por Nubor Orlando Facure.
Numa sala espaçosa da fazenda Capim roxo conversam os adultos e, entre eles, passam crianças barulhentas, correndo, temerosas de um tabefe ou um beliscão ardido.
Crianças aprendem desde cedo que não devem interromper a conversa de gente grande.
Lá em Minas, nas antigas fazendas do Triângulo Mineiro as boas prosas são sempre compartilhadas.
O que isso significa?
Cada um completa os causos uns dos outros – isso reforça a verdade dos “ocorridos”.
Um começa a história e os outros vão completando com pedaços do “causo” o que o outro deixou de contar.
Hoje em dia, está todo mundo com pressa, aflito, cada um contando o que viu ou o que ouviu sem dar tempo aos detalhes de cada caso.
As histórias perdem por completo o colorido mineiro.
Foi lá no “sítio das capivaras” que ocorreu esse episódio que vou-lhes contar dizia seu Manoelito.
Diziam que Candinho “enlouqueceu de repente”.
Foi dona Lucinda quem começou a descrever o ocorrido.
Disse que primeiro ele chutou a porta do quarto, depois, saiu falando aos gritos, “com voz de mulher”: – “dessa vez eu mato esse canalha”.
Candinho transfigurado falava apontando o irmão Tomazinho.
Candinho já tinha feito tratamento em São Paulo há uns quatro anos atrás – estava, porém, há dois anos sem usar os remédios e, nessa noite fatídica, ele “surtou” com extrema violência.
Lá no Centro Espírita disseram que o Candinho padecia de um quadro grave de obsessão e precisava de tratamento.
Essa mulher, que “falava pela boca de Candinho”, era Zenaide, que perdeu todo seu dinheiro quando no passado distante confiou sua fortuna em ouro aos dois irmãos Candinho e Tomazinho.
Naquele dia, conforme descreve dona Lucinda, Candinho, em surto psicótico, esbofeteia violentamente Tomazinho.
Sanatório Espírita de Uberaba
É reinternado pela terceira vez o jovem Candinho em mais um surto da esquizofrenia que o acomete.
Tem ao seu lado a mãe.
É aquela mesma Dinorah cumplice de Zenaide que após um acidente caseiro alí no sítio bate a cabeça e teve sua mão direita paralisada.
Hoje se desdobra com o compromisso de acolher as duas crianças que abandonaram no passado.
O pai foi um empresário bem-sucedido que enriqueceu na venda de suas terras no Mato Grosso e hoje corre atrás dos médicos para tratamento do filho e da esposa.
Naquela quarta-feira a noite, no horário habitual de reuniões mediúnicas no Sanatório a médium devotada ao trabalho de incorporação levanta-se em transe e permite a comunicação de Zenaide.
Revoltada, Zenaide pede justiça elevando a voz.
Quer seu ouro de volta.
O mentor da casa pede calma e oração.
Aos poucos sob domínio espiritual, Zenaide é levada a rever episódios de uma vida anterior.
Entre negócios escusos ela angariou fortuna e foge para Espanha com uma amiga, hoje é dona Dinorah, levando seu ouro e deixando para trás dois filhos ainda crianças.
Minha querida irmã, diz o mentor.
O único bem que podemos considerar como nosso é a própria vida.
Tudo o mais são empréstimos que tomamos provisoriamente da Terra.
E para ela terão de voltar.
O que conta para cada um de nós é o benefício que fizermos com os benefícios que recebemos.
Considere a oportunidade de perdoar.
Principalmente quando a injustiça que sofremos é bem menor que o montante de injustiças que já praticamos.
O mentor fez breve sinal para o final da reunião.
E a médium trás o irmão José para a Prece de encerramento.
Lição de casa
Fortunas já foram perdidas ou desviadas.
Compromissos foram desonrados.
E débitos imensos já foram contraídos.
Vítimas da traição ou do engodo financeiro buscam se ressarcir do que julgam ter direito.
A morte não apaga a avareza nem a ideia de posse ou poder.
Jesus nos ensina a buscar os inimigos para acertarmos o quanto antes os nossos desencontros.