Entrevista com Divaldo Pereira Franco pelo GEAE

” O homem moderno, cansado de ciência e de tecnologia, encontra-se esvaziado de idealismo. Como consequência, a sua busca de Deus tem sido feita com sofreguidão. Porque o Espiritismo é a doutrina de respostas, nesse oceano de luz todos encontram os esclarecimentos que buscam e a paz que anelam, aderindo às suas admiráveis lições.”

1) Observando a história do Espiritismo, reparamos que ainda no séc. XIX ele chegou aos países de língua espanhola e propiciou o estabelecimento de grupos pioneiros. Na Argentina e no México, por exemplo, criaram-se grupos quase que na mesma época que no Brasil. Até mesmo periódicos, que ficamos conhecendo através da biografia de Amália Domingo Soler. Agora nos causa estranheza o aparente retrocesso ou pouco progresso do Espiritismo nesses países, como poderíamos entender o que ocorreu? As dificuldades politicas, econômicas e sociais por que passaram podem ser consideradas como causa principal?

    A Espanha, no passado, foi berço de eminentes espiritistas, o mesmo havendo ocorrido com o México, a Argentina, Cuba, Porto Rico, apenas para citarmos alguns países de língua hispana. Não obstante o brilhante florescimento da Doutrina Espírita nesses países por um largo período, face a ocorrências, especialmente políticas – na Espanha a ditadura franquista, na Argentina o período da ditadura militar, no México as sucessivas revoluções, em Cuba a revolução comunista, em Porto Rico as lutas de libertação nacional surgiram as dificuldades que obstaculizaram o contínuo progresso da divulgação e vivência dos postulados kardequianos.

    Apesar dessas vicissitudes, em todos essas nações tem havido uma verdadeira renascença doutrinária, graças à abnegação de homens e mulheres admiráveis que se têm empenhado pela preservação do pensamento espírita na excelência que nos foi legado pelo nobre Codificador. No atual momento há um revigoramento idealístico muito expressivo, que dá início a uma nova época de realizações doutrinárias.

    2) Nos parece que nos últimos anos o Espiritismo tem retomado seu vigor na Espanha e também na América Latina, até mesmo em países com grandes dificuldades como Cuba. Isso corresponde a realidade? Sendo assim, é uma coincidência, ou corresponde a algum movimento mais amplo do plano espiritual? Neste último caso, qual a contribuição mas efetiva que poderíamos dar?

    Indubitavelmente, conforme citamos acima, está ocorrendo uma revivescência das ideias espíritas por toda a América latina, bem como em outros países do mundo. Isto se deve ao intercâmbio doutrinário que tem havido, especialmente no que diz respeito às conferências realizadas por abnegados trabalhadores do Brasil – nos últimos 35 anos –  e do estrangeiro em toda parte, bem como as facilidades propostas pela mídia, no que diz respeito á divulgação das teses espíritas.

    O homem moderno, cansado de ciência e de tecnologia, encontra-se esvaziado de idealismo. Como consequência, a sua busca de Deus tem sido feita com sofreguidão. Porque o Espiritismo é a doutrina de respostas, nesse oceano de luz todos encontram os esclarecimentos que buscam e a paz que anelam, aderindo às suas admiráveis lições.

    Todos podemos contribuir vigorosamente para que mais se expanda o pensamento espírita no mundo, através do auxílio para facilitar a publicação das Obras básicas, que ainda não estão traduzidas aos idiomas da atualidade, ou que no passado, embora traduzidas, encontram-se necessitadas de revisão da linguagem e de novas publicações.

    Por outro lado, seria ideal se os espíritas seguros pudessem visitar os diversos países, oferecendo o valioso contributo doutrinário conforme exarado na Codificação, através de conferências, intercâmbios fraternais, evitando porém as ideias pessoais e preconcebidas, que somente confundem e perturbam.

    3) Temos reparado algumas diferenças culturais entre o Brasil e os seus vizinhos latino-americanos, principalmente no modo como interpretam o conceito de religião. Nestes países, por  características de formação histórica, o conceito de religião está fortemente vinculado ao sentido de “religião organizada”, com ritos e dogmas,  não sendo corrente sua conotação mais filosófica. Temos o receio que isso possa vir a tornar-se uma barreira difícil de transpor, impedindo a troca salutar de ideias. Como lidar com estas diferenças culturais ?

    Tenho viajado por todos os países latino-americanos desde 1964 e a questão religiosa jamais se me apresentou como dificuldade. Respeitando as idiosincrasias de cada povo, procuramos divulgar o Espiritismo conforme se encontra nas Obras básicas, esclarecendo as dúvidas que pairam nos auditórios, evitando os debates e contendas perniciosos, jamais impondo as minhas ideias e cingindo-me sempre ao contexto da própria Doutrina.

    Há, inevitavelmente entre alguns de nós espíritas, no Brasil, uma ideia que me parece errônea, qual seja a de tentar exportar um Espiritismo à brasileira, como se tal houvesse. O Espiritismo é um só. É aquele que se encontra na Codificação. A interpretação e adaptação às condições históricas, econômicas, filosóficas são resultados das necessidades de elucidação dos problemas e desafios existentes em cada povo ou lugar.

    Se respeitarmos as convicções das pessoas e Instituições, apresentando o Espiritismo na sua claridade diamantina, lentamente aqueles que aderirem aos seus postulados irão modificando a maneira de encarar os objetivos existenciais e os comportamentos, de acordo com os seus níveis de consciência e imposições evolutivas.

    4) Em muitos dos países latino-americanos há médiuns que atuam nas mais diversas correntes religiosas, algumas surgidas do sincretismo religioso entre indígenas, africanos e europeus. Não seria o caso do plano espiritual, através desses médiuns, reforçar a mensagem espírita que está sendo reintroduzida vagarosamente? Como entender fenômenos como a Santeria e o Vodu, que nesses países são normalmente confundidos com o Espiritismo?

    Não nos esqueçamos que essa ocorrência animista/mediunista também acontece entre nós, através dos Movimentos de Umbanda, Quimbanda, Candomblé e outros que têm surgido nos últimos tempos, adotando nomes de pessoas, médiuns ou não, a desserviço do Espiritismo. Trata-se de um fenômeno antropossociológico inevitável, que o tempo vai diluindo ou colocando fronteiras bem definidas.

    Todo movimento espiritual que visa ao bem geral é nobre e digno do nosso maior respeito. Desde que existem, são necessidades do processo evolutivo das criaturas, e a Divindade se utiliza desses valiosos recursos para conduzir os seres humanos à Realidade, qual ocorre através de outras correntes de pensamento e de fé…

    Em cada um deles, portanto, especialmente no que adotamos, os Benfeitores da Vida Maior têm tomado as providências compatíveis, auxiliando no esclarecimento dos indivíduos, à medida que se desenvolvem intelectomoralmente conforme afirmava Allan Kardec.

    5) Um dos desafios que se apresentam aos espíritas de língua espanhola é justamente a desinformação da sociedade hispânica em geral quanto ao Espiritismo. Nestas sociedades foi introduzida a ideia de que o Espiritismo é a prática da bruxaria, da adivinhação, da cartomancia, enfim do comércio com o plano invisível. Como o plano espiritual vê a questão e qual seria o melhor caminho para reverter esse panorama?

    Esse fenômeno também se deu no Brasil, e ainda prossegue em alguns bolsões da nossa sociedade. Os Espíritos nobres jamais deixaram de atender as necessidades de iluminação dos seres humanos. No que diz respeito ao Espiritismo, a mediunidade dignificada em toda parte abre portas ao entendimento da missão da Doutrina, ao tempo que escritores hábeis, periodistas intimoratos e intemeratos, oradores lúcidos se encarregam de dar prosseguimento ao ministério esclarecedor.

    6) Muitas perguntas que nos chegam ao GEAE são relacionadas com a procura de grupos espíritas, que nem sempre existem nas proximidades e que quando existem, algumas vezes não correspondem as expectativas. Como fazer para localizar um grupo espírita no exterior, há algum critério que possa ser recomendado para a pessoa que tem interesse no conhecimento espírita? É viável a recomendação de estabelecerem-se grupos espíritas familiares onde não existe ainda nenhum estabelecido?

    Quase sempre essa solicitação é de brasileiros que viajaram para outros países. Aí temos duas dificuldades: a primeira é resultado do vício de alguns militantes que, em nosso país buscam o Espiritismo com objetivos menos elevados, quais sejam as soluções de problemas, amparo na hora da dificuldade, liberação de perturbações espirituais… O interesse que denotam firma as raízes nessa conduta, procurando dar prosseguimento ao parasitismo junto aos trabalhadores incansáveis, sem fazerem quase nada para mudar a situação em que se demoram. E como em alguns países o Movimento apenas se delineia, torna-se difícil encaminhá-los para os grupos iniciantes. Seria então, ideal, que se sugerisse o estudo do Espiritismo no lar, a princípio com a família, depois com algum amigo interessado e, por fim, criando-se um grupo bem estruturado. A segunda diz respeito a uma óptica equivocada também. Estando em um país estrangeiro a pessoa tem necessidade de encontrar companheiros de sua origem nacional, e no Espiritismo irão estar com aqueles que falam o seu idioma, sentem iguais saudades e vivem os mesmos problemas. Não raro, transformam os grupos em lugares de encontro para tratar de assuntos que ficaram no país de origem. Como efeito negativo, evitam falar o idioma local, permanecendo com as fixações que conduziram quanto ao trabalho espírita conforme era realizado na sua cidade… e desejando impô-lo em detrimento dos objetivos doutrinários que são muito sérios. Com essa conduta, afastam os interessados do país que, em se acercando, não compreendem o idioma em que os seus membros se comunicam, nem os chistes que provocam sorrisos e gargalhadas, deixando neles impressão muito negativa  sobre o pensamento espírita que passa a ser uma esquisitice de Terceiro Mundo… Há sem duvida respeitáveis exceções.

    Quando porém, se tratar de pessoa que vive no país e está sendo despertada para o entendimento espírita, seria aconselhável recomendar-se o CEI – Conselho Espírita Internacional – que possui a maioria dos endereços de Instituições e grupos espíritas em mais de vinte e cinco países, podendo recomendar com segurança os que tiverem melhores condições para receber principiantes ou não.

     7) Nos Estados Unidos há médiuns, ligados a movimentos espiritualistas sucessores do Modern Spiritualism, que cobram por suas atividades. Pelas informações que temos, muitos deles são sérios e as mensagens que recebem não diferem muito em conteúdo dos ensinamentos espíritas. Como é possível a coexistência da mediunidade paga e a comunicação confiável de espíritos esclarecidos? Não deveria haver da parte dos próprios espíritos comunicantes uma reação a comercialização de seus esforços?

    Os Espíritos agem conforme acreditam que é melhor para a criatura humana. Deveremos respeitar a mentalidade de cada povo, ao invés de bitolá-la em nossos padrões. O Codificador recomenda a mediunidade gratuita e Jesus foi muito claro quando estabeleceu que se deve dar de graça o que de graça se recebe. A questão porém, é de consciência individual. Embora essa condição imprópria, que o tempo modificará – e recordemos que os médiuns europeus que foram instrumento da confirmação científica da mediunidade, como alguns americanos, eram todos profissionais, e os Espíritos, respeitando-lhes a conduta, não se negaram a estar presentes nas experiências realizadas – os Amigos espirituais continuarão servindo e esclarecendo os instrumentos de que se utilizam, a fim de que também encontrem o rumo do equilíbrio e do ministério de amor mediante a gratuidade dos seus serviços .

    8) Considerando seu contato com grupos espíritas nos mais diversos países do mundo, como está a situação do Espiritismo em geral? Existe cooperação e compreensão mútua ou estamos incorrendo nas mesmas dificuldades de entendimento que afetaram, por exemplo, a reforma protestante – que diversificou-se em uma infinidade de igrejas a medida que se espalhou por povos e grupos culturais diferentes?

    Afirmava Nietzsche que ?tudo quanto o homem toca corrompe?. Esse é, sem dúvida, um conceito pessimista muito destrutivo. Eu não diria dessa forma, porém, reconheço que toda ideia quando chega ao nosso plano de comportamento sofre as injunções da maneira de ser de cada um de nós que, ao invés de introjetá-la para vivê-la conforme o seu conteúdo, a adaptamos à nossa forma de interpretação, com prejuízo para o seu valor intrínseco. Assim, toda ideia que se expande perde em profundidade o que adquire em superfície.

    No Movimento espírita, que eu saiba, ainda não houve ocorrências semelhantes ao que aconteceu com o luteranismo, com a reforma protestante, não obstante existam atividades paralelas em diversos grupos que adotam comportamentos não doutrinários, apresentando-se como calcados no Espiritismo.

    9) Em que sentido devemos entender a “união” proposta pelos espíritos e a “unificação” almejada pelos espíritas? Ela é viável considerando a inesgotável variedade psicológica humana e as diversas formas de ser e de ver o mundo? Como incentiva-la e mantê-la através das fronteiras geográficas? A chamada “globalização” tem ou terá um papel a desempenhar nesta questão?

    Fundamentada a moral espírita naquela que foi ensinada e vivida por Jesus, não podemos fugir à vivência do amor e da fraternidade, conforme a trilogia proposta pelo Codificador: Trabalho, Solidariedade e Tolerância.

    Para torná-la verdadeira em nossa conduta, a união é indispensável entre as criaturas, especialmente entre os espíritas, e a Unificação doutrinária torna-se a consequência natural que decorre da adoção desta Doutrina que a todos nos irmana. A união bem como a Unificação, não visam à uniformização, mas à identificação de propósitos, à tolerância com as deficiências de pessoas e de Instituições, nas quais sempre se deve ajudar ao invés de destruir, de forma que venhamos um dia a formar um só rebanho.

    Quanto nos seja possível, cabe-nos auxiliar além fronteiras àqueles que se iniciam no comportamento espírita a experiência luminosa de ser fraterno, de estar identificado com os outros grupos, trabalhando todos juntos embora quaisquer diferenças de opinião que possam existir. Assim, será fácil preservar a saudável divulgação doutrinária e a sua vivência no cotidiano, sem o que estaremos apenas teorizando, sem demonstração de uma legítima vinculação emocional através da conduta moral mantida em razão dos objetivos divulgados.

    Sinceramente não acredito que a globalização nos termos que vem sendo apresentada, possa auxiliar-nos nesse mister, que é muito pessoal e dignificador, tendo-se em vista que essa ruidosa proposta, segundo os especialistas na área, tem oferecido mais danos à economia, à socialização entre pobres e ricos, que abre cada vez mais o abismo que os separa, do que propriamente benefícios…

    10) Em nome de todos os nossos amigos, que recebem o Mensajero Espírita, gostaríamos de agradecer-lhe a gentileza desta entrevista e aproveitamos para perguntar-lhe se há alguma mensagem ou orientação final que gostaria de transmitir aos nossos irmãos de língua espanhola?

    Agradeço, sinceramente comovido, a gentileza com que me distinguem os companheiros do Mensageiro Espírita, e como palavras finais, gostaria apenas de recordar o ensino de Jesus, quando diz: – Nunca fazer a outrem senão aquilo que gostaria que outrem lhe fizesse.

          Salvador, 7 de fevereiro de 2001.
          Divaldo Pereira Franco


 Entrevista publicada em: BOLETIM GEAE | ANO 09 | NÚMERO 412 | MARÇO DE 2001

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