por Alexandre fontes da Fonseca
1. TÓPICOS PERTENCENTES À ALGUMAS CIÊNCIAS E O ESPIRITISMO
Nas aulas anteriores, falamos sobre o caráter científico do Espiritismo e do campo de trabalho puramente espírita. Aqui, vamos iniciar uma série de aulas onde discutiremos o outro campo de trabalho que tem atraído e recebido muita atenção do Movimento Espírita. Trata-se do estudo de tópicos de pesquisas multidisciplinares: assuntos que pertencem ao escopo de alguma ciência ordinária e ao Espiritismo. Não pretendemos apresentar em detalhes cada pesquisa, mas sim divulgar sua existência e a referência para que o leitor interessado busque maiores informações. Nesta aula, apresentaremos exemplos gerais de pesquisas científicas na área de Medicina que estão contribuindo com o Espiritismo.
MEDICINA: Hoje em dia, a disciplina científica que nos parece ser a mais promissora para a introdução de assuntos espíritas e espiritualistas em seus projetos de pesquisa acadêmicos é a Medicina. E, na verdade, isso já vem acontecendo conforme os exemplos que veremos a seguir.
Nosso primeiro exemplo de pesquisa na área médica de interesse espírita é o resultado de um trabalho de revisão sobre diversas experiências sobre os efeitos da prece nos tratamentos de diversos tipos de pacientes [1]. Os autores analisaram estatisticamente os diversos casos publicados na literatura científica e concluíram que se por um lado não se pode confirmar, dentro dos critérios científicos, os efeitos da prece sobre a recuperação de doentes, eles reconhecem que um número significativo de casos positivos incentiva a realização de mais pesquisas nessa área.
Em Psiquiatria temos alguns trabalhos interessantes. Um dos maiores nomes na área de pesquisa relacionada com conceitos espiritualistas é o Prof. Ian Stevenson. Aqui no Brasil, o trabalho mais conhecido de Stevenson é o livro 20 casos sugestivos de reencarnação [2]. É digno de nota dizer que Stevenson não se limitou a escrever, somente, livros divulgando o seu trabalho de pesquisa1. Ele publicou vários artigos científicos em revistas internacionais levantando dúvidas sobre casos “estranhos” que não podem ser explicados nem pela genética nem pelas influências do ambiente [3]. Dentre esses fatos “estranhos” estão as fobias observadas em crianças, marcas de nascimento incomuns, diferenças entre gêmeos monozigóticos2, brincadeiras e comportamento incomuns na infância, etc. No Brasil, o Dr. Hernani G. Andrade repetiu algumas das experiências de Stevenson sobre casos sugestivos de reencarnação [4]. O médico psiquiatra Dr. Alexander de Almeida está trabalhando em um projeto de tese de doutoramento, na Universidade de São Paulo, intitulado “Mediunidade: uma experiência dissociativa num contexto religioso”, tendo já publicado alguns artigos sobre o assunto [5-7].
Esses são alguns exemplos que tem tido repercussão científica. O campo de pesquisa é imenso dentro da medicina e aos poucos novos pesquisadores vão se interessando por esses tópicos de estudo.
Na próxima aula comentaremos a respeito de uma interessante pesquisa em matemática cujos resultados levam a interpretações morais. Abaixo falaremos sobre o chamado método de análise por pares.
2. O MÉTODO DE ANÁLISE POR PARES
Na aula anterior, expomos o formato geral de um artigo científico. Aqui falaremos do coração da atividade de divulgação científica: o método de análise por pares. A palavra “pares” significa “semelhantes”. Cada área do conhecimento é formada por conteúdo e terminologia próprias. O enorme progresso em todas as áreas tornou muito difícil, para não dizer impossível, a uma única pessoa, conhecer profundamente mais de um assunto. Mesmo dentro de uma área do conhecimento, as especializações se desenvolveram a tal ponto que as pessoas levam anos para dominarem um único tópico. Assim, apenas uma pessoa formada em uma área específica pode analisar com segurança as atividades de outras pessoas na mesma área. Somente um “semelhante” ou “par” pode verificar se outros trabalhos, sobre determinado assunto, foram realizados com todo o rigor que se espera nesse campo de estudo.
A comunidade científica adotou, então, um método de análise de artigos onde os “pares”, isto é, outros cientistas especialistas na mesma área de que trata o artigo, fazem a análise do mesmo. Isto ocorre, em geral, da seguinte maneira.
Cada revista científica possui um conjunto de editores, geralmente cientistas experientes, que são responsáveis por garantir que os artigos passem pelo método de análise por pares de forma correta e idônea. Os editores, em geral, fazem uma primeira leitura no artigo para verificar se o mesmo pertence ao escopo da revista, isto é, à(s) área(s) de pesquisa para a(s) qual(is) a revista foi criada. Se o artigo estiver dentro do escopo da revista os editores escolhem um ou mais cientistas especialistas no tema do artigo e enviam-lhes uma cópia para que façam uma análise crítica de acordo com o conjunto de critérios da revista. Os autores nunca sabem quem faz a análise de seus artigos. Mas, em alguns casos, aqueles que vão analisar o artigo sabem quem são os autores do mesmo.
Os cientistas convidados a analisarem um artigo, em geral, não possuem vínculo formal com a revista. Isso ajuda a assegurar a imparcialidade no processo de análise do artigo. Essas pessoas são chamadas de “árbitros” (“referees” em inglês) e esse processo é também conhecido como processo de arbitragem. Algumas revistas possuem, também, uma espécie de conselho editorial que colabora na análise dos artigos e na escolha dos “árbitros”. Encontramos, ainda, a denominação de “pareceristas” para os árbitros.
A grande vantagem deste método é a maximização da imparcialidade na análise dos artigos já que aqueles que a farão não pertencem formalmente à revista ou a sua editora. Revistas científicas de grande impacto costumam enviar os artigos para duas ou mais pessoas de modo a evitar que pareceres desonestos baseados em motivos pessoais (como, por exemplo, a concorrência em pesquisa) possam ocorrer. Desta forma, os leitores terão mais garantia de que os artigos publicados correspondem a resultados de pesquisa realizados de forma séria e criteriosa.
Para ilustrar o processo, considere o seguinte exemplo. Vamos supor que o cientista X escreveu um artigo sobre suas pesquisas com um novo remédio para o combate ao câncer. O cientista X submete o seu artigo para publicação na revista A. O editor da revista A, chamemo-lo EA, recebe o artigo e faz uma leitura do mesmo. EA percebe que o artigo é muito interessante e seus resultados são muito importantes. Mas o editor EA não entende nada de câncer e não pode avaliar se o artigo está correto ou não. O editor EA, ao invés de publicar um artigo somente por ser interessante, decide enviar o artigo do cientista X para um outro cientista, chamemo-lo Y, fazer uma análise. O cientista Y é escolhido por ser especialista em drogas contra o câncer. O cientista Y inicia, então, a leitura e análise dos métodos empregados pelo cientista X para obtenção dos resultados de sua pesquisa. Y verificará, por exemplo, se nenhum experimento ou método de análise foi esquecido ou mal realizado por X. Y verificará se não existem pesquisas já publicadas sobre o assunto que não foram citadas por X no artigo. Y verificará se X fez todos os testes cabíveis para assegurar que os efeitos e consequências da nova droga não se devem a outros fatores possíveis. Enfim, o cientista Y verificará se o artigo satisfaz todos os critérios científicos de pesquisa dentro de sua área. Se o cientista Y verificar que os resultados das pesquisas do cientista X seguiram todos ou quase todos os requisitos necessários, o cientista Y emitirá um parecer positivo quanto à publicação do artigo. Certamente, o cientista Y recomendará pequenas modificações no artigo mas ele será aceito. Nesse caso, o editor EA agradecerá a ambos (cientistas X e Y) e emitirá o parecer final de aceitação do artigo para publicação. Se o cientista Y verificar que alguns requisitos importantes não foram abordados ou realizados pelo cientista X, ele emitirá parecer negativo decisivo ou parecer negativo condicional. O parecer negativo decisivo significa que Y não recomenda a publicação do artigo, nem se forem feitas correções no mesmo, porque ele não contém resultados confiáveis sobre o assunto. O parecer negativo condicional significa que Y não recomenda a publicação do artigo como ele está agora, mas sugere várias alterações e recomendações sobre vários passos que precisam ser realizados pelo cientista X de modo a assegurar os resultados apresentados. Em ambos os casos, o editor EA também agradece e expõe o parecer final de recusa do artigo para publicação, apresentando todas as explicações emitidas pelo parecerista (cientista Y) que foram usadas como base para a decisão editorial. O processo de análise por pares não é perfeito já que envolve a atuação de seres humanos que, como sabemos, somos falíveis. Porém, não conhecemos nenhuma outra forma mais imparcial e produtiva de analisar os artigos científicos submetidos para publicação. Na prática, esse método tem se mostrado muito eficiente e a enorme quantidade e variedade de periódicos científicos permitem que autores que se sintam injustiçados, tentem publicar seus trabalhos em outras revistas já que elas enviarão os artigos para análise de outros árbitros.
Na próxima aula comentaremos sobre os periódicos espíritas e a análise que seus editores podem realizar dos artigos e matérias submetidos para a publicação.
Referências
[1] J. A. Austin, E. Harkness e E. Ernest, The efficacy of “distant healing”: a systematic review of randomized trials 2000, Annals of Internal Medicine 132, pp. 903-910.
[2] I. Stevenson, Twenty Cases Suggestive of Reincarnation, University Press of Virginia, 2nd Edition (1974).
[3] I. Stevenson, The phenomenon of claimed memories of previous lives: possible interpretations and importance 2000, Medical Hypotheses 54, pp. 652-659.
[4] H. G. Andrade, Reencarnação no Brasil (Oito Casos que Sugerem Renascimento), Editora Casa Editora O Clarim (1980).
[5] A. M. de Almeida, Cirurgia espiritual: uma investigação 2000, Revista Associação Medica Brasileira 46(3), pp. 194-200.
[6] A. M. de Almeida, Diretrizes metodológicas para investigar estados alterados de consciência e experiências anômalas 2003, Revista de Psiquiatria Clínica 30 (1).
[7] A. M. de Almeida e F. L. Neto, A mediunidade vista por alguns pioneiros da área mental 2004, Revista de Psiquiatria Clínica 31 (3), pp. 132-141.
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1 Em aula futura falaremos sobre a diferença de valor científico entre livros e artigos.
2 Isto é, entre gêmeos que possuem o mesmo genoma.
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Nota do Editor: Ver em Banco de Teses e Dissertações do GEAE a referida tese de doutorado.
Fonte: Boletim GEAE 12(486), 14/12/2004