservação, em Física Clássica, para a energia total e para a quantidade de massa em um sistema isolado. Energia e massa eram conservados de forma separada em cada fenômeno físico. Contudo, com a Teoria da Relatividade, energia e matéria se tornaram ligadas, e um novo teorema surgiu: a lei de conservação de massa-energia. Além da energia associada ao movimento, a chamada energia de repouso de um objeto tem que ser levada em consideração nos fenômenos em que a teoria clássica não vale. Experimentos modernos constataram que tanto a matéria pode ser transformada em energia quanto a energia pode se transformar em matéria. Isso demonstra que a matéria não é, em sua essência, algo sólido e denso como os nossos cinco sentidos nos fazem pensar. Ela tem que ser algo muito mais sutil e dinâmico para que possa se transformar em algo que é, por natureza, sutil e dinâmico.
É mais apropriado dizer, portanto, que energia e matéria são dois “estados” de um mesmo elemento universal. O Espiritismo fornece uma informação que se encaixa perfeitamente a isso ao dizer que toda a matéria que conhecemos decorre de um elemento primitivo batizado de Fluido Universal. Desde que matéria pode se transformar em energia e vice-versa, concluímos diretamente que a energia também é algo que decorre de alguma transformação do Fluido Universal.
Isso nos leva a uma interessante conclusão espírita: se energia é algo de natureza material, a essência do Espírito (ou princípio inteligente) não pode ser energética. Segundo os espíritos (questões 27 e 79 do Livro dos Espíritos [1]), existem dois princípios gerais no Universo: um elemento primitivo material (Fluido Universal) do qual decorre tudo o que chamamos de matéria; e um princípio inteligente do qual se individualizam os espíritos. Como o princípio inteligente não pode estar sujeito às leis que regem o comportamento da matéria, ele não pode ter natureza energética pois estaria suscetível às leis que regem as diversas transformações de energia. Em outras palavras, se o espírito fosse, em sua essência, uma outra forma de energia ele estaria sujeito à processos que poderiam transformá-lo em outras formas de energia ou mesmo em matéria já que, como vimos, energia pode ser transformada em matéria. Este comentário serve de apoio para analisarmos uma afirmativa do nosso amigo Chico Xavier: “espírito e energia são a mesma coisa” (ver página 25 da referência [2]). Como podemos verificar, perante conhecimentos atuais em Física, essa afirmativa está em desacordo com a Doutrina Espírita e a recomendação de Emmanuel é ficarmos com o Espiritismo.
Um ponto muito importante sobre a ideia de energia e matéria é que a realidade material que os nossos sentidos nos fazem perceber à nossa volta é verdadeiramente ilusória. A matéria possui uma estrutura cujas partes possuem propriedades diferentes do que estamos acostumados a perceber. Para nós espíritas, a matéria é uma transformação de uma dada porção de Fluido Universal que, por natureza, é o elemento material mais sutil disseminado pelo Universo. Para os cientistas, a matéria é algo misterioso. Levando-se em conta o desenvolvimento da teoria quântica da matéria, os cientistas não podem mais dizer com precisão o que é ou em que consiste aquilo que se chama matéria. O que é um elétron ou um quark? Ninguém sabe por enquanto. Apenas sabemos que eles existem, possuem determinadas propriedades físicas e obedecem a determinadas leis. A visão científica do mundo material se alterou bastante desde o tempo de Kardec e essa mudança é positiva pois a matéria, hoje, é vista como algo mais dinâmico e sutil.
Nas próximas aulas, iniciaremos a discutir se os fenômenos mediúnicos podem ou não ser chamados de quânticos.
2. REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS NA PESQUISA ESPÍRITA
Na aula anterior comentamos sobre a diferença de valor científico entre um livro texto, um artigo científico, um artigo de divulgação e um livro de divulgação. A partir desta aula, iniciaremos a falar sobre o uso dessas fontes de informação na pesquisa espírita.
Pretendemos analisar o valor científico² de um trabalho de pesquisa espírita que utiliza conceitos de outras áreas do conhecimento. Em outras palavras, desejamos desenvolver critérios que possam guiar os estudiosos e pesquisadores espíritas em seus trabalhos. Não estamos considerando os trabalhos que apenas citam ou retransmitam os resultados recentes de outras pesquisas. Muito menos, estamos considerando aqui as ideias e especulações baseadas na opinião pessoal (mesmo a de um cientista) ou com base em alguma intuição pessoal. Estamos considerando o caso em que um trabalho de pesquisa resultará em conhecimento novo, mesmo que simples, ou em uma nova análise de um assunto já conhecido. Em outras palavras, estamos tratando de uma contribuição real ao conhecimento espírita, mesmo que seja algo simples (a simplicidade é amiga da ciência). Além de estarem em acordo com o Espiritismo e com as ciências básicas que foram utilizadas, as ideias decorrentes de um trabalho de pesquisa espírita devem ser úteis para o progresso da Humanidade, mesmo que, repetimos, se trate de algo simples.
Por essa razão, é extremamente importante saber se a base que estamos estudando e usando para construir o conhecimento é sólida. Se o assunto de estudo espírita envolver questões de ordem científica, as diferenças de valor científico entre livros e artigos, apresentadas na aula anterior (Boletim 488) pode determinar o grau de validade ou utilidade daquilo que produzimos. Se, por exemplo, utilizarmos somente livros de divulgação como base de nossas pesquisas, aumentamos a probabilidade de ter o valor dos nossos resultados reduzido a mera especulação pois o conteúdo desses livros é bastante mesclado de opiniões e pontos de vista de seus autores. Se, ao menos, conhecermos profundamente a área científica relacionada com o(s) livro(s) de divulgação utilizado(s), poderemos separar o que é opinião do autor dos conceitos científicos presentes no(s) livro(s). Certamente, que isso transparecerá no trabalho e precisamos estar seguros do nosso conhecimento para não cometer equívocos de ordem científica.
Essa é, apenas, uma face do problema sobre conhecer a fundo aquilo que pretendemos estudar. Muitas vezes nos interessamos em estudar coisas que não são de nossa especialidade e apesar de termos capacidade de aprender qualquer coisa, não será com fontes bibliográficas destinadas à divulgação pública (livros e artigos de divulgação) que nos tornaremos especialistas e conhecedores profundos de uma área qualquer do conhecimento.
Por isso recomendamos aos que pretendem escrever artigos ou livros para o público espírita sobre temas ligados a tópicos científicos que desconhecem, que procurem fontes básicas de reconhecido valor científico (livros texto e artigos científicos) para embasar o seu estudo; ou procure profissionais cientistas na área do assunto que se deseja estudar para consulta, ajuda e orientação. Vejamos o ponto de vista de Kardec:
Kardec, ao dizer que um cientista não tem autoridade para ajuizar se a Doutrina Espírita é correta ou não, simplesmente, por ser um cientista, sem querer nos fornece um valioso argumento com relação aos cuidados com os trabalhos de ordem científica. No item VII da Introdução do Livro dos Espíritos [1] Kardec diz: “Com relação às coisas notórias, a opinião dos sábios é, com toda razão, fidedigna, porquanto eles sabem mais e melhor do que o vulgo.” Mais adiante, nesse mesmo parágrafo, ele diz: “Assim, pois, consultarei, do melhor grado e com a maior confiança, um químico sobre uma questão de análise, um físico sobre a potência elétrica, um mecânico sobre uma força motriz.” Diante do grande desenvolvimento e da enorme complexidade atingida em todas as áreas do conhecimento, é mais prudente que os especialistas de cada área analisem como os conceitos de sua área se ligam (ou não) com o Espiritismo.
Muitas vezes somos incapazes de ler e entender os livros texto por causa da linguagem técnica e do emprego de notação especializada. É mais fácil para nós lermos artigos ou livros de divulgação. Certamente, há muitas informações úteis em livros e artigos de divulgação, que podem servir de insight para algumas ideias espíritas. Mas o trabalho científico requer algo mais do que apenas o primeiro insight. Além disso, em face do volume do conhecimento adquirido e da enorme tendência mundial para justificar atividades místicas de forma científica, a situação pode ser comparada a um campo onde procuramos determinada erva sem conhecermos quase nada sobre ela e sobre outras plantas. A chance de colhermos um joio acreditando ser a erva é muito grande quando consultamos livros de divulgação sem termos base mais aprofundada sobre o assunto. E, se não temos condições de avaliar se algo é cientificamente correto ou não, a recomendação espírita é que “mais vale repelir 10 verdades que admitir uma só mentira, uma só teoria falsa” (Espírito de Erasto no item 230 da ref. [3], e ref. [4]).
Notem que os comentários acima não sugerem que não se deve ler essa ou aquela obra; esse ou aquele determinado tipo de publicação. A recomendação que estamos fazendo aqui diz respeito ao significado da palavra “discernir” presente na seguinte afirmativa de Paulo de Tarso “Discerni tudo e ficai com o que é bom” (1 Ts 5,21). A dificuldade é que em matéria de ciência, em geral, não temos base segura para “discernir tudo”.
Na próxima aula citaremos alguns exemplos de pesquisa espírita ou de interesse espírita que possuem valor científico.
¹m aqui, se refere à massa de repouso da partícula, isto é, a massa medida num referencial inercial que esteja em repouso com relação a ela.
²Aliás, esse é um dos objetivos desse conjunto de aulas sobre Ciência e Espiritismo: fornecer subsídios diversos para o pesquisador espírita avaliar a qualidade de seu trabalho de pesquisa espírita.
Referências
[1] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição (1995).
[2] M. S. Maior, Por trás do véu de Isis. Uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos, Editora Planeta, (2004).
[3] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 62ª Edição (1996).
[4] A. Kardec, Revista Espírita 8, p.257, (1861).
Fonte: Boletim GEAE 13(489), 15/03/2005