Sem dúvida um evento ímpar. Se eu fosse você, não perderia esse jantar por nada deste mundo. São dois revolucionários do pensamento. Você pode não concordar com as ideias de um deles, ou de nenhum dos dois, mas há de reconhecer que ambos escreveram capítulos importantes da história.
Mais ainda. O que escreveram não ficou parado sob a poeira do tempo. Continua sendo interpretado, questionado e discutido até os dias de hoje e, provavelmente, seguirá assim para o futuro.
Obviamente, você percebe, estamos no campo das conjecturas. Kardec e Marx viveram e deixaram suas marcas no século XIX. Eu e você estamos passando pela história do final do século XX e começo do século XXI. É muito provável que daqui a um século, nem nossos bisnetos se lembrarão que existimos, mas, muito provavelmente, ouvirão falar de Kardec e de Marx. Só isso é suficiente para abrirmos nossas mentes e admitirmos que deve haver algo que podemos aprender com esses dois pensadores, independente de concordarmos ou não com eles.
Resolvi encarar este tema depois que me deparei com vídeos sobre uma questão sensível que suscitou uma onda de manifestações na internet. Esses eventos ocorreram no clímax pré-eleitoral de 2018 onde, infelizmente, o Brasil se viu dividido por uma avalanche estúpida de mentiras e desinformação pelas redes sociais e outros meios de comunicação. Houve de um extremo a outro do espectro político nacional uma radicalização total. Posições políticas que antes contavam com simpatizantes ou com antipatizantes, passaram a contar com radicais fanáticos a favor e radicais fanáticos contra. Famílias e velhas amizades foram duramente atingidas e cindidas por essa onda de radicalismo bipolarizado e, a meu ver, isso ainda não está totalmente superado.
Como você já deve estar percebendo, vou cutucar vespeiro com vara curta. Mas, se quisermos evoluir, superar nossos preconceitos e defeitos, exercitar o amor ao próximo e, principalmente, buscar pistas de nossa origem, de nosso papel nesta vida e do nosso futuro, certas questões precisam ser enfrentadas. Na verdade, o que acabou me empurrando a encarar o assunto foi a leitura, por acaso, do seguinte trecho sobre a “Beneficência Exclusiva” no evangelho segundo o espiritismo (ESE), abaixo reproduzido na íntegra.
Kardec pergunta aos espíritos: É acertada a beneficência, quando praticada exclusivamente entre pessoas da mesma opinião, da mesma crença, ou do mesmo partido?
Reposta do espírito S. Luis: Não, porquanto precisamente o espírito de seita e de partido é que precisa ser abolido, visto que são irmãos todos os homens. O verdadeiro cristão vê somente irmãos em seus semelhantes e não procura saber, antes de socorrer o necessitado, qual a sua crença, ou a sua opinião, seja sobre o que for. Obedeceria o cristão, porventura, ao preceito de Jesus Cristo, segundo o qual devemos amar os nossos inimigos, se repelisse o desgraçado, por professar uma crença diferente da sua? Socorra-o, portanto, sem lhe pedir contas à consciência, pois, se for um inimigo da religião, esse será o meio de conseguir que ele a ame; repelindo-o, faria que a odiasse. – S. Luís. (Paris, 1860.)
No caso em tela não se trata de um socorro ou ajuda ao próximo, mas pura e simplesmente, de aceitação do outro.
Mas voltemos ao nosso jantar. Teria sido possível um encontro entre Kardec e Marx? Eles são contemporâneos. Kardec, na verdade, Hippolyte Léon Denizard Rivail, nasceu em Lyon em 3 de outubro de 1804 no seio de uma família católica com tradição na magistratura e advocacia. Fez seus estudos em Yverdon, Suíça, sob a orientação de Pestalozzi. Em 1824 retornou a Paris onde foi professor e pedagogo, participando ativamente da reforma do ensino na França e na Alemanha. Chegou a dar cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia e Astronomia. Casou-se em 1832 com Amelie G. Boudet. Foi somente em 1854 que Kardec teve seu primeiro contato com o fenômeno das mesas girantes. Foi bastante cético a princípio, mas acabou curvando-se às evidências e, em 1857 publicou sua obra magna, “O livro dos Espíritos”, dedicando o resto de sua vida à doutrina espírita. Faleceu em 1869. O trabalho de Kardec foi permeado por preconceitos e calúnias. Tinha por hábito não responder às manifestações grosseiras e mal-educadas.
Karl Marx nasceu em Tréveris, Renânia, em 5 de maio de 1818, no seio de uma família judia de classe média. Fez seus estudos em Bonn e Berlim onde se interessou pela filosofia de Hegel. Marx foi filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário socialista. Em 1843 Marx mudou-se para Paris onde atuou como jornalista para vários jornais de posição radical. Foi em Paris que Marx conheceu seu grande amigo e colaborador Friedrich Engels. Em 1849 foi exilado e mudou-se para Londres com esposa e filhos. Marx faleceu em Londres em 1883. Não vamos entrar em detalhes, mas Marx não teve uma vida fácil e tranquila. Foi exilado da França por contestar o regime político vigente na Alemanha. Marx foi o personagem mais odiado e caluniado de seu tempo por suas ideias anticapitalistas, um tanto quanto radicais, e a favor da classe trabalhadora. Marx costumava não dar importância às difamações. Só respondia a elas em casos extremos.
Podemos perceber que quando Marx saiu de Paris em 1849, Kardec, provavelmente, não tinha ainda nenhum contato com as mesas girantes. Apesar de Paris, na época, já ser uma cidade com mais de um milhão de habitantes, é possível que Kardec tenha ouvido falar de um jornalista com ideias sociais radicais mas, sem que isso tivesse maior relevância. Também é possível que Marx tenha tido conhecimento de um pedagogo Pestalozziano com certo prestígio, envolvido em questões educacionais da França e da Alemanha mas, também sem grande relevância. Vale notar que Marx não era ainda o autor de “O Capital” e Kardec era ainda apenas Hypollyte. Desta forma, tudo indica que nosso hipotético jantar não reuniu condições suficientes para ter acontecido.
Existem muitas especulações. Algumas interessantes, coerentes e bem estruturadas. Outras nem tanto. Neste caso em particular, é interessante destacarmos um fato narrado por Kardec em “OP-Obras Póstumas”. Como se sabe, OP foi publicada após a morte de Kardec. Consiste da reunião em livro de uma ampla gama de documentos e anotações diversas deixadas por Kardec. Não há, até onde se saiba, questionamentos quanto à autenticidade desse material e OP faz parte do conjunto de obras básicas da codificação. A certa altura do livro, encontramos uma nota de Kardec reportando uma reunião ocorrida em 30 de abril de 1856 na casa do Sr. Roustan (não confundir com Roustaing) na qual, por intermédio da médium Srta. Japhet, foi dado a Kardec saber de sua missão. Era uma reunião íntima, para poucos. Estava presente nessa reunião um Sr. “M”. Após a transcrição da mensagem cujos dizeres finais foram: “A ti, M…, a espada que não fere, porém mata; contra tudo o que é, serás tu o primeiro a vir. Ele, Rivail, virá em segundo lugar: é o obreiro que reconstrói o que foi demolido”. Palavras bastante enigmáticas, não é mesmo?
Kardec acrescenta a seguinte nota a essas palavras: “Foi essa a primeira revelação positiva da minha missão e confesso que, quando vi a cesta voltar-se bruscamente para o meu lado e designar-me nominativamente, não me pude forrar a certa emoção. O Sr. M…, que assistia àquela reunião, era um moço de opiniões radicalíssimas, envolvido nos negócios políticos e obrigado a não se colocar muito em evidência. Acreditando que se tratava de uma próxima subversão, aprestou-se a tomar parte nela e a combinar planos de reforma. Era, aliás, homem brando e inofensivo”.
Não precisamos de muita imaginação para percebermos quantas especulações podem ser tiradas desse fato narrado por Kardec em 1856.
Como vimos, Marx foi expulso da França em 1849. Mas, por força de interesses pessoais e suas relações na sociedade francesa, poderia ter permanecido clandestinamente ou saído e retornado outras vezes anonimamente. Isso combina com a alegação de Kardec que o Sr. M era obrigado a não se colocar em evidência. A alegação de Kardec sobre o Sr. M ter opiniões radicais e ter imaginado que a reunião poderia ter importância política subversiva, também combina com o perfil de Marx. Mas tudo isso são especulações. Guardam certa coerência, mas não passam de especulações. O Sr. M pode ter sido outra pessoa qualquer. Especulações mais robustas demandariam um mergulho mais fundo na vida de Marx, de Kardec, e dos demais participantes da reunião, o que foge ao escopo de nossa reflexão. Na verdade, para nosso propósito, é mais relevante o legado intelectual de Kardec e de Marx que um eventual encontro e conversa entre eles. Um legado que, diga-se de passagem, é ainda mal compreendido e mal interpretado em ambos os casos.
Retornemos ao gérmen desta reflexão. Voltemos à polarização política radical suscitada pelas “fakenews” e também fruto de um processo já mais antigo de despolitização ou deseducação política da sociedade. Infelizmente, essa onda de radicalismo atingiu inclusive alguns setores do movimento espírita. Não vamos falar de partidos políticos nem de orientações políticas de esquerda ou de direita nem muito menos de nomes, sejam de políticos ou não. Quero inclusive deixar claro que, pessoalmente, considero as denominações esquerda e direita ultrapassadas e inadequadas ao complexo contexto social político e econômico atual. O que não significa descaso com eventuais postulações honestas de um lado ou de outro.
O problema começa com um processo de mutilação e depreciação total do que vem a ser política. Hoje, no Brasil, não temos mais “Partidos Políticos”. O que temos são agremiações de pessoas preocupadas apenas com seus interesses mesquinhos. São raras as exceções. Siglas partidárias e orientações de esquerda ou de direita são apenas rótulos diferentes para o mesmo produto. Esquerda e direita, além de ser um discurso já ultrapassado, é também um discurso vazio sem qualquer vinculação com a história e com a dinâmica evolutiva da sociedade. Isso afastou o cidadão do debate político e do interesse pelo processo eleitoral. Isso acabou produzindo uma nação com cidadãos, politicamente, deseducados, despreparados e apáticos. Fato muito bem exemplificado pelo conhecido dito popular:- “tanto faz votar em “A” ou “B”. É tudo farinha do mesmo saco”. O problema é que essa alienação política da sociedade só agrava o problema.
E, infelizmente, o problema não para aí. A radicalização política dos últimos anos, alimentada pela presença cada vez maior das redes sociais como formadoras de opinião, protagonizou um total esfacelamento de inúmeros conceitos e princípios importantes. Uma onda de mentiras e teorias conspiratórias inventadas ou requentadas acabaram envenenando muita gente boa, inclusive espíritas que, mais que outros, deveriam cuidar melhor do amor ao próximo e da tolerância com as diferenças. Usando de uma analogia com o futebol, essa radicalização política chegou a tal ponto que, se você conversar com uma pessoa que torce para o time “A” e, apenas a título de puxar conversa, faz um comentário qualquer que possa ser interpretado como contendo algum traço, mínimo que seja, de simpatia pelo time “B”, é imediatamente escorraçado como se estivesse falando a maior barbaridade do mundo. O cara torce para “A” e por isso somente “A” presta e não tem defeitos. Os outros são completamente indesejáveis e abjetos. Qualquer coisa que lembre outra coisa que não seja “A” não é futebol, não é esporte e não presta. Esse é o quadro político que temos hoje no Brasil e, infelizmente, em meio a vários espíritas.
É por este motivo que me recuso julgar pessoas e citar nomes. O problema não está em um nome. Nunca a responsabilidade é de um único nome. O problema está na compreensão exclusivamente passional e preconceituosa das coisas, sem qualquer chance para o exercício de uma fé raciocinada. Isso precisa ser revertido. Precisamos compreender o que ensinou Kardec e o que ensinou Jesus. Essa situação em que a simples menção de um nome ou de qualquer coisa que possa ser associada a determinada posição política, cause imediatamente uma reação de aceitação total ou rejeição total precisa ser revista. Isso não é democracia. Isso não é espiritismo. Isso não é cristianismo.
Comecemos então com o espiritismo. O que é ser espírita? No ESE, temos a seguinte colocação: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más”. Sugerimos que o leitor leia todo o conteúdo do Cap. XVII – Sede Perfeitos. Mas a colocação acima já nos permite ver o que está errado no cenário atual. Com a devida licença de Kardec, poderíamos colocar “homem de bem” em lugar da palavra “espírita” só para ampliarmos o alcance da mensagem. Pode-se perceber que o julgamento apressado de pessoas com base apenas em notícias duvidosas, teorias conspiratórias ou a interpretação passional e incompleta de certos conceitos, se afasta completamente da proposta acima.
Seguindo nosso propósito de resgate do bom senso, principalmente dentre os espíritas, vamos refletir sobre o conjunto de conceitos a seguir, indevidamente misturados e completamente descaracterizados pelo radicalismo e alienação política. Vamos falar de Marxismo, Socialismo, Esquerda, Direita, Comunismo, Materialismo, Ateísmo, Anarquismo e Espiritismo. Dentre eles, duas ideias causam muita confusão e, por ingenuidade ou por má fé das pessoas, promovem a desinformação e o afastamento do indivíduo do caminho do homem de bem. São os conceitos de Materialismo e de Ateísmo.
O materialismo é um conceito que surgiu na Grécia antiga, cerca de 400 anos AC. Na época não se chamava materialismo. O que havia era o atomismo de Demócrito que é considerado o pai da ciência moderna. Para Demócrito, tudo era feito de átomos e espaço vazio onde os átomos poderiam se mover. Do grego, “A” = negação ou ausência e “TOMO” = divisível. Portanto, átomo significa indivisível. Para Demócrito, tudo era átomos em movimento. Diferentes coisas do mundo eram devidas à diferentes tipos de átomos. A própria alma humana era átomos em movimento. A título de curiosidade, e já fazendo uma ponte, a tese de doutorado de Karl Marx foi sobre Demócrito e Epicuro (Atenas, cerca de 300 anos AC). Epicuro foi um seguidor de Demócrito, mas acrescentou um detalhe ao atomismo Democritiano. Epicuro postulou que os átomos não se moviam em linhas retas como postulava Demócrito. Para Epicuro os átomos se moviam de forma aleatória abrindo espaço para o indeterminismo, portanto para a liberdade e o livre arbítrio. Epicuro também chegou a fazer uma analogia entre o atomismo material e a sociedade onde os indivíduos seriam como átomos sociais. Marx foi atraído por essa perspectiva político-social do materialismo ou atomismo de Epicuro.
Aproveitando que estabelecemos uma ponte entre o materialismo e Marx, vamos examinar também o conceito de Ateísmo. Como visto acima “A” = negação ou ausência e “THEOS” = divindade ou Deus. Portanto, ateísmo seria a negação de Deus, isto é, de sua existência ou a ausência da ideia de Deus. Observe que ser ateu não significa ser contra Deus. Significa apenas não ter dentro de si a ideia de Deus. O ateísmo é um conceito complexo e entre os próprios ateus existem muitas divergências. Existem os radicais, que são ativistas declarados no combate às Religiões Teístas. Não percebem que sua posição radical contra Deus é dogmática e, portanto, uma espécie de Fé com sinal trocado. Mas a maioria dos ateus apenas não crê, sem qualquer animosidade em relação a quem crê. Mais ainda. Muitos ateus, na verdade, são desiludidos com as propostas religiosas convencionais. Kardec aponta isso no cap. VI de CI-O céu e o Inferno. Por isso, alegar que um indivíduo, na prática, não possa seguir princípios éticos e morais divulgados por Jesus, isto é, ser um cristão, no sentido de homem de bem, só porque não esposa fé em Deus, é sinal de inequívoco preconceito. Lamentavelmente, muitos que se dizem espíritas têm manifestado esse preconceito nas redes sociais por estarem contaminados com a radicalização política. Também cabe aqui um parêntese. Embora Kardec tenha colocado o materialismo e o ateísmo como ideias interligadas, hoje sabemos que isso não é uma regra geral. Basta olharmos o Budismo que dispensa a ideia de Deus, ou seja, é uma doutrina ateísta, mas é espiritualista, inclusive reencarnacionista.
Kardec era um homem à frente do seu tempo, mas não poderia furtar-se à cultura, à política, aos movimentos sociais, filosóficos, científicos e religiosos de seu tempo. Viveu e trabalhou na doutrina espírita dentro de um contexto bastante conturbado. De um lado tinha o dogmatismo da Igreja. De outro havia o positivismo Comteano que propunha uma ruptura total da filosofia com metafísica e a teologia, ou seja, era materialista. Deste modo, Kardec estava entre um fogo cruzado. É lícito supormos que Kardec precisou fazer concessões em seu trabalho para que o mesmo pudesse prosperar e ser apresentado ao público. Isso justifica que algumas coisas tenham ficado pendentes de maiores explicações. Por isso o estudo criterioso e aprofundado dos aspectos filosóficos e científicos do espiritismo não podem se relegados. Sobretudo porque Kardec assim nos orientou.
Retomando nossa linha argumentativa, vejamos uma injustificada mistura de ateísmo com materialismo com marxismo e com socialismo, mais uma vez revelando preconceito e falta de esclarecimento adequado. Aliás, o termo Marxismo nunca foi reivindicado por Marx, do mesmo modo que Kardec jamais advogou o termo Kardecismo e Jesus jamais pregou o Cristianismo. Percebe-se que, ao se interpretar e estudar as ideias de um pensador, costuma se adotar rótulos não propostos pelos autores. Esses rótulos, com o tempo, não estão imunes à incorporação de novas ideias, muitas vezes até estranhas e contrárias à ideia original. Por isso é preciso muito cuidado com a apreciação apressada dos conceitos filosóficos, políticos e sociais, inclusive para não estigmatizarmos pessoas de forma injusta.
Marx era materialista no sentido científico do termo. Propôs uma interpretação materialista da história, nomeado por ele como materialismo histórico. Para Marx, tudo que existe em uma sociedade organizada, é fruto de uma eterna luta de classes entre os detentores dos meios de produção, chamados de burgueses, e o proletariado que vende sua força de trabalho. Segundo Marx, isso explica a configuração do Mundo em todos os setores da sociedade. Isso explica inclusive as atividades religiosas. Portanto o Mundo se apresenta tal como é, conforme a conveniência e desejo da burguesia. A classe trabalhadora, isto é, o proletariado está condenado a ser apenas uma força de trabalho a serviço da burguesia. Na época de Marx, isso estava muito bem caracterizado dentro da revolução industrial iniciada no século XVIII e que promoveu profundas mudanças nos métodos de produção de bens de consumo. Hoje, em função do enorme avanço, a situação adquiriu uma complexidade muito grande. Mesmo assim ainda é possível, segundo os especialistas, uma interpretação Marxista dessa realidade socioeconômica. Inclusive, a degradação da natureza pela exploração descontrolada de recursos e pela poluição, por exemplo, é passível de uma análise Marxista como consequência de um sistema capitalista que não enxerga o ser humano e a natureza, mas apenas o capital. É claro que Marx analisa as coisas sob uma ótica puramente materialista. Sob uma ótica dualista, isto é, espírito-matéria, a compreensão do problema pode ser expandida, mas sem necessariamente revogar a parte material. Afinal de contas, cobiça, orgulho, egoísmo são aspectos bastante ligados aos instintos animais.
Nesse ponto vale a pena uma reflexão filosófica:
“O principal guia que deve nos orientar na escolha de uma profissão é o bem-estar da humanidade e o nosso próprio aperfeiçoamento … a natureza humana é de tal modo constituída que o homem só atinge a própria perfeição trabalhando pelo aperfeiçoamento, pelo bem, de seus semelhantes … Se ele trabalha só para si mesmo, pode vir a ser um erudito famoso, um grande sábio, um excelente poeta, mas jamais será um homem perfeito, um grande homem de verdade … Se escolhemos a posição na vida em que possamos trabalhar principalmente pela humanidade, nenhum fardo nos há de derrubar, pois serão sacrifícios pelo benefício de todos; de modo que não sentiremos uma alegria mesquinha, limitada e egoísta, mas nossa felicidade será a de milhões, nossas proezas viverão em silêncio mas eternamente atuantes, e sobre nossas cinzas serão derramadas fervorosas lágrimas de pessoas nobres”.
Esta outra reflexão também é interessante:
“…Numa idade absurdamente prematura, com sete anos, sabia já que jamais alguma palavra humana me feriria: alguém me viu alguma vez magoado a tal respeito? — Hoje ainda tenho para com toda a gente a mesma afabilidade, mostro-me cheio de apreço pelos mais humildes: não há em tudo isso um grão de orgulho, de secreto desprezo. Quem é objeto do meu desprezo adivinha que é por mim desprezado: graças à minha simples existência, escandalizo tudo o que no corpo tem mau sangue… A minha fórmula para a grandeza do homem é amor fati: nada pretender ter de diferente, nada para frente, nada para trás, nada por toda a eternidade. O necessário não é apenas para se suportar, menos ainda para se ocultar — todo o idealismo é mentira perante o necessário —, mas para o amar…
Sabe quem escreveu essas reflexões? A primeira você pode ter acertado. Foi o materialista ateu Marx aos 17 anos. Foi num ensaio de 1835 no qual ele se preparava para ingressar na universidade (Wikipédia.org). A segunda foi o igualmente materialista ateu Nietzsche em seu livro “Ecce Homo”. Perceba que os atributos humanistas de um indivíduo, sua nobreza de sentimentos e seu apreço por valores, não estão necessariamente vinculados ao fato do mesmo crer ou não crer em Deus. “Infelizmente, as religiões têm sido, em todos os tempos, instrumentos de dominação”. A cara é de Marx, não é mesmo? Mas é Kardec (Gênese, Cap. I – item 8)
Marx, Nietzsche e Freud são as três grandes figuras no cenário filosófico desde o final do século XIX até os dias de hoje. Acredito que Kardec, mesmo sendo dualista, também seria presença marcante fora das fronteiras do movimento espírita, se o espiritismo não tivesse saído dos trilhos originalmente traçados por ele, Kardec.
Nesta altura, acho que você já deve ter percebido que muita coisa que aparece na internet, do tipo: Marxismo Cultural; Foro de São Paulo; Ideologia de Gênero; Nasa fraudou pouso da Apolo 11 na Lua; A Terra é plana; A vacina da Covid altera o DNA; A CIA estaria conduzindo experimentos para controle mental; O ataque às torres gêmeas foi orquestrado pelos EUA; A conspiração Judaico maçônica para conquistar o mundo, e por ai vai uma lista infindável de mentiras, balões de ensaio que, eventualmente, podem até partir de algo verdadeiro, mas que são completamente transfigurados para fins políticos tendenciosos de todos os lados.
É preciso entender que a visão materialista científica ou filosófica do mundo e da vida, não significa um desapreço por sentimentos e valores. O materialismo só se torna um problema quando se faz a transposição tendenciosa dessa premissa filosófico-científica para o ego como meio para justificar o orgulho, o egoísmo, a cobiça, a luxúria e todas as más tendências do indivíduo. É a famosa e descabida desculpa de que a “carne é fraca”. Sem dúvida, essa forma rasteira de materialismo deve ser combatida como bem alertou Kardec. O tema é complexo e sutil, mas a causa não está na ciência ou na filosofia. A causa está no atraso moral dos indivíduos.
Os conceitos de Esquerda e Direita datam da Revolução Francesa. Basicamente esquerda representa a parte da sociedade desejosa de mudanças sociais (classe trabalhadora mais humilde), são os chamados progressistas. A direita representa os conservadores (detentores dos meios de produção) que temem ter seus privilégios reduzidos. Normalmente, a esquerda alinha-se com o comunismo, com o socialismo e com o anarquismo. E vale notar que todas essas concepções filosóficas foram pensadas de boa-fé como forma de promoção da justiça social. Os problemas surgem quando se tenta colocar em prática, na sociedade real, essas ideias sob uma premissa puramente materialista. Isso só pode ser feito lançando mão de estratégias artificiais, geralmente, requerendo algum grau de autoritarismo. Com isso a ideia inicial de justiça social acaba sofrendo distorções e podendo se transformar até em uma ditadura. Foi o que aconteceu na antiga União Soviética com Lenine, o marxismo-leninismo. Todavia, como concepção idealista de justiça social, o socialismo está intimamente relacionado ao cristianismo. Sua ideia original vem desde Platão. Um socialismo verdadeiramente eficiente deverá ser alcançado quando houver consciência das pessoas de que o equilíbrio e a felicidade coletiva dependem de cooperação entre todos e não de competição para ver quem chega antes ou quem acumula mais riquezas. O espiritismo tem importante papel nesse sentido. A justiça social não pode ser imposta. Terá que advir com a conscientização e cooperação voluntária. Vale a pena ler “Socialismo e Espiritismo” de Leon Denis, escrito antes de muitas das distorções ocorridas em tentativas de implantação artificial como apontado acima.
Espíritas!
Fé raciocinada. Bom senso. E muito estudo.