2. Questões 4 a 8 Método científico

4) É válido o uso dos métodos da física em outros campos do conhecimento cientifico? 

[Ademir] É importante considerar que o “método” é uma consequência da aplicação do paradigma, sendo orientado explicitamente por ele. Como o paradigma diz respeito antes de tudo a um objeto de estudo, não é difícil imaginar que diferentes métodos devam ser desenvolvidos (se for o caso) para objetos de estudos diferentes. Assim, é completamente ilícito em princípio utilizar métodos de pesquisa empírica da física, por exemplo, em outros campos de conhecimento científico. O que pode-se, e é benéfico fazer, é utilizar os conceitos de paradigma como inspiração para o desenvolvimento de outros paradigmas apropriados ao objeto de estudo em cada caso. Deve-se aguardar pela maturação do conhecimento na forma da proposição de um paradigma estável na disciplina específica a fim de se concluir pela validade do uso dessa ou daquela metodologia. Mesmo nesse caso, o que se desenvolve são métodos de pesquisa adequados ao paradigma em questão, que apenas marginalmente podem ter alguma relação com o método de inspiração (se, de fato, pode-se falar na existência de tal “método”). A idéia de método é muito forte e inapropriada para descrever o modo de atuar da atividade científica. Por método entendemos uma “receita de bolo” ou algoritmo que se fielmente seguido leva a resultados precisos e rigorosos. Tal não é o caso na física que vimos ter a noção de paradigma bem estruturada em seu núcleo de pesquisa. Assim, não se pode falar rigorosamente em “métodos de pesquisa”. 

[Alexandre] Aqui eu gostaria de acrescentar algo. Existe um ponto fundamental que é preciso que ocorra quando o objeto de estudo está na fronteira entre duas ciências ou dois campos do conhecimento. Por exemplo, a energia de uma reação química não pode ser algo diferente do que a física entende por energia. A estrutura da molécula do DNA é estudada em termos de questões físicas, matemáticas (geometria) e química e é amplamente sabido, hoje em dia, que a “forma” do DNA está intimamente ligada à função biológica dentro da célula. Hoje em dia, se reconhece que a sequência do genoma de cada ser não define somente as proteínas que serão codificadas, mas também o comportamento físico e químico da mesma. 

No caso do espiritismo, existe uma fronteira com as ciências, ditas ordinárias, física, química e biologia. Se trata da questão das influências mútuas entre o mundo espiritual e o mundo material. Porém, essa questão é delicadíssima e requer um rigor muito elevado para não se criar ideias equivocadas e precipitadas. Isso significa que mesmo, como o Ademir mencionou acima, quando for possível usar ideias dos paradigmas da física como inspiração na pesquisa espírita, muito cuidado e atenção deve existir para com as definições dos conceitos a serem empregados. Muitas vezes um conceito abstrato da teoria quântica não pode ser diretamente usado no tópico espírita a ser pesquisado. 

 

5) Pelo pouco que entendo do método cientifico aplicado a física, ele é próprio para condições que se sujeitem ao controle da experimentação – dadas as mesmas condições de controle, mesmos resultados – como a Cosmologia se encaixa neste ponto, visto que é um pouco difícil reproduzir eventos em escala cósmica?

[Ademir] É muito simples imaginar o controle rigoroso em determinados objetos de pesquisa ou fenômenos. Existem muitos disponíveis abertos ao estudo. Nesses casos, diz-se que sob as mesmas condições de contorno (especificada pelo controle experimental) resultados idênticos são esperados. Mas existem fenômeno de caráter probabilístico que não se adequam a tal esquema. Outros, como no caso da cosmologia ou meteorologia não podem ser controlados de forma alguma. Mais uma vez, a chave para se entender o caráter científico de uma disciplina se prende à existência de um paradigma bem estruturado com núcleo de princípios, leis complementares e uma interface empírica (observacional) bem desenvolvida. Não se trata assim de se procurar por um método de pesquisa mas por um paradigma que oriente as pesquisas futuras. O caráter controlável dos fenômenos é secundário, o importante é garantir que “visão do mundo” gerada pela aplicação do paradigma é consistente com o que se observa seja por via direta (constatação pelo sentido) ou pelo uso de instrumentos (de forma indireta, menos garantida por causa das implicações no modelo do uso de instrumentos – é necessário nesse caso uma teoria que explique o funcionamento dos mesmos para que seu uso tenha validade). 

Uma das consequências do uso de paradigmas bem estruturados é a possibilidade de se prever antecipadamente determinados fenômenos ou ocorrências nunca observados anteriormente. Nesse caso, como pode-se falar em utilizar um método de experimentação sobre fenômenos cuja ocorrência não é cogitada? Em mecânica celeste tornou-se famosa a descoberta do planeta Netuno, que foi “calculado” por Urbain Le Verrier seguindo as perturbações na órbita de Urano. Na física de partículas são abundantes os exemplos de partículas “postuladas” e posteriormente descobertas experimentalmente. Tais façanhas de adivinhação são consequência direta da aplicação de paradigmas bem estruturados e que trazem em si a essência do conhecimento científico. 

[Alexandre] A questão, ao meu ver, não é o objeto de estudo ser reprodutível ou não, mas sim ser observável ou não. Em outras palavras, dentro do  paradigma que rege o campo de estudo, é preciso verificar se a realidade responde, através dos fatos, de forma coerente com a teoria. 

Tanto a física (através dos fatos reprodutíveis) quanto a cosmologia (através das observações astronômicas) satisfazem esse critério. E o espiritismo também satisfaz esse critério porque podemos verificar os ensinamentos dos espíritos em nossas atividades na casa espirita. 

 

6) Considerando-se a resposta da questão do que é ciência, qual seria a posição do Espiritismo? 

[Ademir] O Espiritismo é uma ciência que tem como objeto de estudo o elemento espiritual. A doutrina espírita em seus fundamentos constitui o paradigma da ciência espírita. A adequação empírica do paradigma é feita por observação direta não necessitando o uso de aparelhos. O uso desses últimos não é objetivo da ciência espírita que, pelas considerações anteriores, não precisa seguir um “método” específico. Ver referência citada para maiores detalhes.

Alguns dos fundamentos da ciência espírita são: a existência de Deus, do elemento espiritual (independente da matéria e preexistente a esta), a evolução espiritual, a pluralidade dos mundos habitados e a comunicabilidade dos Espíritos. Toda e qualquer análise do conhecimento espírita que não leve em consideração esses fundamentos é parcial e incompleta.

[Alexandre] Apenas enfatizando, a observação direta a que se refere o Ademir é a observação dos fatos que Kardec sempre priorizou. 

 

7) Dado que os métodos da ciência foram desenvolvidos historicamente para lidar com grandezas materiais, como fica o trato do espírito por ela? 

[Ademir] Dada a resposta à questão 4, é possível concluir pela inadequação de tais métodos na pesquisa espírita.

[Alexandre] Apenas lembrando, existe uma fronteira de fenômenos com as ciências ordinárias onde para eles, seria possível uma análise ou estudo com base nos paradigmas dessas ciências. Mas notem que isso não significa que o espírito será o objeto de estudo nessa fronteira. Os objetos seriam os fluídos, sua interação com a matéria e com o corpo físico, a interação entre o perispírito e o corpo, para  dizer alguns. Como bem afirmou o Ademir, os métodos das ciências ordinárias não podem ser aplicados a questões como existência da alma, leis morais, etc. 

Repito que, de qualquer forma, essa fronteira é muito delicada de se estudar, mesmo com a física moderna, que tem sido considerada como a teoria que vai explicar Deus ou o espírito. 

Notem também, que essa questão da fronteira não significa que o Espiritismo necessite ter algum aval das outras ciências. Como o Ademir expos a existência de um paradigma que norteia o estudo e pesquisa dentro do espiritismo, o torna uma ciência legítima. Então, para nós espíritas não há a necessidade de se comprovar o espiritismo. É digno de se pensar se a humanidade, sim, necessita de alguma demonstração de que algo existe além da matéria.

 

8) A Metapsiquica e a Parapsicologia são ciências?

[Ademir] Essa questão deve ser respondida fazendo-se uma análise da estrutura paradigmática dessas disciplinas. Dispõem elas de um paradigma bem estruturado que oriente as pesquisas, que sobreviva como cultura científica ao longo dos anos? Parece-nos que essas disciplinas se esforçam por seguir um modelo ultrapassado de conhecimento científico, podendo ser seguramente desqualificadas como ciências no sentido exposto nas questões anteriores. 

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Fonte: Boletim GEAE 12(477), 29/06/2004

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