Pouca Gente Sabe, Orson P. Carrara, Brasil
Muitos já
ouviram falar, outros talvez ignorem totalmente, mas a verdade é
que a personalidade cujo aniversário é comemorado na
primeira semana de outubro ainda é um ilustre desconhecido.
Imaginam que ele foi algum místico, líder religioso ou
algo parecido. Chegam a pensar que fundou alguma religião e
muitas vezes o desprezam completamente, justamente por
desconhecê-lo. Na verdade, ele foi respeitado professor em sua
época.
Homem de
princípios rígidos, educado em famoso instituto
educacional da Suíça, observador atento que buscava
razões para fatos e acontecimentos, criterioso pesquisador e
comportamento avesso a práticas místicas ou fantasiosas.
Ao mesmo tempo, porém, personalidade bondosa que chegou a fundar
cursos gratuitos para pessoas carentes. Publicou inúmeros livros
em sua área profissional, que foram inclusive adotados pelo
governo, e tornou-se respeitável figura da sociedade de sua
época.
Casado e sem filhos,
aos cinqüenta anos foi levado por amigos a observar estranhos
fenômenos que se tornavam moda na França. Incrédulo
a princípio, aplicou os métodos que usava como
sério pesquisador e através da observação e
da experimentação, concluiu pela existência dos
espíritos como agentes dos estranhos fenômenos. Dedicou-se
a estudar tais fenômenos, percebendo neles um mundo novo que se
abria aos horizontes humanos, com a constatação plena da
imortalidade da alma após a morte do corpo e a possibilidade do
intercâmbio entre os chamados mortos com os chamados vivos
através da mediunidade. Revelações antes já
anunciadas por Jesus e ora estudadas com a profundidade que o assunto
merece.
De posse de
informações e pesquisas, colhidas de
manifestações recebidas em diversos lugares do mundo,
simultaneamente e por pessoas desconhecidas entre si, além
do trabalho pessoal dele próprio nesse campo de pesquisa,
publicou a obra O Livro dos Espíritos, obra basilar da
Codificação Espírita, que surgiu em Paris,
França, no dia 18 de abril de 1857. A partir daí,
publicou outras obras que se seguiram, fundou uma revista que
funcionava como verdadeiro laboratório de pesquisas, fundou
ainda uma sociedade para reunir os interessados em estudar e pesquisar
os mesmos assuntos e tornou-se o Codificador (organizador) do
Espiritismo, ou seja aquele que organizou os ensinos trazidos pelos
espíritos.
Poliglota, homem
dotado de muita cultura, e essencialmente um pesquisador, Hippolyte
Leon Denizard Rivail nasceu em Lion, na França, no dia 3 de
outubro de 1804 (data que ora lembramos) e ao publicar as obras da
Codificação Espírita, adotou o pseudônimo de
Allan Kardec, como a dizer que aqueles não eram livros de sua
autoria, mas fruto dos ensinos dos espíritos, que ele, Rivail,
apenas fora o instrumento para organizar e coordenar os assuntos e
dar-lhes publicidade. Não foi médium, líder
religioso, místico ou qualquer outro título que lhe
queiram dar. Apenas um respeitado cidadão francês, de
muita cultura e personalidade firme e bondosa, que defrontado com
estranhos fenômenos, dedicou-se a pesquisá-los, vencendo
inicialmente as barreiras da própria incredulidade, mas sabedor
de que ali se encontrava a resposta para as angustias humanas. Esta
é a personalidade ímpar de Allan Kardec, o Codificador do
Espiritismo.
SALVE KARDEC - nos seus 202 anos de nascimento!
Índice
Prática
Mediúnica, Rogerio Coelho, Brasil
"A mediunidade praticada de acordo com os parâmetros
espiritistas,
não poderá estar apartada da: Oração,
Meditação, Recolhimento,
Estudo, Disciplina,
Perseverança, Humildade e Senso de
conjunto."
-
François C. Liran
Assevera
o Mestre Lionês:
"A
mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada santamente,
religiosamente..."
Reconhecendo os graves e desastrosos desvios na área
da prática mediúnica, Kardec confessa: “por mais de uma vez tive motivos de
deplorar elogios
que dispensei a alguns médiuns, com o intuito de os animar."
A
seguir, o Codificador da Doutrina dos
Espíritos evidencia o quadro do médium verdadeiramente
bom, nos seguintes termos:
"Supor-lhe-emos,
antes de tudo, uma
grandíssima facilidade de execução, que
permita se comuniquem livremente os Espíritos, sem encontrarem
qualquer obstáculo material. Isto posto, o
que mais importa considerar é de que natureza são os
Espíritos que habitualmente o assistem, para o que não
nos devemos ater aos nomes, porém, à linguagem. Jamais
deverá ele perder de vista que a simpatia que lhe dispensam os
bons Espíritos, estará na razão
direta de seus esforços por afastar os maus. Persuadido
de que a sua faculdade é um dom que só lhe foi outorgado
para o bem, de nenhum modo procura prevalecer-se
dela, nem apresentá-la como demonstração de
mérito seu. Aceita as boas comunicações, que
lhe são transmitidas, como uma graça, de que lhe
cumpre tornar-se cada vez mais digno, pela sua bondade, pela sua
benevolência e pela sua modéstia. O primeiro se
orgulha de suas relações com os Espíritos
superiores; este outro se humilha, por se considerar sempre abaixo
desse favor."
Um Espírito,
dissertando sobre a influência
moral do médium, nas comunicações, afirmou,
entre outras coisas, o seguinte:
"Os
Espíritos, que considerais como
personificações do bem, não atendem de
boa-vontade ao apelo dos que trazem o coração
manchado pelo orgulho, pela cupidez e pela falta de caridade.
Expurguem-se,
pois, os que desejem
esclarecer-se, de toda a vaidade humana e humilhem a sua
inteligência ante o infinito poder do Criador. Esta a melhor
prova que poderão dar da sinceridade do desejo que os
anima. É uma condição a que todos podem
satisfazer.
Se o
médium, do ponto de vista da
execução, não passa de um instrumento, exerce,
todavia, influência muito grande, sob o aspecto moral. Pois que,
para se comunicar, o Espírito desencarnado se
identifica com o Espírito do médium, esta
identificação não se pode verificar, senão
havendo, entre um e outro, simpatia e, se assim é lícito
dizer-se, afinidade. A alma exerce sobre o Espírito livre
uma espécie de atração, ou de repulsão,
conforme o grau de semelhança existente entre eles. Ora, os bons
têm afinidade com os bons e os maus com os maus,
donde se segue que as qualidades morais do médium exercem
influência capital sobre a natureza dos Espíritos
que por ele se comunicam. As qualidades que, de preferência,
atraem os bons Espíritos são: a bondade, a
benevolência, a simplicidade do coração, o amor do
próximo, o desprendimento das coisas materiais. Os defeitos que
os afastam são: o orgulho, o egoísmo,
a inveja, o ciúme, o ódio, a cupidez, a sensualidade e
todas as paixões que escravizam o homem à matéria.
Todas
as imperfeições morais são outras tantas portas
abertas ao acesso dos maus Espíritos. A que, porém, eles
exploram com mais habilidade é o
orgulho, porque é a que a criatura menos confessa a si mesma. O
orgulho tem perdido muitos médiuns dotados das mais belas
faculdades e que, se não fora essa imperfeição,
teriam podido tornar-se instrumentos notáveis e muito
úteis, ao passo que, presas de Espíritos
mentirosos, suas faculdades, depois de se haverem pervertido,
aniquilaram-se e mais de um se viu humilhado por amaríssimas
decepções.”
Estudar
primeiro, praticar depois, tal a
diretriz. Além do estudo, incluir no cardápio de
atitudes frente à prática mediúnica a
oração, a fim de estabelecer sintonias sadias
e elevadas; a meditação, para expandir a base
dos raciocínios; a disciplina que facultará
melhores adequações aos trabalhos; a
perseverança
a fim de que os Espíritos Amigos possam sempre contar com nossa
presença e participação nos
trabalhos; a humildade para que o egoísmo, o orgulho e
a vaidade não tisnem as tarefas e, finalmente, jamais
praticar a mediunidade a sós; integrar-se sempre a uma
equipe de seareiros a fim de que qualquer desvio ou anormalidade possa
presto ser eliminado.
Atentemos, finalmente, para as palavras de Erasto:
"O
Espiritismo já está bastante espalhado entre os homens e
já moralizou suficientemente os adeptos sinceros da sua santa
doutrina, para
que os Espíritos já não se vejam constrangidos a
usar de maus instrumentos, de médiuns imperfeitos. Se, pois,
agora, um médium, qualquer que ele seja, se tornar
objeto de legítima suspeição, pelo seu proceder,
pelos seus costumes, pelo seu orgulho, pela sua falta de amor e de
caridade, repeli, repeli suas comunicações,
porquanto aí estará uma serpente oculta entre as
ervas. É esta a conclusão a que chego sobre a
influência moral dos médiuns."
A
prática do Espiritismo é um terreno no
qual só poderemos transitar sem tropeços mediante
acurados estudos, os quais devem começar pelo "O Livro
dos Médiuns" a fim de que nossa atividade não seja
vã e perigosa, mas produtiva e útil a
encarnados e desencarnados.
Índice
Alguns Dados Biográficos de Allan Kardec, Christiano
Torchi, Brasil
“Nascer, viver, morrer, renascer ainda e
progredir sempre, tal é a Lei.”
O conhecimento da
biografia dos grandes homens auxilia muito o entendimento e a
interpretação de suas obras e de suas mensagens.
Não poderia ser diferente com Kardec (Obras Póstumas,
Feb, p. 11-19).
Hippolyte Léon Denizard Rivail, nome civil de
Allan Kardec, reencarnou em Lion, França, aos 3 de outubro de
1804, como filho de Jean Baptiste Antoine Rivail (juiz de direito) e de
Jeanne Louise Duhamel, ambos católicos.
Aproximadamente aos dez anos, foi encaminhado a
Yverdun, cidade da Suíça, a fim de completar seus estudos
na então escola-modelo da Europa, que funcionava em regime de
internato, dirigida pelo célebre pedagogo Johann Heinrich
Pestalozzi (1746-1827).
Aos dezoito anos, retornou à França,
fixando-se em Paris, centro da cultura mundial, onde predominava a
corrente filosófica do positivismo defendida por Augusto Comte.
Rivail dedicou-se à instrução e à
educação durante aproximadamente trinta anos, tendo sido,
inclusive, diretor de escola e professor. Escreveu vários livros
didáticos sobre diversos assuntos, entre os quais
aritmética, gramática francesa, química,
física, astronomia e anatomia comparada.
Influenciado pelas idéias de Pestalozzi,
também escreveu livros sobre a reforma do ensino. Mais tarde,
foi compelido a deixar o magistério em virtude do regime
educacional implantado na época do imperador Napoleão I,
que restringia a liberdade de ensino. Em 1852, teve problemas de vista
e quase ficou cego.
Estudou, durante trinta e cinco anos, o magnetismo,
adquirindo sólidos conhecimentos a respeito. Exerceu ainda a
função de contabilista e tradutor de obras estrangeiras,
uma vez que dominava outras línguas, além do
francês, entre elas, alemão, inglês, italiano e
espanhol.
Zeus Wantuil e Francisco Thiesen, na obra Allan Kardec,[1] esclarecem que, aos 24 anos, sua
preocupação científica e seu caráter
eminentemente positivo o fariam escrever numa obra sobre
Educação Pública:
“Aquele que houver estudado as ciências
rirá, então, da credulidade supersticiosa dos ignorantes.
Não mais crerá em espectros e fantasmas, não mais
aceitará fogos-fátuos por Espíritos”.
Foi, portanto, como racionalista estudioso, avesso ao
misticismo, que ele se pôs a examinar os fatos relacionados com
as “mesas girantes e falantes”, fenômeno que eclodiria, mais
tarde, na Europa, chamando a atenção do mundo inteiro
(Obras Póstumas, Feb, p. 265-276).
A esse respeito, analisemos o pensamento transparente
do próprio Kardec:
“Tendo adquirido, no estudo das ciências exatas,
o hábito das coisas positivas, sondei, perscrutei esta nova
ciência (o Espiritismo) nos seus mais íntimos refolhos;
busquei explicar-me tudo, porque não costumo aceitar
idéia alguma, sem lhe conhecer o como e o porquê”. (O Que
é o Espiritismo, p. 79).
Aos vinte e oito anos, casou-se com Amélie
Gabrielle Boudet, também professora e escritora, nove anos mais
velha que ele. Não tiveram filhos, o que permitiu ao casal
dedicação intensa à nobre missão de educar.
Aos cinqüenta anos, o professor Rivail tomou
conhecimento, pela primeira vez, da existência das mesas girantes
e falantes, por meio do Sr. Fortier (outro estudioso do magnetismo).
Certa vez, Rivail encontra-se com um amigo (Sr. Carlot) e este lhe
conta a novidade: compareceu a uma reunião em que as mesas
não apenas se movimentavam, mas também se comunicavam.
Rivail não levou a sério tal
notícia, em virtude do temperamento brincalhão do
informante. Entretanto, ao avistar-se novamente com o Sr. Fortier,
homem sério e profundo estudioso do magnetismo, este lhe
confirma as observações do Sr. Carlot. Diante de
tão incrível informação, esta foi a
reação “positivista” de Rivail:
“Só acreditarei quando vir e quando me provarem
que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que
possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu
não veja no caso mais do que um conto da carochinha”.[2]
A maioria dessas reuniões, praticada nas rodas
sociais, era pública e de caráter leviano, em que as
pessoas faziam perguntas fúteis aos Espíritos, com
relação ao passado, ao futuro e aos fatos corriqueiros da
vida particular de cada um.
Levado pelo Sr. Fortier a uma reunião privada,
de caráter sério, na residência da Sra.
Planeimason, Rivail confirma o que lhe haviam dito. A princípio,
Rivail, apoiado nos estudos do Magnetismo, considerou que o movimento
das mesas pudesse ocorrer por causa dos fluidos elétricos
emanados do próprio corpo físico, o que é,
cientificamente possível, mas, posteriormente, verificou que os
fenômenos provinham de uma causa inteligente independente do
médium.
Foi então que o eminente professor passou a
comparecer a essas reuniões, movido pelo espírito de
pesquisa, oportunidade em que formulava perguntas elaboradas por
antecipação, algumas de cunho filosófico e
científico. Percebeu, então, que nem todos os
Espíritos sabiam respondê-las, enquanto outros o faziam
com uma profundidade jamais vista. Deduziu, a partir destas
observações, que a simples morte física dos homens
não os transforma em santos ou sábios. Eles continuam a
ser o que foram em vida, com suas virtudes e com seus defeitos.
Ante a importância da magna
revelação da Espiritualidade trazida à Terra,
Rivail exclamou:
“Entrevi naquelas aparentes futilidades, no passatempo
que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério,
como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim
investigar a fundo. [...] Compreendi, antes de tudo, a gravidade da
exploração que ia empreender; percebi, naqueles
fenômenos, a chave de um problema obscuro e tão
controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a
solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em
suma, toda uma revolução nas idéias e nas
crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior
circunspecção [seriedade] e não levianamente; ser
positivista e não idealista, para não me deixar iludir”.[3] (Destacamos).
Perto de 52 anos, pela primeira vez, Rivail tomou
conhecimento oficial da sua missão de Codificador da Doutrina
Espírita, por meio de uma comunicação espiritual.
Foi na casa do Sr. Roustan, através da médium Japhet. O
Espírito, que se autodenominou “Verdade”, disse-lhe:
“Confirmo o que foi dito, mas recomendo-te
discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais
tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te
surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes
falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os
desígnios de Deus não assentam na cabeça de
um homem.”[4]
A missão de Rivail foi confirmada por mais duas
vezes, através de médiuns diferentes, em ocasiões
e lugares distintos. Assim que tomou consciência da gravidade do
chamado que ecoava do Mundo Maior, elevou uma prece ao Criador, mais ou
menos nestes termos:
“Senhor! pois que te dignaste lançar os olhos
sobre mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a
tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida;
dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de
tão grande tarefa; a minha boa-vontade não
desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam.
Supre a minha deficiência; dá-me as forças
físicas e morais que me forem necessárias. Ampara-me nos
momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus
celestes mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus
desígnios.”[5]
Antes das confirmações de sua
missão, Rivail não estava muito motivado com o trabalho
que se lhe antepunha, pois não se sentia à altura de
exercer tarefa de tamanha magnitude, o que demonstra, mais uma vez, a
humildade e a grandeza moral do Codificador.
Nessa época, alguns amigos e intelectuais
insistiram para que aceitasse a tarefa. Eles, que já coletavam
material há mais de cinco anos, passaram-lhe cinqüenta
cadernos com centenas de comunicações de inúmeros
Espíritos, colhidas por meio de diferentes médiuns, que
cabia a Rivail estudar, classificar, coordenar, organizar e
deduzir-lhes as conseqüências.
E assim o fez, continuando a freqüentar as
reuniões mediúnicas sérias, ocasião em que
fazia várias perguntas, submetendo ao crivo da razão e da
lógica os ensinamentos dos Espíritos. Quando se deu
conta, estava totalmente envolvido no projeto, época em que teve
a inspiração de reunir aquelas informações
em livros, sendo o primeiro deles O Livro dos Espíritos, em
forma de perguntas e respostas, finalmente publicado em 18 de abril de
1857, data que marcou, em definitivo, a vitória do
espírito sobre a matéria!
A Doutrina Espírita revolucionou o pensamento
científico, filosófico e religioso da humanidade. Faz-se
relevante mencionar que Kardec teve, a princípio, grande
dificuldade de aceitar o princípio da
reencarnação, que não lhe passava pela
idéia. Vejamos a sua opinião a respeito:
“Esta teoria [da Reencarnação] estava
tão longe do nosso pensamento quando os Espíritos no-la
revelaram, que ela nos surpreendeu de maneira estranha, porque,
confessamo-lo com toda a humildade, o que Platão havia escrito
sobre esse assunto especial nos era totalmente desconhecido, mais uma
prova, entre mil outras, de que as comunicações que nos
têm sido dadas não refletem, absolutamente, a nossa
opinião pessoal. A doutrina dos Espíritos acerca da
reencarnação nos surpreendeu, pois; diremos mais:
contrariou-nos, porque lançava por terra nossas próprias
idéias.”[6] (Destacamos).
Por ser o seu nome muito conhecido no mundo
científico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo
originar confusão, talvez mesmo prejudicar o êxito do
empreendimento de formular a Codificação, adotou o
pseudônimo de Allan Kardec, nome que, segundo lhe revelara o seu
orientador espiritual, ele tivera em uma encarnação
recuada. Adotando o pseudônimo de Allan Kardec, o Professor
Hipollyte Léon Denizard Rivail deu grande
demonstração não somente de fé, mas
igualmente de humildade, considerando que seu nome civil era bastante
conhecido e respeitado na França, não somente em virtude
de suas obras publicadas, mas também porque descendia de antiga
e conceituada família, cujos membros brilharam na advocacia e na
magistratura.
Na busca da Verdade, Kardec utilizou-se do
método intuitivo-racionalista, divulgado por Pestalozzi
(1746-1827), na investigação dos fatos, considerando o
valor da análise experimental, através da
observação e do uso do raciocínio, da analogia,
para daí se extraírem, por indução, os
resultados e se chegar a enunciados gerais. Dora Incontri, em sua obra
Educação e Ética,[7]
elucida em que bases se deu a metodologia utilizada pelo Codificador:
“Procedei do conhecido para o desconhecido; do
particular para o geral; do concreto para o abstrato; do mais simples
para o mais complicado; primeiro, a síntese, depois a
análise. Não a ordem do assunto, mas sim a ordem da
natureza.”
Foi com base nessa metodologia, observada com rigor
científico, que Kardec compilou e codificou as cinco obras
básicas do Espiritismo, que foram publicadas nos seguintes anos:
1857 - O
LIVRO DOS ESPÍRITOS
Cunho filosófico:
contém a síntese das quatro obras abaixo.
1861 - O LIVRO DOS MÉDIUNS
Cunho prático-experimental:
estuda e orienta a técnica da comunicação
responsável com o mundo invisível.
1864 - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
Cunho moral: explica os
ensinos evangélicos do Cristo.
1865 - O CÉU E O INFERNO
Cunho penalógico: estuda a
situação da alma durante e após a morte;
penalidades e recompensas futuras (Justiça Divina).
1868 - A GÊNESE
Cunho científico: estuda a
origem do Universo, segundo as leis da Natureza; e os “milagres” e
predições do Cristo.
Kardec fundou, em Paris, a 1º-1-1858, a Revista
Espírita, palco de maturação e
divulgação das idéias espíritas, e, a
1º-4-1858, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,
onde, durante mais de onze anos, com o concurso de estudiosos e
cientistas de renome, se dedicou à pesquisa e ao estudo dos
fenômenos psíquicos (Obras Póstumas, Feb, p.
294-295).
Passada a fase de curiosidade dos fenômenos, o
Espiritismo foi muito perseguido, de todas as maneiras. Destaca-se,
entre as perseguições, a inclusão das obras
espíritas no Index Librorum Prohibitorum[8]
e a queima de livros espíritas na Espanha, pela Igreja
Católica, no famoso episódio conhecido por
Auto-de-fé de Barcelona[9] (Obras
Póstumas, Feb, p. 302-304).
Kardec sabia, por orientação da
Espiritualidade Maior, que não teria tempo nem saúde
(Obras Póstumas, Feb, p. 317-321) para dar seqüência
à imensa tarefa de divulgação da Doutrina
Espírita e que outros trabalhadores valorosos continuariam o seu
empreendimento. Ele estava consciente, também, de que, se
quisesse aprofundar o trabalho que começou, necessitaria mesmo
de uma nova encarnação. As leis naturais teriam que se
cumprir sem privilégio algum para ele (Obras Póstumas,
Feb, p. 291-292).
Depois de intensa atividade, à qual se dedicou
com amor, lealdade, afinco e esforço heróico à
causa, Allan Kardec desencarnou, com 65 anos incompletos. O desenlace
aconteceu em Paris, a 31 de março de 1869, quando estava
trabalhando nos preparativos para mudança de endereço. Ao
atender a um caixeiro-viajante, que estava comprando um número
da Revista Espírita, caiu fulminado por um aneurisma cerebral
(acidente cardiovascular). Narram os seus biógrafos que o
desenlace do Mestre de Lion ocorreu de forma bastante serena.
O corpo do Codificador foi sepultado no
Cemitério Montmartre, em Paris, na França. Durante o
sepultamento, Kardec foi aclamado pelo astrônomo e escritor
francês Camille Flammarion (1842-1925) como o “bom senso
encarnado”, devido à sua grande inteligência,
imparcialidade, discernimento, coerência, zelo e
equilíbrio emocional que sempre orientou a sua vida particular
e, especialmente, na condução da magna tarefa da
codificação da Doutrina Espírita (Obras
Póstumas, Feb, p. 21-30).
Posteriormente, numa homenagem dos amigos mais
íntimos, seus restos mortais foram transferidos para o
Cemitério do Pere-Lachaise, conhecido como “Cemitério do
Leste”, na mesma cidade, onde foi construído, em granito bruto,
um dólmen (monumento ao estilo dos costumes dos povos druidas,
com os quais partilhara uma de suas encarnações), com a
seguinte inscrição em seu pórtico, que bem resume
a Doutrina Espírita: “Nascer, morrer, renascer ainda, progredir
sempre, tal é a lei.” Este monumento encontra-se, até
hoje, no mesmo local, aberto à visitação do
público.
Sem dúvida, o conhecimento da biografia dos
grandes homens auxilia muito no entendimento e na
interpretação de suas obras, que invariavelmente recebem
grande influência do meio.
Com Allan Kardec não foi diferente. O
codificador, humanista temperado com as idéias iluministas,
ainda em voga no século XIX, de René Descartes
(1596-1650), John Locke (1632-1704), Isaac Newton (1642-1727),
Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Jean-Jackes Rousseau
(1712-1778), entre tantos outros, também recebeu grande
influência de seu meio, principalmente do Positivismo, no auge
das grandes conquistas humanas, no campo das idéias e das
invenções, o que destacou grandemente a Terceira
Revelação (Espiritismo), que foi submetida ao rigoroso
teste dos sábios, pensadores, filósofos, cientistas e
inventores de renome, os quais relutavam em aceitar princípios
espirituais, muitos deles desacreditados, graças aos abusos
cometidos no passado.
______________
[1] 1979, v. 2, p. 63.
[2] Idem, p. 62.
[3] Idem, p. 64 e 67.
[4] Idem, p. 69.
[5] Idem, ibidem.
[6] Obra citada, v. 1, p.
133.
[7] 1997, p. 130.
[8] Em 1o-5-1861, as obras
espíritas codificadas por Kardec também foram
incluídas no rol dos livros proibidos ou censurados, pela Igreja
Católica, como forma de combater a Doutrina nascente.
[9] O Auto-de-Fé de Barcelona
(Espanha) foi o nome dado à cerimônia oficial, em que
foram queimados vários livros espíritas, em 9-10-1861,
prática que ressuscitou o velho método da
Inquisição praticada pela Igreja Católica, ato de
intolerância religiosa que serviu para chamar ainda mais a
atenção para as graves questões espirituais, o que
teria levado Kardec a exclamar: Pode-se queimar os livros, mas
não se queimam as idéias neles contidas, que serão
multiplicadas ainda mais pelas cinzas dessa fogueira.
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