(Artigo publicado
originalmente no jornal "O Clarim" em fevereiro de 2006)
“Crucifiquem
Jesus, libertem Barrabás”
Lucas, 23:18.
Não
poucas escolas filosóficas nascem, atingem rápido
apogeu e, tal como surgiram, desaparecem por faltar-lhes bases firmes
onde possam cimentar suas teses. Se permanecem ainda alguns
resquícios, com o tempo se esboroam... Tal aconteceu com o
Positivismo, doutrina de Auguste Comte que, em seu zênite
seduziu muita gente, causando – digamos – uma espécie de
ebulição intelectual, cuja “fervura” não
se sustentou por faltar-lhe o “fogo
sagrado” da Verdade.
Lembra-nos o saudoso Deolindo Amorim:
“(...) O Positivismo tem por lema: o Amor,
a Ordem e o
Progresso. Tão grande e sadia foi a influência do
Positivismo no Brasil, que a Bandeira brasileira conserva até
hoje a bela e significativa inscrição: Ordem e
Progresso.
O Positivismo diz que os vivos
são sempre e cada vez mais
governados pelos mortos; o Espiritismo afirma este princípio,
de outro modo, e também esposa a trilogia: Amor, Ordem e
Progresso. Mas, seria cabível concluir que o Espiritismo
e o Positivismo são a mesma coisa? Não.
Os conceitos, na forma,
são idênticos,
mas as concepções filosóficas divergem
fundamentalmente. Segundo a filosofia espírita,
apoiada, aliás, sobre o testemunho das provas experimentais,
os chamados mortos têm influência, diretamente, sobre os
vivos. O Espiritismo defende, portanto, a tese da imortalidade
individual, isto é, a imortalidade objetiva e não
apenas teórica; quando, porém, o Positivismo preceitua
que “os vivos são governados pelos mortos”, não se
refere à sobrevivência do Espírito nem quer
dizer, com este asserto, que os Espíritos desencarnados, como
nós entendemos, venham entrar em relações com o
homem. A noção positivista de Imortalidade é
puramente subjetiva, porque apenas preconiza o culto dos mortos pelo
exemplo, na lembrança dos vivos: os grandes homens, os
benfeitores da Humanidade (Aristóteles, Arquimedes, Pasteur,
por exemplo) continuaram influindo nos destinos humanos pelas suas
obras, pela memória que deles fica, em cada
geração
que se sucede. A Imortalidade histórica, não é a
Imortalidade individual. Para o Positivismo, o problema da
Imortalidade do Espírito ou da Vida futura pertence à
metafísica e, portanto, não deve entrar nas
cogitações
da inteligência humana. Já se vê que é
muito diferente a concepção Espírita. Seria
impossível confundir Espiritismo e Positivismo, apesar de
haver conceitos e sentenças que se adaptam, ao mesmo tempo,
tanto a esta como àquela doutrina, conquanto sejam
enunciados com objetivos diferentes”.
Estabelecendo um paralelo entre o Positivismo e o
Espiritismo, o nosso mui querido Dr. Bezerra de Menezes, sob o
pseudônimo de “Max”, publicou o seguinte texto no jornal de
seu tempo “O Paiz”, em sua coluna: Espiritismo, Estudos
Filosóficos:
“(...) Aproveitando o progresso realizado
pela Doutrina de
Jesus, Auguste Comte construiu, por orgulho e por
ambição,
uma doutrina oposta à d`Ele, que poderá seduzir pelo
brilho, mas, em sua essência não tem por onde resistir
à
uma análise racional, conscienciosa; uma doutrina que só
tem valor pela moral, que não é especial, que é
toda copiada, com retoques sem importância, da moral de Jesus;
uma doutrina cuja parte filosófica, para prova de sua
debilidade, se firma sobre este princípio: “Só
aceitar o que é materialmente provado!”
Vê-se,
por aí, que muito propositadamente tal
doutrina repelia de seu campo de estudos a idéia de Deus, da
alma, de todos os fenômenos, em suma, do mundo espiritual, os
quais, de nenhum modo, podem ser apreciados, na opinião
corrente do chefe e dos sectários do positivismo, pelos seus
processos e aparelhos, apenas sensíveis aos fenômenos
materiais.
Que qualidades pessoais, conferentes
com a própria moral,
exibiu Auguste Comte, comparáveis com as de Jesus? Que
benefícios têm produzido à Humanidade a Doutrina
positivista em absoluto, e principalmente, com relação
à de Jesus? Comte, diante de Jesus, é o orgulho
humano, diante da Humanidade angélica; é
ambição
pessoal, diante da abnegação até o
sacrifício
da Vida!
O positivismo, diante da pura
Doutrina de Jesus, é tão
só a pretensão exagerada, diante da Verdade atestada
por 21 séculos de provas espalhadas por todo o mundo.
Tudo o que aí fica exposto
está tão gravado
na consciência universal que só um cego fanatismo ou o
Espírito de sistema poderão contestar.
Se Deus existe, apesar de não
ter a honra de ser
reconhecido pelos positivistas, e se a Doutrina de Jesus é
emanada de Seu infinito amor pela Humanidade, como o crê a
universalidade das pessoas e o revela seu caráter de
indestrutibilidade o que será de uma nação que
preferir em vez da Doutrina de Comte, a Doutrina de Jesus?
Tomando o chefe do positivismo por
patrono, ela tem a certeza de
que toma um homem como qualquer outro, com todas as fraquezas e
falibilidades humanas.
Tomando por guia e protetor a Jesus,
ela não pode deixar de
ficar, pelo menos, na dúvida de ter por si um homem ou um
ministro do Senhor, e em todo o caso um homem muito superior a Comte,
um homem a quem o mundo deve todos os benefícios que hoje
possui.
Naquela dúvida, pois,
que vai de encontro à opinião
dos povos, quem, com juízo reto, preferirá ao superior
o inferior?”
Podemos avançar ainda mais, entrando no
campo específico dos arraiais espiritistas: Temos testemunhado
algumas não poucas defecções em nossas
fileiras... Em sã consciência, uma criatura que se diz
conhecedora do Espiritismo, mas que ainda sente a “saudade do
altar”, ou que O abandona por outro “ismo” qualquer,
assemelha-se, sem dúvida aos hebreus que entre Jesus e
Barrabás optaram pelo último. Aquele povo está
pagando até hoje em ruínas, desastres e
desolações
o alto preço de sua opção equivocada.
Há que se generalizar a piedade para com todos os
que vamos
ficando pelo caminho, seduzidos sabe-se lá pelo que, vez que
teremos que pagar o preço da desídia; preço
esse nada barato, pois Jesus disse que aquele que muito recebeu, dele
muito será exigido.
Oremos por todos nós...
Índice
Existe
uma Pedagogia Espírita ?, Dalmo Duque
dos Santos, Brasil
Toda
filosofia tem sempre três aspectos a serem considerados: aquilo
que
pensamos sobre o assunto, aquilo que sentimos e aquilo que colocamos em
prática, através de atitudes. O que pensamos é
teoria e não muda a
realidade em que vivemos. Já o que praticamos, motivado pelos
sentimentos e emoções, causa mudanças em
nós e no entorno da nossa
experiência. A mente pensa, age e sente simultaneamente num
processo
dinâmico de vivências. Podemos fazer essas três
coisas separadamente e
isso significa que estamos fazendo experiências parciais e
isoladas.
Isso é muito comum nas mentes imaturas e deliberadamente
alienadas, em
constante processo de fuga da consciência. Pensar, sem revelar os
sentimentos, agir sem pensar, sentir ocultando pensamentos e
ações são
operações mentais que geralmente utilizamos para enganar
a mente ou a
nós mesmos. Com a filosofia espírita não é
diferente. Podemos pensá-la,
restringindo-a aos domínios do intelecto e ocultando os nossos
sentimentos; ou podemos coloca-la no plano atitudinal, agindo
simultaneamente com os nossos conhecimentos doutrinários e os
nossos
sentimentos, coloridos pelos valores morais.
Aprender
e ensinar o Espiritismo também passa por essa reflexão
sobre a natureza
da nossa mente e a mentalidade dela decorrente, surgindo assim as
seguintes perguntas: o que seria uma pedagogia espírita? Seria o
domínio das habilidades mediúnicas? Seria o
ensino da filosofia e a educação das suas
conseqüências morais? Seria a
capacidade de observar o mundo segundo a ótica espírita,
isto é,
comparar a realidade utilizando como referência os postulados
fundamentais do Espiritismo como, por exemplo, a existência do
Espírito, a imortalidade pela constatação da
sobrevivência após a
morte, a lei de ação e reação, a lei da
reencarnação, a pluralidade de
mundos e o intercâmbio através da mediunidade?
Se
for tudo isso e mais alguma coisa que esquecemos de apontar,
então no
que o Espiritismo é diferente das filosofias espiritualistas que
também
postulam essas verdades?
Onde
está o diferencial que pode ser transposto para um projeto de
ensino e
educação espíritas e, principalmente, para uma
efetiva prática
educacional com o poder de transformação das pessoas e da
sociedade?
Achamos
que o diferencial não está no fenômeno
espírita, bem como na sua
observação e controle psíquico; muito menos na
apropriação intelectual
do conhecimento filosófico. Achamos que este s e encontra num
outro
tipo de apropriação do conhecimento, que são as
implicações morais
deles resultantes. Mais ainda: achamos que as
implicações, exatamente
como Rivail percebeu ao longo das primeiras reuniões de
mesas-girantes,
que é a vivência dessas implicações morais,
não nos debates e
discussões da ética espírita, mas na
exemplificação pessoal desses
valores.
Não
foi coincidência nem à toa que o Espiritismo tenha dado
seus primeiros
passos em núcleos domésticos, em ambiente familiar, base
educativa e
vivencial dos seres e das sociedades civilizadas. É na
família e no
ambiente familiar que as coisas realmente importantes na vida do
Espírito acontecem. Tanto a educação como a
reeducação geralmente só
ocorre com êxito, salvo exceções, na qual a
ausência familiar é fator
de prova ou expiação, em núcleos fami liares ou
afins. Essa é a grande e verdadeira sala
de aula onde começa o ensino e a educação pelo
Espiritismo e de onde
jamais deverá ser banido como prática educativa, ou
radicalmente
substituído pelas formas alternativas de aprendizagem.
Não podemos
jamais perder de vista essa primeira lição dada pelos
Espíritos
Superiores, como fez Jesus ao nascer numa manjedoura.
Mas
isso não quer dizer que somos contra as formas alternativas de
aprender
e ensinar o Espiritismo. Só não podemos nos iludir com os
modismos
superficiais e trocar os fins pelos meios.
Outras
dúvidas: porque tantos espíritas, incluindo algumas
antigas e atuais
celebridades do nosso movimento tanto falam numa “pedagogia
espírita”,
mesmo que seja um rótulo de aparência, na falta de uma
definição melhor
do tema? Será
que é um idealismo definido ou sonho de aceitação
e de domínio social,
quando, por exemplo, observamos o alto poder de influência
política e
econômica das escolas confessionais católicas,
protestantes, etc?
Pode
ser apenas uma impressão da nossa parte, mas existe em nosso
movimento,
sobretudo nos espíritas de pendor intelectual, uma certa
dificuldade de
compreender os mecanismos da transformação moral do ser
humano. Em
núcleos mais cristianizados essa transformação
é simplificada pela
expressão “reforma íntima”, ou seja, matar o homem velho
e deixar
nascer o homem novo, usando a metáfora do Ap óstolo
Paulo. Aliás, esta
é também a dificuldade que temos de compreender a
transformação moral
de Rivail para Kardec, na qual o Codificador nos deu um claro exemplo
de disposição para o amadurecimento espiritual, ocorrido
quando ele já
contava mais de meio século de idade física.
Os
espíritas que têm dificuldades com a reforma
íntima, em cujo grupo
também nos incluímos, tendem a valorizar mais o passado e
o perfil
intelectual do Codificador do que a sua experiência de
maturação
consciencial, realizada num momento em que seu Espírito estava
vivamente preocupado com o tempo futuro. Foram 14 anos nos quais Rivail
se transformou em Kardec, não pela simples mudança de
nome ou adoção
formal de um pseudônimo. Temos a nítida
convicção que, ao adotar o
pseudônimo Allan Kardec, o Codificador não só
atendeu ao simbolismo
sugerido pelo seu Espírito protetor, n em tampouco estava
solucionando
um simples problema de identidade jurídica, mas estava
também
equacionando um importante dilema de identidade existencial. Naquele
momento estava iniciando a agonia da morte do homem velho, do mundo
objetivo e positivo, do pedagogo que lutava pelo ganha pão, para
deixar
nascer ou ressurgir o homem novo, o educador da espiritualidade. Esse
despertar de Kardec, cuja iniciação foi rápida e
proveitosa, pois o seu
potencial de maturação era imenso, como o próprio
Espírito o alertou,
lembrando suas experiências anteriores, mostra bem as graves
diferenças
de concepções educativas que permeiam os atuais ambientes
de
aprendizagem espírita.
A
pedagogia de Rivail, embora humanista, refletia a sua visão de
mundo
ainda estreita e limitada pelos cinco sentidos, portanto altamente
cerebral e vo ltada para os problemas de sua época. Rivail
talvez não
fosse um materialista, mas não acreditava em Espíritos,
nem em
reencarnação, muito menos na possibilidade de
comunicação entre vivos e
mortos. Isso está bem exposto em “Obras Póstumas”.
Só mudou de idéia
quando constatou, testou e comprovou o que viu e ouviu. Não
só mudou de
idéia, processo que foi até rápido, mas
também de postura, processo que
podemos perceber nos textos da Revista Espírita e nas obras
posteriores
ao “Livro dos Espíritos”. Não
podemos esquecer que este livro, segundo o próprio Kardec, teve
participação intuitiva e também direta dos
Espíritos, corrigindo
inclusive algumas falhas conceituais. Já o auto-educador Allan
Kardec,
nesse percurso de 14 anos, rompeu com essa limitação
cerebral e
penetrou no universo ilimitado da mente. Os sábios gregos da
Antiguidade chamavam essa experiência de “andragogia”,
prática
educativa que se realizava em campo dialeticamente opost o da
pedagogia. A escola de Pitágoras, em comparação
com a maioria das
escolas filosóficas gregas, possuía esse diferencial
andragógico. Não
se trata de educar “adultos”, no sentido literal da palavra, mas
despertar consciências. A pedagogia também não deve
encarada no sentido
literal de educar “crianças” e sim potencializar mentes imaturas
e
infantis[1].
Assim,
devemos dizer que o termo “pedagogia espírita”, quando colocado
como
proposta educativa filosófico-intelectual das escolas
racionalistas,
pode ser um contra-senso, um equívoco conceitual e
histórico que tenta,
em vão, associar de forma linear a figura transformada,
amadurecida e,
portanto, revolucionária de Allan Kardec com personalidades da
educação
humanista, ainda que respeitáveis reformadores em suas
épocas, mas que
pouco têm a ver com a essência filosófica do
Espiritismo. Comenius,
Rousseau e Pestalozzi realmente inovaram na educação
pedagógica, mas
ainda não estavam preparados – nem havia ambiente
histórico para isso - para
ousar e romper as amarras da intelectualidade e mostrar que adultos e
crianças são Espíritos e que tais
condições biológicas são sempre
relativas quando defrontadas com o fator reencarnação.
Nas diferentes
épocas de Comenius, de Rousseau e Pestalozzi não havia
como demonstrar
positivamente essa realidade, sob o grave risco de
acusação de bruxaria
e pena de morte, inclusive na Suíça, porque o paradigma
espírita não
havia sido abertamente proposto e rompido com os anteriores. Tudo isso
era assunto de alto risco social, restrito aos círculos
esotéricos.
Quem se atreveu a desafiar tai s dogmas pagou com a vida essa
ousadia. O
que encontramos nesses educadores são idéias
superficialmente parecidas
com as idéias espíritas,de linguagem emocional, mas
não espíritas em
si. São idéias no máximo “precursoras”, o que
é bem diferente de
“semelhantes”. É só lembrar a “dificuldade” mental e a
aversão que os
esoteristas têm até hoje com a mediunidade. Swedenborg,
Andrew Jackson
Davies, D.D. Home, as irmãs Fox, os grandes nomes do
espiritualismo
anglo-saxônico jamais conseguiram digerir intelectual e
emocionalmente
a idéia de reencarnação. Por isso não se
poder dizer que eram
espíritas. Kardec, por questões diplomáticas,
até tentou colocar panos
quentes nessa questão, afirmando que isso era uma questão
de tempo e
que não alterava o conjunto da revelação
espírita. Mas, a bem da
verdade, tudo se resumia num problema de maturidade
consciencial.
Até mesmo a “História do Espiritualismo”, de Arthur Conan
Doyle, que
Júlio de Abreu Filho e Herculano Pires também tentaram
“esquentar”,
traduzindo “espiritualismo” como “espiritismo”, para não perder
o valor
documental dos fenômenos e experiências, é uma prova
de que as coisas
não acontecem fora de hora, sem contexto, e que há uma
diferença entre
coelho e lebre, uma distância entre entender e compreender as
coisas.
Talvez esses três grandes educadores, colocados como precursores
de
Kardec, possuíssem a intuição das idéias
espíritas trazidas de mundos
superiores, ou de núcleos da erraticidade que freqüentavam,
mas, como
os homeopatas e socialistas utópicos, apenas lançavam
sementes em
terreno árido e insensível. Benoît-Mure, que seguia
as idéias
educativas de Jacot e medicinais de Hanemman praticava a medicina
homeopática em ambiente de forte espiritualidade, mas há
uma grande
distância em dizer que ele e João Vicente Martins eram
espíritas.
Kardec talvez tenha percebido essa di ferença e logo entendeu
que tais
mudanças só ocorreriam de fato quando as coisas novas
recebessem um
tratamento novo, começando pelas palavras e complementando pelas
práticas. Isso era algo para o futuro, num tempo bem à
frente do seu.
No
caso do Espiritismo, como novo paradigma, toda educação
voltada para a
intelectualidade tende a perpetuar os valores do homem velho e
impedir a manifestação pura do homem novo. Essa é
a causa do
sincretismo religioso e do hibridismo filosófico (ou impureza
doutrinária) encontrados nos centros espíritas.
Isso acontece também com qualquer idéia educativa
inovadora, quando
formulada e aplicada em sistemas escolares convencionais. A
educação
espírita sofre esse bloqueio quando se defronta, nos centros
espíritas
ou escolas, com sist emas racionalistas. A racionalidade, quando
utilizada como meio, funciona perfeitamente e cumpre o
seu papel intelecto-existencial. Quando utilizada de forma invertida,
como finalidade, torna-se uma perversão, um vício dos
sentidos. Isso
aconteceu com a educação cristã ao adotar dogmas
de fé e se submeter ao
sistema sacerdotal romano. Tanto é que um dos dogmas
filosóficos
restaurados com mais ênfase pelo Espírito Verdade foi
exatamente o da
imortalidade real, sustentado cientificamente pela mediunidade e pela
lei da reencarnação, que são ao mesmo tempo prova
e essência da
transitoriedade carnal e existencial, e também
da transformação consciencial ou ressurreicional. Os
católicos e
protestantes, profundamente degradados espiritualmente, ou ainda
imaturos, foram os responsáveis por essa perversão da
religiosidade,
cultivando a religião dogmática e materialista. A
educação espírita,
ora em con strução, não deve contaminar-se pelas
formas confessionais,
portas largas do conforto institucional, nem pelas
seduções
intelecto-acadêmicas, pois corre o risco de repetir os mesmo
erros
desses irmãos transviados. Assim como os templos tornaram-se
prostíbulos da religião, como as artes se corromperam nas
vielas
obscuras da tecnologia e do lucro, os centros espíritas e
entidades
federativas podem se converter em poderosos antros de
materialização do
espírito e fossilização das idéias e
sentimentos. Conceitos como “Orai
e vigiai”, “Amai-vos e instruí-vos”, ou
ainda “Sede perfeitos” ainda são dogmas filosóficos
educativos de
grande valor, de difícil superação e
desatualização. Mas, como se sabe,
nada resiste à indiferença e à teimosia humana. O
único problema é que
poderemos pagar caro por essa atitude de continuar jogando
pérolas aos
porcos.
É
por isso que afirmamos não existir de fato, ou ser um
contra-senso, a
“pedagogia espírita”. E nem pode haver, porque no momento em que
ela é
envolvida pelos esquemas institucionais (cerebrais, racionais, legais e
utilitários), acontece o aborto da verdadeira idéia de
educação que ali
foi idealizada. Surge então uma falsificação, uma
adaptação
educacional. Prova disso são as nossas escolas de
evangelização
infantil e cursos de espiritismo, cujas práticas educativas
superficiais e teorias meramente racionalistas tendem a criar nas
mentes dos alunos um mundo irreal, propício à fantasia e
à hipocrisia.
Esse clima de máscaras doutrinárias, de
competição e de patifarias
entre irmãos é facilmente destruído ao longo das
experiências
cotidianas, realistas e cheias de espinhos das provas e
expiações.
Dessa falsa educação para a condição de
desertores o caminho é curto.
Uma
educação espírita andragógica, de
exploração vivencial, de complexidade
integral (pensamento, ação e sentimento) pode vir a ser
uma grande
revolução porque certamente ela partiria de educadores
realmente
transformados, mas principalmente das próprias crianças,
por serem
espontâneas, sem máscaras. Ou então de adultos em
constante atitude de
insatisfação consigo mesmos, em busca permanente de
soluções das
equações íntimas, relevantes para o
Espírito e não para o intelecto.
Nela a experiência intelectual não vai ser desprezada, nem
banida;
simplesmente vai ser colocada no seu devido lugar, deixando de brilhar
como fim, segundo o novo paradigma mente-corpo, para atuar como meio.
Também
é difícil e curioso entender porque Allan Kardec, sendo
antigo educador
de profissão, ao tomar contato e desenvolver filosoficamente o
Espiritismo, não tenha cogitado e fundado uma Escola
Espírita. Ao
contrário, sua concepção de educação
espírita demorou para ser
formulada e soa de maneira muito vaga, visto que era um “herdeiro” de
Pestalozzi, de Comenius e de Rousseau. Sua formulação
filosófica tinha
conteúdo suficiente para implantar um sistema educacional
convencional,
do tipo que ele de Amélie Boudet conheciam muito bem. O que
aconteceu
então? Falta de recursos, falta de tempo, falta de
definição de um
currículo essencialmente espírita? Tudo muito
estranho, não e mesmo? Ou ele entendia ser uma escola
intelectual e
pedagógica, com toques sentimentais, como a que estudou em
Yverdon, o
que é pouco provável pela sua maturidade
filosófica abertamente exposta
nas obras e na sua v ivência na Sociedade de Estudos
Espíritas e
registrada na Revue. Ou
então compreendeu que tal idéia só seria
possível depois de uma ampla
propagação e assimilação social do
Espiritismo, como expôs na tese das
“Aristocracias” e dos “Seis Períodos do Espiritismo”.
Já
no século XIX, os sucessores de Kardec na Revista
Espírita, Pierre e
Marina Leymarie, juntamente com Jean Macé e Emmanuel
Vauchês fundaram a
Liga do Ensino, uma tentativa experimental de unir Espiritismo e
Socialismo Utópico num currículo escolar, mas, ao que
tudo indica, não
obtiveram sucesso, pois o projeto acabou sendo transferido da sua casa
para o Falanstério de Guise, dirigido por J.B. Godin. Se
lembrarmos do
Colégio Allan Kardec, fundado em 1907 por Eurípedes
Barsanulfo, em
Sacramento, podermos ter uma idéia de como a
educação espírita de fa to
iria demorar para ser implantada como prática educacional
efetiva.
Eurípedes se esforçou para implementar um
currículo espírita, mas o que
aconteceu, na prática foi uma adaptação daquilo
que ele concebia como
Espiritismo, acrescida da sua experiência educacional
católica, herdada
da Sociedade São Vicente de Paulo. O próprio
Espírito Vicente de Paulo
alertou Eurípides sobre o perigo da “nostalgia” católica
e o exortou a
se “afastar” definitivamente daquela instituição.
É claro que a sua
história, a condição espiritual e sua mediunidade
excepcional deram um
tom revolucionário ao colégio, mas assim que desencarnou
tal
característica não pôde ser sustentada. As
tentativas se sucederam
Anália Franco, com os ex-alunos de Eurípedes, com
Leopoldo Machado, no
Rio de janeiro, com Ney Lobo, no Paraná, com o Instituto de
Educação
Espírita, em São Paulo, todos com o mesmo problema: qual
é o currículo
dessas escolas e qual sua verdadeira ideologia? Ora, uma escola e uma
educação espírita não p odem depender da
presença eterna dos seus
fundadores nem da indefinição do seu perfil curricular.
Se os próprios
educadores não conhecem os rumos de suas vidas e das suas
idéias
educacionais como querem apontar caminhos para os outros? Os
Educadores passam e o Espiritismo continua sendo o mesmo,
filosoficamente bem estruturado, aguardando que os espíritas
descubram
nesse campo um rumo novo e que consigam andar com suas próprias
pernas.
Curioso
também lembrar que Comenius, Rousseau e Pestalozzi não
tiveram uma
participação efetiva nos eventos do Espiritismo no tempo
de Kardec. Ou
permaneceram anônimos, como muitos Espíritos assim o
fizeram, ou então
estavam reencarnados, longe ou perto da seara francesa, ou ainda
não tinham muito a dizer sobre algo que não
possuíam conhecimento. A
dissertação de Rousseau na Revista Espírita pode
confirmar essa última
hipótese.
Podemos
afirmar, sem receio de errar ou polemizar, que o Allan Kardec,
espírita
do terceiro grau, auto-educador, comunicador e facilitador educacional,
está mais para Carl Rogers, Edgard Morin, Bernardo Toro e Paulo
Freire
do que para Comenius, Rousseau e Pestalozzi. Primeiro porque Allan
Kardec sempre esteve voltado para o futuro. Entenda-se futuro como o
aprofundamento de conhecimentos sobre a mente, em
oposição ao
determinismo materialista cerebral. Tais mudanças ocorreriam a
partir
das proposições filosóficas de Henri
Bérgson, prontamente acusado de misticismo; dos vastos
estudos de Freud, também taxados de crença judaica;
e que culminariam, no meio espírita, com as
revelações sobre a “casa mental”, de André
Luiz, na obra “No Mundo Maior”, também desprezada pelos
corifeus da ciência, incluindo alguns espíritas, como
superstição e engodo mediúnico. As
recentes teses sobre as inteligências múltiplas e sobre a
habilidade
emocional também contribuíram muito para essa
mudança de paradigmas na
educação e que se identificam com o Espiritismo.
Segundo
porque, se Comenius, Rousseau e Pestalozzi hoje são reconhecidos
como
precursores da educação integral, muito se deve aos
educadores e
psicólogos do século X X, que demoliram antigos dogmas
científicos e
aboliram velhos tabus da educação confessional.
Eles
demonstraram que a fé e a intelectualidade são apenas
aspectos da mente
humana e não a sua totalidade; que a mente se compõe
também de
experiência atitudinais (escolhas) e emocionais (sentimentos).
Com
Rogers e sua teoria da personalidade, por exemplo, na qual a pessoa
é
vista e tratada como um ser autônomo, livre da dependência
de
terceiros, de auto-direcionamento positivo (no sentido de
otimismo),
a
idéia de uma educação espírita encontra
eco, sentido de semelhança
filosófica. Nela o Espírito rejeita o determinismo
biológico e parte
para as experiências do livre-arbítrio. Não aceita
modelos
comportamentais prontos e definidos, com experiências e valores
estranhos aos seus ideais de crescimento pessoal.
Não
estamos raciocinando historicamente de forma linear, pois
teríamos que
colocar Jesus como um educador do passado. Este, ao contrário,
conhecia
muito bem a mente e o dilema do espírito humano. Chamava isso de
“O
Reino de Deus” (malkuth), ou “estado de coisas”. Estamos falando,
sim, de
ruptura, de revolução, de novos paradigmas, fora desse
conceito
tradicional de temporalidade etapista dos historiadores antigos. De
forma genérica, todos esses educadores, independente do tempo em
que
viveram, têm a ver uns com os outros e todos têm muito a
ver com Kardec
e Jesus. Mas, em termos específicos, quando falamos em projetos
educacionais, diretrizes curriculares e didáticas,
avaliação do
desempenho de ensino-aprendizagem, definição de
habilidades e
competências, temos que ser mais claros e transparentes quando
fizermos
r elação com o Espiritismo. Não é a nossa
vaidade ou pretensão
intelectual que nos leva a fazer todos esses questionamentos. O que nos
motiva a discutir essas idéias é a nossa
indignação ao ver tanta gente
ser iludida e mal orientada nesse setor tão vital para a
efetivação dos
nossos ideais. É a educação espírita que
recebemos, produto da
iniciativa familiar dos nossos avós e dos nossos pais, que
desperta em
nós essa preocupação; são os nossos
conhecimentos sobre Espiritismo,
que podem conter algumas distorções pessoais; não
é uma pretensão de
fama e reconhecimento acadêmico, mas a nossa simples
formação, ainda
que simples e distante dos grandes cenários acadêmicos,
bem como a
experiência de educador, professor de sala de aula, assim como
gestor
de escolar, que nos leva a essa postura crítica.
Apesar
de estarmos envol vidos ideal e profissionalmente do universo
educacional, somo da opinião de que os atuais modelos de
Educação e o
Ensino estão em franco processo de crise e falência. O que
existe são
aparência meramente institucionais, baseadas em tecnologia
material e
legislação complicada e ineficiente. Educadores de alto
conceito já
profetizaram o fim da sala de aula e de tudo o que está
aí em termo de
ensino-aprendizagem. Marilyn Férgson, em 1979, já havia
apontado todas
essas transformações paradigmáticas da
educação. Parece que ninguém
levou a sério as suas reflexões e todas as
experiências que ela apontou
como sinais de uma grande mudança , pois a força de
cooptação é muito
superior à idéia de inovação. Para mudar
é preciso repensar e recomeçar
do ponto inicial. Achamos que um projeto de educação
espírita deve dar
os primeiros passos numa estrutura familiar, modesta, pequena,
responsável, sem alardes e entusiasmos do tipo fogo de palha.
Cremos
que dessa forma deverá surgir, de onde a gente nem imagina, uma
nova
casinha de Hydesville, alguma novidade, uma luz que não seja
miragem. A
conspiração (respiração conjunta) deve
começar nos lares espíritas. Nesse
sentido, sentimos decepcionar alguns companheiros ainda afeitos ao
sectarismo doutrinário e ao conforto institucional das
associações
escolares, mas a educação espírita que concebemos,
e que precisa ser
construída após muita reflexão e pesquisa,
está cada vez mais distante
dos estabelecimentos escolares e das abordagens racionalistas e
cerebrais e muito mais próxima da educação
simples, intransitiva e
integral do Cristo, contida na Parábola do Semeador.
[1]
Existem crianças que possuem mentalidade
adulta e adultos que
são
infantis. Enquanto a pedagogia funciona no plano intelecto-racional e
horizontal da existência carnal, a andragogia funciona no plano
consciencial integral e vertical. Essa diferença marca o fim
ambivalência cérebro-mente, na qual a coluna vertebral do
Homem vem
sendo verticalizada na medida que este toma consciência de si
mesmo.
(O prof. Dalmo é Mestre
em Comunicação, Bacharel e Licenciado de História.
Licenciado em Pedagogia)
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