Aula 13. O Espiritismo e a Universidade

por Alexandre Fontes da Fonseca

 

O Espiritismo é a única doutrina espiritualista que não foi desenvolvida unicamente a partir dos esforços intelectuais de uma única pessoa ou único grupo de pessoas. Ele representa o ensinamento dos Espíritos, seres humanos despojados do corpo físico, que além de descortinarem um mundo espiritual além dos limites da matéria, eles próprios apresentaram as leis que o regem. O Espiritismo não representa o mérito de um único Espírito pois por mais inteligente e evoluído que fosse, jamais forneceria as experiências que o conjunto de Espíritos, com maior ou menor grau evolutivo, poderia dar. Essa é uma característica muito especial pois se porventura todos os livros espíritas fossem destruídos, os Espíritos poderiam se comunicar novamente transmitindo suas mensagens aos homens.

Mesmo sabendo que a autoria do Espiritismo pertence aos Espíritos, sabemos que eles não poderiam tê-la materializado sozinhos. Eles precisaram da uma mente sensata para o trabalho de codificação do Espiritismo. Coube ao nosso irmão Allan Kardec, de reconhecida altura moral e intelectual, o trabalho de receber as informações dos Espíritos, analisá-las e deduzir as leis que regem o mundo espiritual, construindo a Doutrina Espírita que é o nosso porto seguro no estudo das verdades espirituais. A formação de Kardec como educador levou-o a escrever a Doutrina Espírita de modo bastante didático, facilitando o estudo de cada pessoa interessada independente do grau de instrução.

Curiosamente, os Espíritos superiores não desejaram aproveitar o prestígio que o sobrenome Rivail detinha como educador e cientista, junto às academias de Ciência da sua época. Eles sugeriram que Rivail se utilizasse de um nome usado por ele em outra encarnação, para então assinar as obras da codificação: Allan Kardec. Esse fato é muito importante pois revela que os Espíritos superiores não tiveram a intenção do Espiritismo nascer como uma disciplina científica, no interior das cátedras, com o brilho e o respeito análogos aos das teorias modernas da época. Quiseram os Espíritos que o Espiritismo nascesse como uma humilde porém verdadeira doutrina destinada a todas as pessoas sem distinção, que não estivesse circunscrita a um meio social em especial e que não fosse privilégio de alguns poucos iniciados no campo da Ciência e da Filosofia. Os Espíritos desejaram (e desejam ainda) que as pessoas busquem conhecer o Espiritismo não pelo prestígio pessoal de Rivail, mas pelo simples e sincero interesse pelo assunto.

Estamos dizendo isso pois o Movimento Espírita já a mais de 10 anos [1] vem discutindo as possíveis relações entre o Espiritismo e a instituição conhecida como Universidade. Alguns companheiros defendem a inserção do Espiritismo na Universidade como disciplina científica e tópico de pesquisa chegando ao ponto de acreditarem ser esse o único caminho para o progresso do Espiritismo [2], enquanto que outros, sem discordarem de modo absoluto, levantam questionamentos e analisam algumas consequências dessa ideia [1].

Nesta aula, analisaremos a necessidade do Espiritismo se inserir nos meios acadêmicos como condição de sobrevivência e, em seguida, comentaremos a respeito de algumas características ideais que uma Universidade Espírita deve satisfazer, ao nosso ver, para cumprir de modo eficiente o papel que a sociedade espera de uma instituição desse porte. Os comentários a seguir foram tirados de alguns trabalhos de nossa autoria sobre o assunto, publicados na literatura espírita [3-7].

A sobrevivência do Espiritismo e do Movimento Espírita não depende da Universidade abrigá-lo como teoria acadêmica ou tópico de pesquisa. A sobrevivência do Espiritismo depende exclusivamente do Movimento Espírita, de como ele trabalha a divulgação e a prática dos conceitos e ensinamentos doutrinários (vide o Editorial deste Boletim). Aliás, assim se expressou Leon Denis na introdução do livro No Invisível: “O Espiritismo será o que o fizerem dele os homens”. Individualmente, a sobrevivência do Espiritismo depende de nosso esforço no estudo e na prática da Doutrina Espírita em pleno acordo com os ensinamentos cristãos. Podemos acrescentar ainda que a sobrevivência do Espiritismo depende da recomendação do Espírito de Verdade presente no item 5 do Cap. VI de O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Espíritas! amai-vos, este o primeiro mandamento; instruí-vos, este o segundo”. Se soubermos nos amar uns aos outros (respeitando nossas diferenças e limitações) e nos mantermos sempre estudando (Jesus: “conhecereis a verdade e ela vos libertará” JO 8,32), toda atividade que iniciarmos em nome do Espiritismo progredirá tendo o apoio dos bons Espíritos.

Se a inserção do Espiritismo na Universidade não é condição necessária para sua sobrevivência, isso não significa que não pode haver benefícios decorrentes dessa inserção. Entretanto, qualquer projeto de inserção do Espiritismo na Universidade não poderá prescindir das recomendações do Espírito de Verdade de modo que o projeto esteja completo sem o risco de desvirtuar-se em seus objetivos mais nobres. Assim, antes de querermos ver tópicos espíritas divulgados nas paredes e corredores dos institutos e faculdades, devemos nos preocupar com nossa postura cristã perante nós mesmos e os colegas de trabalho. Sendo o meio acadêmico um local em que o orgulho encontra terra fértil para se desenvolver, como nós espíritas que estudamos ou trabalhamos em uma Universidade estamos nos portando com relação aos outros? Como nos sentimos quando nossos colegas obtém sucesso, destaque e premiações enquanto nosso trabalho caminha sem muita valorização? Como agimos perante os servidores de funções mais simples dentro da instituição que nos emprega? É certo que nos sentimos honrados ao sabermos da existência de mais uma tese espírita bem sucedida. Porém, tão importante ou mais, é ter a certeza de que o recém formado mestre ou doutor se esforçou por pautar seus atos pelos ensinamentos cristãos iluminados pelo Espiritismo. É certo que sentimos muita satisfação ao ter notícias sobre a publicação de artigos espíritas em revistas científicas, mas não devemos nos esquecer da alegria de nos sentirmos em esforço por nossa reforma íntima, muito mais necessária ao nosso aprimoramento do que o artigo científico. Não achamos que é errado buscar alargar os limites de divulgação do Espiritismo para além dos livros e periódicos espíritas. Mas a inserção do Espiritismo na Universidade, assim como qualquer projeto espírita perante a sociedade, deve ser completa e não ocorrer apenas sob o aspecto intelectual.

Aqui vale um importante comentário. O jovem espírita, estudante universitário, que deseja iniciar os estudos de pós-graduação, não deve, ao nosso ver, se sentir pressionado a realizar um projeto de pesquisa espírita. Sabemos do sucesso de alguns companheiros espíritas com teses ligadas ao Espiritismo, como a tese de Doutoramento na área de Educação da Dra. Dora Incontri [8]; na área de Psiquiatria do Dr. Alexander de Almeida [9] e de mestrado na área de Literatura de Alexandre Caroli Rocha [10] (ver Ref. [11] para conhecer uma lista de teses espíritas já realizadas). No entanto, isso não justifica nenhuma ansiedade ou precipitação em tentar realizar projetos de mestrado ou doutorado sem o apoio de um bom orientador, sem a preparação de um bom projeto em que as motivações, o cronograma de atividades e os objetivos previstos sejam bem analisados e descritos. Se um estudante espírita encontrar essas condições para a realização de seu curso de pós-graduação e tiver vontade de fazê-lo, certamente que ele terá o apoio não somente do Movimento Espírita mas também dos bons Espíritos. Mas se alguma dessas condições não puder ser satisfeita, é preferível adiar o ideal e realizar um bom mestrado ou doutorado em um assunto acadêmico usual, do que arriscar-se num projeto mal preparado e perder a chance de se formar de modo satisfatório. Ninguém deve achar que é falta de coragem moral realizar projetos de mestrado ou doutorado em outros assuntos que não envolvem o Espiritismo. O fato de uma tese ser espírita não torna os seus autores pessoas especiais e melhores que os outros assim como o fato de um projeto não ser espírita não torna o seu autor menos especial do que ninguém. Muitas vezes, uma boa tese em assunto não-espírita pode levar o seu autor(a) a conquistar oportunidades profissionais em posições de grande destaque acadêmico onde, como espírita, ele ou ela poderá fazer muito pela divulgação do Espiritismo.

Se a inserção do Espiritismo na Universidade é assunto que merece ainda muita discussão, a ideia de uma Universidade com adjetivo espírita é algo ainda mais delicado. Por exemplo, o que diríamos de um Hospital Espírita que oferecesse apenas água fluidificada e passes no tratamento aos necessitados, doentes e acidentados? Diríamos não se tratar de um Hospital e que no máximo seria uma Casa Espírita. Para que uma instituição seja um Hospital, é necessário que ela tenha tudo o que a sociedade prevê em suas leis para a existência e funcionamento de um Hospital, como médicos, enfermeiros, prédios adequados, equipamentos variados, etc. Da mesma forma, o que diríamos de uma Universidade Espírita que não satisfizesse tudo o que a sociedade espera de uma Universidade? A sociedade já conta com algumas instituições de ensino superior espíritas. Nossos comentários não se baseiam nas características dessas instituições e, portanto, não se referem a nenhuma delas. A nossa contribuição, aqui, se resume na discussão de algumas características que, ao nosso ver, são ideais para uma Universidade Espírita cumprir tudo o que a sociedade e o Espiritismo esperam dela.

Primeiramente, por ser espírita, deverá a Universidade Espírita, como um todo (instituição e servidores), pautar seu regulamento e comportamento pelos princípios da Doutrina Espírita. Sem exigir que ninguém se torne espírita (a lei garante a liberdade de crença religiosa), todas as atividades realizadas na Universidade Espírita e em nome dela deverão estar de acordo com os ensinamentos doutrinários e cristãos. Sendo uma instituição social com adjetivo espírita, a Universidade Espírita deverá ser um verdadeiro exemplo da máxima “Dai a César o que é de César e a Deus o que é Deus”, seguindo fielmente as leis civis sem faltar com as leis morais.

As pessoas olham a Universidade como um local de progresso, de geração de riquezas, de oportunidade e estudo. Alguns a veem como porta de entrada para uma carreira promissora e outros como o local onde a cura de determinadas doenças surgirá. O que as pessoas desconhecem é que para ter esse status a Universidade precisa realizar e manter uma série de atividades muito específicas executadas por pessoas com uma determinada formação e competência.

Uma Universidade se caracteriza pela união de diversas faculdades e institutos responsáveis, cada um, por uma área do conhecimento. Uma Universidade tem dois objetivos básicos: ensino e pesquisa. Como ensino, ela oferece cursos básicos de nível superior que preparam os indivíduos para a exerção de cargos e funções junto à sociedade. Oferece, ainda, como extensão, cursos específicos voltados para o interesse de determinados setores da sociedade como a comunidade e indústrias. Como pesquisa, a Universidade realiza trabalhos de teor básico e aplicado, sob o rigor científico de cada área específica. O produto de toda pesquisa, mesmo a pesquisa básica, contribui para o desenvolvimento da sociedade e do país através de novos conhecimentos que ajudam no desenvolvimento de novas tecnologias, no aprimoramento da saúde e no desenvolvimento social. A sociedade esperará que os profissionais que atuem na Universidade Espírita tenham formação e experiência científica e acadêmica necessárias para a execução das atividades universitárias de ensino e pesquisa. Qualquer instituição que tenha como objetivo se tornar uma Universidade Espírita deve buscar a excelência tanto no ensino quanto na pesquisa.

Não podemos nos furtar da análise de questionamentos sérios no tocante à ideia de um projeto de uma Universidade Espírita. Por exemplo, deve-se exigir que os funcionários, docentes e pesquisadores de uma Universidade Espírita sejam espíritas? Como o nosso país garante por lei a liberdade de opção religiosa, acreditamos que essa exigência não cabe. No entanto, a Universidade Espírita pode ter um regulamento próprio que busque orientar estudantes e funcionários para o bom comportamento dentro da Universidade de acordo com os princípios doutrinários.

Que tipo de pesquisas a Universidade Espírita pode realizar? Em princípio, qualquer assunto é passível de ser estudado na Universidade Espírita, desde que não tenha objetivos menos dignos. Deve ela só realizar pesquisas de interesse espírita? Para ter respaldo científico a Universidade Espírita deve se dedicar, também, a pesquisas usuais. Na medida que a Universidade Espírita produzir pesquisa de boa qualidade sobre assuntos acadêmicos normais (não-espíritas), ela fortalece os seus docentes/pesquisadores para as atividades de ensino e pesquisa; se habilita a receber, através de seus pesquisadores, financiamento de instituições públicas e privadas de fomento à pesquisa; e desenvolve uma imagem muito positiva junto à sociedade mostrando que ser espírita é ser e trabalhar de modo tão sério e responsável quanto qualquer outro setor da sociedade. Isso favoreceria, indiretamente, a realização de trabalhos de pesquisa de interesse espírita já que a Universidade Espírita poderia, então, destinar uma maior parte de sua renda para o financiamento dessas pesquisas que, infelizmente, não são reconhecidas como assuntos de interesse pelos cientistas em geral.

Os cursos profissionais de graduação e pós-graduação, cujos diplomas são reconhecidos pelos órgãos governamentais competentes, que formam os indivíduos para o mercado de trabalho, possuem custo relativamente elevado e que infelizmente não podem ser gratuitos. A Universidade Espírita primará pela honestidade jamais cobrando valores incompatíveis com os custos, definindo claramente a destinação ou o emprego dos lucros que obtiver. Deve a Universidade, então, possuir cursos sobre Espiritismo? Deve-se cobrar por esses cursos? Em nossa opinião, desde que sejam cursos livres, gratuitos e não-obrigatórios, não vemos nenhum problema. Livres no sentido de que qualquer pessoa pode ter acesso aos mesmos; gratuitos para que todos possam ter acesso ao conhecimento espírita; e não-obrigatórios no sentido de que não se deve obrigar ninguém, nem alunos e funcionários, a aceitar o Espiritismo, em respeito ao direito pessoal de opção pela crença religiosa. Além disso, o Espiritismo não deve, ao nosso ver, se tornar um estudo passível de recebimento de diploma, notas, etc., pois isso criaria um sistema de hierarquias prejudicial ao Movimento Espírita. Por exemplo, um doutor em Espiritismo seria alguém que sabe mais do que outros espíritas? Um diploma em curso de Espiritismo permitiria que o indivíduo tivesse uma melhor colocação no mercado de trabalho? Essas questões são muito importantes e precisam ser debatidas no Movimento Espírita pois a Doutrina Espírita, desde sua origem, não surgiu para ficar circunscrita a determinado meio ou grupo social e deve ser divulgada de modo gratuito, no caso de palestras e cursos, e de modo mais barato possível no caso de livros e revistas.

Para finalizar, apresentaremos um questionamento que parecerá contraditório, mas que precisa ser analisado por todos os interessados. Será realmente necessária a existência de uma Universidade Espírita? Se ela deve oferecer cursos usuais (não-espíritas); se ela deve realizar pesquisa usual (não-espírita); se ela não pode exigir que todos os seus funcionários e alunos sejam espíritas; se ela, por fim, oferecerá serviços tão bons quanto os de qualquer outra universidade; será que é necessário criar uma em especial que tenha o adjetivo espírita? Não pretendemos responder a essa questão pois o assunto não encerra aqui. Como mencionado anteriormente, já existem algumas instituições de ensino superior espíritas e desejamos que elas progridam cada vez mais, cumprindo de modo eficiente o seu papel na sociedade. Nossa intenção é trazer à tona questões necessárias para que as pessoas interessadas no assunto meditem na melhor forma de empregar seus esforços nesse ideal que, no fundo, está contido em um ideal maior que todos temos que é o de divulgar a Doutrina Espírita para toda a Humanidade. Todos os comentários, críticas e sugestões são e serão sempre muito bem vindos.

Referências

[1] A. P. Chagas, O Espiritismo na Academia? (1994), Revista Internacional de EspiritismoFevereiro p. 20; Março p. 41.

[2] D. Incontri, O Espiritismo na Universidade (2003) Boletim do GEAE 467.

[3] A. F. da Fonseca, O Espiritismo na Universidade: condições necessárias mas não suficientes (2004), Jornal Alavanca 490, p. 3.

A. Kardec, Revista Espírita 8, p.257, (1861).

[4] A. F. da Fonseca, Universidade Espírita: Função e Componentes (2004), Jornal Alavanca 492, p. 3.

[5] A. F. da Fonseca, Universidade Espírita: Docentes Espíritas (2004), Jornal Alavanca 493, p. 3.

[6] A. F. da Fonseca, Pesquisa Espírita e Espiritualista (2005), Jornal Alavanca 494, p. 3.

[7] Uma cópia dos artigos [3-6] pode ser encontrada em: www.ieja.org .

[8] www.uniespirito.com.br/teses/pedagogia_espirita.pdf

[9] http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5142/tde-12042005-160501/

[10] www.universoespirita.org.br/contato/teseacrocha.pdf

[11] http://www.feparana.com.br/banco_teses/banco_teses.htm


Fonte: Boletim GEAE 13(495), 12/07/2005

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