9. Conclusão sobre Ciência & Espiritismo

Pelas ideias debatidas (Diálogo fraterno sobre ciência & espiritismo) podemos concluir que o conceito de ciência está mais ligado aos métodos de trabalho, a forma como as novas ideias são propostas e testadas, do que propriamente a um campo específico de estudo. As ciências ordinárias desenvolveram inicialmente estes métodos para o estudo da matéria e, com o surgimento do Espiritismo, surgiram também os desenvolvimentos metodológicos que permitem lidar com os fenômenos que escapam aos estreitos limites destas ciências.

Estes métodos, como quaisquer outros métodos científicos, devem ser avaliados por seus resultados, pela capacidade que tem de fornecer uma descrição da realidade sob estudo, descrição naturalmente aproximada e que evolui conforme novos conhecimentos surgem e novas teorias são construídas e validadas. Dentro desse enfoque, os resultados dos estudos espíritas, tem permitido elaborar de forma bem sucedida uma teoria dos fenômenos mediúnicos e – indo além do que é costumeiro nas ciências ordinárias – deles derivar uma filosofia de vida espiritualista bastante completa. Dos fenômenos descritos e previstos até o “porquê” da vida formam na Doutrina Espírita um conjunto coerente e sustentável de conhecimentos.

As ciências ordinárias, por motivos históricos, preferem abster-se dos “porquês”, e rejeitam qualquer explicação que extrapole os limites auto-estabelecidos da presente existência material, isto é uma escolha filosófica, mesmo que não se goste de admiti-lo. Esta escolha filosófica – que pode ser chamada de materialista, por negar o lado espiritual da realidade – independe dos métodos e dos resultados, até pelo contrário, os determina. Uma vez que toda questão espiritualista é rejeitada a priori não há como encontrar evidências dela. Prova disto foram a metapsíquica e a parapsicologia que vêm tentando há mais de um século desenvolver teorias alternativas a hipótese espírita da sobrevivência da alma e de sua possibilidade de comunicação com os espíritos. O resultado destas duas escolas – que inclusive sempre lutaram por seu reconhecimento como ciência – foram teorias fragmentárias e muitas vezes mirabolantes para evitar a explicação bem mais simples e abrangente de que somos seres espirituais transitoriamente em estágio no corpo de carne e que consequentemente temos possibilidades que extrapolam as condições da matéria.

A escolha filosófica das ciências ordinárias não impede que outras escolhas existam e nem que escolas de pensamento que as adotem sejam tão científicas quanto elas. O estudo científico do espírito é possível e da mesma forma é possível e é isto que realiza o Espiritismo. As posições individuais de cientistas devem ser julgadas dentro de seus campos de conhecimento e conforme os métodos reconhecidos de validação do conhecimento cientifico nestes mesmos campos. Fora de seus campos de conhecimento e fora de seus métodos suas posições são basicamente opiniões que podem ser válidas ou não. 

A visão do grande publico de uma “Ciência” homogênea,  composta de pessoas que possam dar um veredito do que é ciência ou do que não é, que de suas academias julgam e validam as descobertas, é em grande parte uma grande simplificação da realidade social do “fazer-se ciência”. Existem cientistas, universidades, institutos de pesquisa, revistas de divulgação, congressos, etc… onde a ciência é feita e discutida de forma descentralizada e autônoma. A divulgação do trabalho destas entidades sociais pela mídia é que gera a visão de uma “Ciência” enquanto ente independente.  Da mesma forma, a divulgação das opiniões mais correntes nestas entidades é que leva a acreditar que a ciência “aprova” ou “desaprova” isto ou aquilo. E em um mundo extremamente materialista – no sentido de valorização das coisas imediatas e materiais em detrimento das coisas espirituais – a maioria desta opinião é materialista, o que não significa que a “ciência” – no sentido de um corpo organizado de conhecimento adquirido através das gerações – o seja necessariamente.

Isto posto, definido que a Ciência – por si só – não tem como ser materialista ou espiritualista – tudo dependendo da escolha filosófica dos cientistas na definição e aplicação dos métodos – resta agora sumarizar a questão da relação entre as descobertas das ciências ordinárias e as descobertas da ciência espírita.

As Ciências Ordinárias – como foi amplamente explicado no debate – utilizando-se de seus métodos de trabalho, chegam a conhecimentos sobre o mundo material, mundo este que  compreende tudo o que chamamos de “energia” e suas derivações, como a própria matéria. As ciências ordinárias não buscam conhecimentos sobre o mundo espiritual, pois o negam a priori. Qualquer descobertas “espiritualista” nestas ciências será completamente casual e sempre receberá uma interpretação materialista ou nenhuma interpretação. Exceções, como a insistência do cientista William Crookes no século passado de constatar a realidade espiritual com o uso de seus métodos científicos, serão tratadas pelas entidades sociais acima mencionadas como excentricidades e até serão combatidas por abalar as premissas filosóficas não-declaradas.

As teorias são sempre descrições aproximadas da realidade, sempre abstraindo algumas variáveis e utilizando outras para a descrição, estes modelos e os conhecimentos derivados deles são utilizados dentro dos métodos científicos para previsões que serão observadas experimentalmente. A comprovação experimental destas previsões determina o maior ou menor sucesso da teoria. 

A Doutrina Espírita, com seus métodos de trabalho, estuda o mundo espiritual e suas relações com o mundo material. Sendo o espírito e o mundo espiritual realidades “físicas” e não abstrações é razoável raciocinar que em algum ponto suas interações com o mundo material gerarão fenômenos observáveis pelas ciências ordinárias. Mesmo sua presença na tecitura da realidade, de algum modo, deverá se encaixar nas futuras fórmulas matemáticas que descreverão o Universo.

Agora o grande problema é que o distanciamento dos campos de observação – e a própria filosofia diferente – torna muito difícil a extrapolação dos resultados de uma para outra. Por exemplo, no século XIX os espíritos preferiram utilizar a palavra “fluído” para indicar um estado da matéria não tangível e imperceptível aos nossos sentidos. Era uma palavra corrente na ciência da época. Pois bem, em sua evolução a ciência modernizou seu vocabulário e hoje não fala mais de fluídos, sendo “energia” e “campo” as palavras que melhor se aproximariam do conceito espírita. Mas uma modernização da palavra “fluído” cairia em um erro conceitual razoável – do mesmo modo que o “fluído” das ciências ordinárias do século XIX não era o “fluído” dos espíritos, a “energia” e o “campo” atuais não tem as mesmas propriedades deste, sendo mais provavelmente derivações do “fluído material” descrito pelos espíritos. “Energia” e “Campo” são conceitos associados a teorias – aproximações da realidade – que descrevem eventos no “mundo material”. Segundo os espíritos, o mundo real e primitivo, do qual deriva o mundo material, é o mundo espiritual, assim, possivelmente, em futuro distante as equações matemáticas dos modelos científicos descreverão ambos e o mundo material será um caso particular de aplicação destas.

Talvez o campo mais promissor de aproximação com as ciências ordinárias, seja a Cosmologia, onde a observação em grande escala, força modelos de descrição da realidade que chegam muito próximos aos das doutrinas espiritualistas. A tecitura do Universo, por trás dos eventos físicos observados no cosmo, é mais aparente que nos eventos de pequena escala do dia-a-dia. Mas mesmo assim não se pode esquecer que conseguimos, com nossos aparelhos, observar apenas uma das faces da realidade, a material.

A Física Moderna, por outro lado, observando o muito pequeno, também poderia chegar a trazer pistas importantes das interações entre espírito e matéria, porém suas teorias matemáticas são ainda muito complexas e é um campo ainda em rápida evolução. Talvez seja necessário aguardar seu amadurecimento para dai extrair de suas descobertas as pistas que possam levar aos aspectos transcendentes da vida.

O cientista espírita deve portanto focar em seus métodos e campo de estudo, buscando desvendar os segredos da natureza que estão além das descobertas das ciências ordinárias, usando-as quando possível, mas sempre tomando o cuidado de reconhecer que lidam com objetivos diferentes. O grande publico espírita, por outro lado, deve se acautelar contra simplificações exageradas das descobertas das ciências ordinárias e principalmente das extrapolações indevidas de suas descobertas para o campo espírita. Extrapolações simplistas que muitas vezes mais contribuem para o descrédito da doutrina que para o convencimento dos céticos. 
Não será utilizando “linguajar” científico “moderno” nem usando simplificações erradas que se convencerão os cientistas da realidade do espírito, somente métodos rigorosos e bem estabelecidos, com resultados controlados e verificáveis, que se mostrará de forma irrefutável que a realidade não está limitada ao que chamamos de vida material. E mais que isso, que se tenha em mente, que enquanto a opção geral do mundo for por uma sociedade apegada aos valores materiais, a entidade social a que chamamos de “Ciência” não mudará radicalmente sua opinião. Indivíduos corajosos poderão fazê-lo, mas dificilmente veremos modificações de grande escala em universidades, academias, institutos e assim por diante. Eles são reflexos do meio social e somente quando este meio mudar, eles mudarão.

A Doutrina Espírita postula em sua filosofia – embasada em seu corpo de conhecimentos adquiridos através de seus métodos de estudo – que somente a transformação individual modificará a sociedade, e isto é válido para a Ciência também, e assim, até lá, sejamos conscientes de que a relação entre Ciência & Espiritismo deve ser cooperativa – sendo que este último tem a obrigação de se manter sempre a par com a primeira, abandonando qualquer teoria que esta prove errada (considerando todos os aspectos da questão discutidos neste debate) – mas nunca vista de forma simplista. 

Notas

[1] – “Epistemologia é o ramo da Filosofia que estuda a investigação científica e seu produto, o conhecimento científico.” (BUNGRE, 1987) 

Bibliografia

BUNGRE, M. Epistemologia. 2.a ed. São Paulo: T. A. Queiroz Editor. 1987.

KARDEC, A. Iniciação Espírita. 13.a ed. Brasília: EDICEL, 1995. (O livro é o primeiro volume das obras completas de Allan Kardec reunindo os textos – O Espiritismo em sua mais simples expressão; O que é o Espiritismo; Instruções práticas sobre as manifestações espíritas)

Wilber, K. Quantum Questions, Shambhala Publications, Boston 2001.

_______________

Fonte: Boletim GEAE 12(484), 09/11/2004

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *